Neste 11 de maio completaremos 10 anos sem Parofes.
Paulo Roberto Felipe Schmidt, o Parofes, nos deixou depois de muito sofrimento após sua luta contra a leucemia. Ele nos deixou se despedindo, pois sabia que teria pouco tempo de vida após todos os tratamentos falharem e não conseguir um doador de medula.
Pude ir ao hospital dizer tchau a um Parofes esquálido e enfraquecido. Saí do hospital com um peso no coração e olhos carregados, seria a última vez que o veria em carne e osso, ainda que tivesse sido com mais osso do que carne.
Alguns dias depois fui até a casa do Parofes para buscar algumas coisas que ele havia deixado para mim. Sua esposa Lili me entregou um piolet, um GPS, um relógio Casio e uma caixinha marrom que continha suas cinzas. Em nossa última conversa, Parofes pediu duas coisas e uma delas era que eu tinha que despejar suas cinzas no Pico das Agulhas Negras, sua montanha favorita, caso contrário ele puxaria meu pé pra baixo da cama.
A caixinha do Parofes viajou o mundo. Mudei o destino e o primeiro lugar dele foi no Paraná, onde planejei jogar um pouco dele na primeira montanha que ascendi com ele, o Morro do Camapuã.
Fiz um evento no Facebook, chamei vários amigos, mas no dia choveu pra caramba e não apareceu quase ninguém. Subi com a Maria numa trilha encharcada, montei a barraca e no dia seguinte, numa breve janela, joguei um pouco de suas cinzas no ar. Porém, bateu um vento e ela foi parar na cara da Maria, que ficou coberta de pó. Parofes teria rido muito da situação. Aliás, quando estive no Camapuã pela primeira vez com ele, a chuva estava igualmente forte e descemos a trilha com água na coxa, muito parecido com aquele dia.
Um pouco depois fui para a Bolívia com meu Jimny e levei a caixinha do Parofes. Depositei suas cinzas em várias montanhas, como o Chaupi Orco, Chachacomani, Chearoco, Acotango, Guallatiri, Capurata e Uturuncu. Seis meses depois, a mesma caixinha me acompanhou em outra viagem com a Maria, onde escalamos o Tuzgle, Acay, Macón, Quewar e Socompa e mais tarde Ojos del Salado e Vicuñas no Chile. A caixinha voltou ao Brasil bem surrada.
Parofes me acompanhou em mais uma temporada na Bolívia e algumas outras na Argentina, a principal delas, no final de 2015, numa viagem onde fomos escalar montanhas virgens, ou seja, montanhas que nunca ninguém tinha escalado antes.
Na busca por montanhas inéditas, escalamos um vulcão de 5845 metros, sem nome e sem ascensões. Era a montanha mais alta dos Andes nesta condição naquele ano e ela só era assim porque ficava em um local muito remoto. Graças à habilidade de Jovani Blume e seu Troller super preparado, conseguimos abrir um caminho no meio da agressiva Puna do Atacama e chegamos a cerca de 30 km do vulcão, onde passamos a primeira noite ao lado do jipe.
Havíamos saído com pressa de Fiambalá, a cidadezinha antes das montanhas, já estávamos há mais de 45 dias escalando e neste meio de tempo haviamos ascendido 11 montanhas. Cansados, negligenciamos comida e fomos com o resto que havia sobrado da expedição. Famintos, deixamos para o primeiro jantar o melhor rango que tínhamos, um macarrão à bolonhesa. Porém, ao tirar a água do macarrão, a tampa se abriu e despejamos nossa melhor comida no chão poeirento do deserto. Comemos macarrão com areia.
No dia seguinte aproximamos o que deu para montar um acampamento alto o mais próximo possível da montanha. Fracos, não conseguimos avançar mais que 10km, deixando cerca de 20 para o ataque final. Como estávamos em 3, montei uma barraca individual para mim, porém de noite o vento soprou forte e minha barraca ficou tomada por uma neve fina que passou por baixo do sobreteto e passou pela telinha do quarto. Nos apertamos na barraca de duas pessoas para sair cedinho em busca do desconhecido.
Acordamos mal, devido ao fato de que em 3, a barraca condensou bastante e fizemos toda a aproximação até o cume do vulcão. Não foi fácil, pois tivemos que fazer algumas subidas e descidas e no final, o Vulcão tinha um falso cume, ou seja, chegamos no topo achando que lá era o topo, mas de cima vimos que teríamos que descer um colo para depois ascender outro cume atrás, o verdadeiro.
Foi difícil homenagear o Parofes! Mas este vulcão sem nome foi batizado com o nome de nosso amigo montanhista. Talvez o primeiro brasileiro homenageado com o nome de uma montanha de grande altitude. Parofes está lá! Pelos aplicativos de identificação de montanhas, pude ver ele do cume do Ojos del Salado e também do Walther Penck.
Na tarde em que me despedi do Parofes no hospital ele me havia pedido duas coisas: Uma era depositar suas cinzas no cume das Agulhas Negras. Deixei-as na base do Everest e no Mera Peak no Nepal e em 22 outras montanhas de grandes altitudes diferentes. Ele ainda não puxou meu pé para baixo da cama, pois acabei não depositando suas cinzas no cume que pediu. Porém, o outro pedido era que eu não deixasse nunca que ele fosse esquecido. Isso pelo menos eu tenho cumprido.
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8 Comentários
Emocionante homenagem.
História incrível! Vicê fez muito mais do que seu amigo pediu, espalhou as cinzas dele pelas altas montanhas e ele ganhou até uma com o nome dele! Puxar seu pé ele não virá, mas te abraçar com certeza sim !
Emocionente mesmo! Além de uma baita homenagem, uma demonstração de lealdade para com a memória de um amigo.
Parofes nos está acompanhando de um ângulo diferente.
Parabéns pela homenagem! Eternizou o amigo Parofes na melhor tradição montanhista. Virerá sempre, nos registros e relatos dos esportistas que buscam o conectar-se ao divino nas imensidões dessas jóias da geografia.
Linda homenagem!
Obrigada amigo Pedro, por nunca deixar meu irmão, nosso amigo ser esquecido! Ele era demais! Saudades eternas do meu irmão e amigo desde a infância! 💙
Linda homenagem!! Saudades eternas dele.
Parabéns Pedro por eternizar o seu amigo através das montanhas. Meu marido faleceu em 2004 pelo mesmo mal, sem muita briga. A coisa foi rápida. Iniciávamos na época as nossas escaladas em rocha. Era tão bom. A partir daí tenho da mesma forma depositado as cinzas dele nas montanhas por aí. Dá um quentinho no coração.