Alpha Ômega: a epopeia dos montanhistas do interior

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“Idealizada na década de 60 pelo lendário montanhista paranaense Vitamina (Henrique Schmidlin), mas conquistada somente nos idos de 90 pelo Máfia (Paulo César Souza) e o Dalinho (Dálio Zippin Neto) a Alpha-Ômega recebe este nome por percorrer a Serra do Marumbi do começo ao fim”. (Trecho do Relato da Carol Kutz, Alta Montanha).

Amigos começando a travessia.

Desde temporadas passadas comentava-se entre amigos, mesmo que por brincadeira, sobre a temida travessia Alpha Omega. E a brincadeira começou a ficar séria quando o Paulo Weber, no ano passado nos falou: “Ano que vem temos que concluir essa travessia rapaziada”.

Não sabíamos o que esperar. Ninguém (dos que a concluíram) conheciam um metro de trilha da tal travessia, seja pelo lado do Canal ou do Marumbi. Então ideia posta, o que fazer?

Começamos a pesquisar tudo o que conseguimos sobre tal feito, relatos, histórias, estórias, fotos, enfim, tudo que fosse útil para minimizar os problemas que teríamos pela frente. Dei a ideia do feriado prolongado de Corpus Christi e todos concordaram que seria a data ideal para partirmos para a Serra.

Data acertada, só dependíamos tempo (clima). De Rolândia outro grupo de amigos também pretendia realizar a travessia, e as datas bateram. Resolvemos unir esforços para que o comboio partisse do interior. Paulo Farina e Lucas, ambos de Rolândia, e Neto e Henrique, esses de Londrina. De Campo Mourão, partimos eu (Marcelo), Paulo Weber, Marcos e Alexandre. Tínhamos um elemento no pé da Serra, Thiago, de Quatro Barras, que seria o homem indispensável, pois seria responsável pelo resgate do carro no sítio do Zezinho, e levá-lo até
Porto de Cima.

Tudo certo, partimos na quarta-feira (19/06) a noite de CM. A galera do Norte saíra no mesmo dia, porém mais cedo. Viajamos a noite toda e como tínhamos comunicado do horário da nossa chegada, o pessoal do sítio já nos esperava… às 03:30 da madrugada. A galera do Norte já descansava, e aguardávamos a chegada do Thiago.

Logo ele chegou, e já estávamos de cargueira nas costas, foi só acertar detalhes e partimos morro acima. As 04:30, em ponto, saímos do sítio para subir a primeira montanha, o Morro do Canal, sem descansar absolutamente nada durante a noite de viagem. A adrenalina nos tomava. Ainda encontramos na saída, dois rapazes de SC, que logo ficaram pra trás, e outro colega que conhecemos na temporada passada, Onildo Paulino, grande montanhista, experiente. Estava acompanhado de uma mulher, e a proposta deles era concluir a A.O. sem muita pressa.

Tínhamos TrackLogs da trilha gravados no GPS do Paulo Weber, passados pelo Fiori e pela Fernanda Lopes, para alguma emergência, pois não queríamos usá-lo. Ainda escuro, tínhamos a bela luz da lua cheia e o céu estrelado. Por tal motivo decidimos em cima da hora de não levar minha barraca, para 4 pessoas, por conta da longa caminhada e pelo peso extra. Marquinho já levava sua barraca, pra ele e seu cunhado, Alexandre.
Paulo Weber decidiu levar uma barraca simples, sem coluna d’água, apenas para não ficar
no relento. Pois, pelas condições do tempo, não seria problema.

Quando começaram a aparecer os primeiros raios de sol, já estávamos descendo do Morro do Vigia, sentido ao Ferradura. A marcha progredia sem interrupções. Quando de repente o “teto baixou” do Ferradura adiante não tivemos mais referências visuais de nenhuma parte da Serra. Tela branca, neblina pesada, sem ver a montanha do lado. A progressão continuava. Alcançamos o Carvalho. Nele encontramos outro grupo de Curitiba, que saiu
minutos antes de nós, dois homens e três mulheres, muito bem equipados e cientes do que estavam fazendo.

Algumas voltas e tentativas de encontrar os destroços do avião da Sadia, do acidente de 67, mas nada de achar. Marquinho ficou frustrado, pois queria uma foto dos restos metálicos que descansam no topo do morro. Então fora consolado pelo Paulo Weber, que teria outra oportunidade no Morro Pelado, de ver outros destroços.

Acampamento fantasma no Morro Sem Nome.

Descemos o Carvalho, passando para o Sem Nome, e como nos relatos e fotos, encontramos o acampamento fantasma, com a lona, as botas, mochila, blusa e boné. Muito, mas muito estranho. Mais algumas fotos e demos continuação a trilha. Em seguida o Mesa, e que rampa interminável…. E como não estava diferente, molhada. Cada metro de trilha ficava mais molhada e pesada. A umidade estava alta e a vegetação super molhada. Raízes, pedras, gretas, subidas e descidas íngremes. Fundos de vales e cumes fechados e úmidos.

Uma pequena pausa entre o Mesa e o Alvorada 4 para um breve almoço, Paulo Weber sempre sendo um excelente chefe de montanha preparou uma panelada de carboidratos, para nos energizar nas próximas horas de empreitada. Uns 5 minutos de cochilo após o almoço e já estávamos de volta a trilha, e molhados até a alma.

Pausa para um lanche rápido.

Alvorada 4, Alvorada 3, Alvorada 2, foram se passando, próximos uns dos outros, e até nos perguntávamos, desorientados, em qual dos Alvoradas estávamos. Após vários fundos de vales, alcançamos os campos do Espinhento, exatamente as 17:00. Rapidamente montamos acampamento e fizemos a janta. Nem escureceu e eu já estava deitado, na barraca simples, e molhada… Marquinho ainda fez a façanha de perder o celular, próximo
da nossa barraca, mas logo o encontrou. Noite fria, úmida e sem visual.

Primeiro dia: Canal, Vigia, Ferradura, Carvalho, Sem Nome, Mesa, Alvorada 4, Alvorada 3, Alvorada 2. Acampamento nos campos do Espinhento.

Na manhã da sexta-feira levantamos acampamento no alvorecer. Café tomando e seguimos sentido ao Pelado. Começamos a marcha juntamente com os 5 de Curitiba, os 2 homens e as 3 mulheres… Fortes na passada logo alcançamos o Pelado, e lá estava ela, a asa do monomotor Aero Boero AB-115, do acidente de 92. Aaahhh, o Marquinho não se aguentava, conseguiu ver os destroços da aeronave. Fotos e mais fotos para a posteridade.

Destroços do Monomotor Aero Boero AB-115 no Morro Pelado.

Um lanche rápido, suco e doces e decidimos andar, pois a neblina não cessava. Algumas discussões e pegamos a trilha. Desconfiamos de tal descida que não acabava e perguntado ao Paulo Wever sobre o GPS, ele responde: “sem sinal de satélite”.

Tempo fechado no cume do Boa Vista

Continuamos a descer, e quando nos demos conta, por 45 minutos estávamos os 13, na Free-Way… Baaahhh, que perdido. Errar a trilha, e por um longo tempo. Uma pausa para refletir e, sem pestanejar decidimos voltar ao cume do Pelado, para então pegar a direção certa. Nesta infeliz investida, o Thiago de Curitiba e os guris de Londrina, Neto e Henrique, esse que já se queixava de dores no joelho, nem pensaram muito… “Vamos cortar por aqui e descer pela Free-Way”. Os demais colegas subiram de volta a Free-Way, tão rápido quanto desceram, para reparar o prejuízo.

Caixa de cume do Olímpo, a única caixa de cume da travessia

Saindo do Pelado, agora pelo caminho certo, foi hora de acelerar e atacar Ângelo, Leão e Boa Vista, bem próximos uns dos outros, mas a tela sempre branca, sem visual algum. Lanches rápidos e outras guloseimas, pra não perder o ritmo, seguia o comboio. Sem mais erros, chegamos ao complexo do Marumbi. Transpomos a muralha. E enfim a caixa de cume do Olimpo. A única da travessia. Sem mais demoras, Marquinho e Paulo Weber assumiram a caneta e caderno de cume. Tudo devidamente registrado, o recado foi dado, finalizando a Alpha Omega.

O relógio marcava 17:00 quando decidimos descer o Marumbi, pela Noroeste (vermelha) e sabíamos que tínhamos que concluir aquela epopeia ainda na sexta. Pois não dava pra acampar em lugar nenhum. Paulo Farina e Lucas seguiram na frente, passando por Gigante e Tigre. Ficamos um pouco mais pra trás, juntos com os 5 Curitibanos. Exaustão e fraqueza, a descida da Noroeste era o que não precisávamos depois da grande jornada, e ainda no escuro e muito molhada. Infinitas possibilidades de acontecer algo indesejado.

HeadLamps na cabeça e seguimos morro abaixo. Paulo Weber e eu não tínhamos mais forças pra acelerar. Marcos e  Alexandre, muito fortes, desceram sempre a frente, e vez ou outra, esperavam eu e o Paulo. De repente, luzes lá embaixo. Sim, era a Estação do Marumbi.

Fomos até o camping do IAP, onde o Paulo Farina e o Lucas já nos esperavam a um bom
tempo, com acampamento montado. Era 22:30 da noite, e acabava ali a saga dos montanhistas do interior. Marcos e Alexandre montaram rápido sua barraca e foram fazer a janta. Paulo Weber montou a barraca e desabamos dentro, não conseguimos jantar de tão cansados.

Segundo dia: Pelado, Ângelo, Leão, Boa Vista, Muralha, Olimpo, Gigante, Ponta do Tigre, Estação Marumbi. Acampamento no camping do IAP.

Camping na base do Marumbi, finalmente com o tempo aberto

Pela manhã, no sábado, logo após as 06:00 o sol reinava na Estação, e a frustração nos tomava. Resumindo, vimos a cor do céu na quinta-feira, entre Canal e Vigia. E depois só no sábado pela manhã, já na Estação. Uma mistura de sentimentos. Frustrações à parte, tínhamos terminado a mítica Travessia Alpha Omega. Café da manhã tomado, algumas fotos do local, e para nossa surpresa, encontramos no escritório do COSMO, ninguém mais, ninguém menos que Pedro Hauck, um ícone do montanhismo mundial, e um ídolo pras gerações atuais.

Estrada que liga o Caminho do Itupava até a Vila de Porto de Cima

Ainda digerindo o feito, pois passou muito rápido a empreitada, seguimos da Estação do Marumbi para a estação Engenheiro Lange. Dalí, entramos no Itupava e caminhamos até Porto de cima, onde os guris de Londrina nos resgataram, com nosso veículo, que antes tinha sido resgatado pelo Thiago no sítio do Zezinho.

 

 

Considerações finais:
Realizamos a travessia em 42 horas diretas, incluindo a noite do primeiro acampamento. Foram 27 horas de caminhada em dois dias. Início na quinta-feira às 04:30 da madrugada no Morro do Canal. Término na sexta-feira as 22:30 na Estação do Marumbi. Foram 16 cumes de montanhas, com o gosto amargo de não ter visto quase nada.

Um imenso salve ao Paulo Weber, o grande idealizador dessa pernada. Admiração e respeito ao mestre. Grande montanhista. Agradecimento a Marcos, Alexandre, Thiago, Paulo Farina, Lucas, Neto, Henrique, pela companhia e pela paciência. E um abraço a todos que direta ou indiretamente fizeram com que esse sonho se tornasse realidade.

Caro leitor, desculpe o “textão” mas fora preciso muitas palavras para descrever em detalhes tal feito. Ficará na  nossa memória eternamente.

Fica aqui meus sinceros agradecimentos.
Forte abraço e bons ventos.
Marcelo Knieling, Turismólogo de formação, Montanhista de coração.

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1 comentário

  1. Eduardo Aparecido da Silva em

    Uauuu sensacional galera Parabéns pela conquista , aventura certa, é possível passar a rota do gps ?!
    Forte abraço

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