Perigo no Parque

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Abandono do Parque Marumbi faz acidentes dispararem na Serra do Mar”. Já no título da matéria publicada no site da Gazeta do Povo em 23/03/2018, o repórter Jadson André da Tribuna do Paraná não deixa dúvida de que o Parque Marumbi está abandonado e este fato é responsável por 8 acidentes com 6 pessoas feridas e 2 perdidos só neste início de ano. Em seguida aponta o IAP, o governo Beto Richa e a burocracia que desde 2012 impede os voluntários do COSMO em atuar na prevenção como bem fazia desde 1996. Entende-se pela matéria que aos primeiros cabe a culpa pelos acidentes que os segundos poderiam ter evitado. Sabe tudo este menino! Aprendeu tudo enquanto estava mudo, pesquisou história, ouviu versões, circulou por trilhas, usou os banheiros e agora só tem verdades a dizer, a declarar.

Parque Marumbi – Foto de Hilton Benke

“Se hay gobierno soy contra” como até as pedras sabem, mas neste caso se fez uma grande injustiça. O Parque Marumbi não esta abandonado, a grama esta aparada, os banheiros funcionando, o camping em boa ordem e a portaria é operacional nas 24 horas do dia com plantonistas prestativos, atenciosos e educados. Também jamais ouvi qualquer queixa dos serviços prestados pelos bombeiros do GOST.

É fato que os acidentes aumentam em número na proporção em que aumentam também os visitantes e ainda há muito que se fazer, mas pelo bem da verdade diga-se que nunca esteve em melhores condições.

Bombeiros durante resgate – Foto de Hilton Benke

O Marumbi é perigoso como toda montanha que se preze e parte do problema reside no excesso de informação de baixa qualidade ou de difícil entendimento para leigos ou iniciantes. As matérias garimpadas na internet atraem pela beleza das imagens e a popularização do GPS faz parecer que tudo é fácil e está ao alcance de todos. Montanhas com apelo turístico como o Pico Paraná, o conjunto Marumbi e o Morro Anhangava deveriam contar com pelo menos uma das trilhas acessível, calçada e equipada pelas normas da ABNT, mas isto esta ainda distante das possibilidades tupiniquins.

No entanto, nada custa começar por disseminar informações coerentes numa linguagem acessível aos simples mortais. “Montanhas, rios e cachoeiras da Serra do Mar não são pra amadores”, “Não existe trilha fácil pra quem não conhece a Serra do Mar”, “Na Serra do Mar nunca dispense um guia experiente”, etc. Recentemente foram paralisadas as operações da ferrovia para o resgate aéreo de uma mulher com fratura no nariz e traumatismo craniano. Caiu ao cruzar o riachinho entre as estações Eng. Lange e Marumbi onde até os menos aptos passam carregados com dúzias de latas de cerveja, sacos de cimento e outras tantas bugigangas. Outra torceu o pé no calçamento e não poucos quebram os chifres andando no Itupava. Esta é a qualidade técnica de grande parte dos visitantes que temos hoje.

Outra realidade que se impõem é a comercialização dos roteiros mais atraentes por empresas de turismo “de aventura” e também por picaretas em graus variados. É fato consumado que este mercado alimentado pelo marketing da vida saudável só vai crescer e já se torna necessário uma definição inteligível sobre os riscos que tais clientes estão dispostos ou preparados para assumir. Acidentes sempre acontecem e não raro podem acabar nos tribunais.

Mariana, com apenas 6 anos, passando sozinha facilmente num trecho onde muito marmanjo chora… Foto de Hilton Benke

Tendo em vista que esta necessidade de classificação atende principalmente as atividades de turismo e na prevenção de litígios não considero satisfatórias as atuais definições repletas de tecnicidades. O reclamante sempre irá se declarar leigo e o julgador (juiz) quase certamente também leigo será no assunto, então assumirá que na melhor das hipóteses o cliente não foi devidamente informado dos riscos da atividade proposta. Para o futuro do negócio é melhor não abrir brechas jurídicas nesta questão.

Sempre prefiro linguagem simples e direta em qualquer assunto. Segue uma proposta de graduação:
1) CAMINHADA – quando se usa apenas pernas e pés.
2) ESCALAMINHADA – quando se usam pernas, braços, joelhos, mãos e pés sem enfrentar lances verticais.
3) ESCALADA – quando da presença de lances verticais ou se fizer necessário usar qualquer tipo de equipamento artificial.

Óbvio que para os graduados este sistema apresenta distorções gritantes uma vez que uma escalada em livre fica classificada como simples escalaminhada enquanto um lance vulgar equipado com degraus sobe ao nível de escalada, mas não se deve esquecer que jamais um turista vai encarar qualquer escalada em livre. Pode-se melhorar a classificação misturando e graduando a coisa; leve, média, pesada ou misturando caminhada com escalaminhada. Na escalada um 1º grau ilustra pequenos obstáculos equipados com degraus, cabos ou correntes. Lances verticais com desníveis superiores a 10 metros já configuram um grau acima e se necessário equipamentos de proteção individual como cadeirinha ou freio passa automaticamente para 3º grau.

Rafael Wojcik durante a escalada de uma via ferrata na Austria. Escalada ou escalaminhada? Foto de Hilton Benke

Acredito que esta simplificação, ou outra dentro deste conceito, faria um bem inestimável as empresas e aos guias que teriam completa segurança jurídica em suas atividades. Certamente as seguradoras estabeleceriam prêmios e custos diferenciados para cada item da classificação, orientando também o valor dos passeios em função dos riscos melhor avaliados e finalmente haveria um incentivo de mercado (sem proibições nem fiscalização) para que clubes, empresas e guias parem de tentar transformar toda e qualquer trilha de montanha num passeio em parque urbano.

Até relógio quebrado acerta as horas duas vezes ao dia e admito que tem lógica, mesmo que às avessas, a conclusão do repórter quanto à possibilidade de significativa diminuição no número e gravidade dos acidentes na região do Marumbi com o retorno do convenio com os super heróis voluntários, lembrando que neste planeta ainda não inventaram o tal almoço grátis. A inevitável e conseqüente diminuição do número de visitantes levará rapidamente a um decréscimo proporcional nos acidentes até empatarem com as estatísticas anteriores a 2012, quando o parque estava realmente abandonado.

No Brasil toda comédia se repete como tragédia e vice-versa.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

1 comentário

  1. Então.. Com todo o respeito ao colunista e à sua posição, SOMENTE a alteração da classificação (ou graduação) não resolve problemas culturais crônicos. Cada vez mais as pessoas têm a sensação de que podem tudo, afinal até pessoas com restrições sérias de mobilidade estão sendo levadas às montanhas. “Então se eles podem, por que eu também não posso?”
    Esse raciocínio, aliado a uma exploração comercial (completamente desassistida de cuidados básicos, triagem ou mesmo orientação efetiva, na maioria dos casos) e um exacerbado romantismo proveniente de fotos bonitas, de pôr-do-sol, mar de nuvens, faz com que hordas de gente comum, desacostumada a qualquer rigor do meio ambiente (o que é compreensível em nossas selvas de pedras, calçadas e asfaltadas – os famosos “sem noção”) vá para as montanhas. E estes, se não vão com guias (que no Brasil são pouco, ou mesmo nada valorizados – pois custam dinheiro (e brasileiro não gosta de pagar por nada, especialmente se achar que pode fazer sozinho por sua própria conta) irão certamente sozinhos, ou grupos de amigos (sempre tem um “iluminado” – também “sem noção” que se prontifica a levar outros pra montanha na sua rabeira). Resumindo, o problema não é a graduação ou a simplificação desta. A greta é mais embaixo…

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