5 dias pela costa do sal: Onde o sertão vira mar – Parte II

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Mas nem tudo são dunas e deserto. Alguns trechos são alternados por pedras e lajedos rente ao mar, pedaços de troncos q são mais florestas petrificadas. Um trecho q outrora já deve ter sido um exuberante mangue, além de mta rocha calcificada. Mas as dunas são onipresentes. Curioso em saber o q há do outro lado, largo a mochila e escalo duas seqüências de dunas. No alto, o vento é mto mais intenso e carregado de areia, logo estou td “a milanesa“. No entanto, o visual de cima vale a pena: em contraste c/ as dunas, um verdejante e vasto manguezal cortado por vários rios e, lá no fundo, montanhas enormes de sal perfiladas, reluzindo daquele cenário escuro! De repente, o 1º sinal de vida surge na forma de uma charrete puxada por um jumento sentido contrario.


É um “jumentaxi”, meio de transporte típico de Galinhos, do qual devo estar próximo.

As 16hrs chego em Galos, pequena vila q precede Galinhos, por sua vez localizada no final da ponta. A vila de fato se limita a um punhado de casas e umas duas ou 3 ruas q se entrecruzam. Lá consigo uma ducha c/ um local q remove td meu suor, maresia e areia depositada no corpo, alem de obter infos de um atalho a me levaria + rápido à Galinhos, afim de evitar q o forte vento me entupisse de areia. Assim, ao invés de seguir pela praia, fui pelo outro lado das dunas, acompanhando um enorme braço de mar adentrando o continente. Mas logo me vi espremido entre uma duna e um fétido mangue, caminhando trôpego e afundando o pé na areia, atacado s/ dó por enormes mutucas. Contornado o mangue e outra vez em terra firme, bastou acompanhar a direção das dunas ate seu final, por quase 5km.

As 17:30 já consigo avistar o trapiche de Galinhos, ao longe, mas resolvo ficar por ali mesmo devido ao cansaço, sob o olhar curioso de uns bodes errantes. Assim, num trecho plano de restinga, entre o mangue seco e as dunas, monto acampamento enqto o sol debruça seus últimos raios por trás das montanhas de areia. Exausto, preparo minha janta à base de arroz, macarrão vencido e carne de soja, cozinhado e temperado pela água salobra do rio, q nunca esteve tão delicioso. E apago totalmente sobre o isolante, s/ tempo de me incomodar do “tuc-tuc-tuc” das embarcações no rio, de apreciar o frescor de uma noite estrelada derramando o brilho do luar sobre as dunas ou de apenas ver a luz resplandecente das vilas próximas.

MACAU, ESTRADA DO PETRÓLEO, PTO DO MANGUE E AS DUNAS DO ROSADO
O dia amanhece tal qual os demais, isto é, repleto de promessas, enqto minha mochila engole minhas tralhas p/ zarpar as 5:30. Jogo-a nos ombros e me lanço rumo Galinhos, q alcanço 15min depois, após bordejar uma estreita faixa de areia molhada entre as dunas e o braço de mar, à minha esquerda. O simpático vilarejo é um oásis de tranqüilidade e conforto, c/ ruas de terra e areia se alternando c/ poucas de paralelepípedos, casas coloridas, meninos brincando de pescaria, velhos sentados no trapiche, mulheres retirando água de bombas no quintal e barzinhos resguardados do sol pela sombra enorme do arvoredo exuberante. Entretanto, naquele inicio de manha boa parte dos moradores varria das ruas as “sujeirinhas” dos “jumentaxis”.

Um detalhe q me despertou atenção foi q&nbsp, as varias pousadas daqui tem como diferencial o “banho de água mineral”. Como os poços contem água levemente salobra, o jeito p/ atender clientela (feminina) exigente foi conectar garrafões de água mineral aos chuveiros. Bem, como Galinhos esta ilhado do continente, p/ continuar a pernada tive q tomar um barco publico q me levaria ate a outra margem, isto é, Guamaré.
As 6hrs tomo a embarcação, bem simples, junto de meia dúzia de moradores p/ depois atravessar as águas calmas daquele enorme braço de mar. A medida q deixamos Galinhos – cuja ultima imagem é a Pta do Farol -&nbsp, percebemos q o vilarejo é de fato um oásis verdejante em meio ao deserto e caatinga q o rodeia. Adentro cada vez mais nos meandros do continente em meio a um enorme manguezal, acompanhados por vários golfinhos q parecem disputar as águas c/ as poucas jangadas no mar. Após uma curva na mata, podemos avistar nosso destino, pequenino.

Chegamos em Guamaré as 6:45 e, c/ as infos coletadas, teria de tomar condução diretamente p/ Macau e dali p/ Pto do Mangue, p/ prosseguir a pernada. Isto pq se prosseguisse pelo litoral (rumo Lopes Mendes e a Pta do Tubarão), provavelmente teria dificuldades p/ transpor vários braços de mar s/ possibilidade de achar barqueiro algum. Dali o litoral outra vez se recortava em varias ramificações ate Pto do Mangue, onde ele novamente surgia definido rumo oeste. P/ evitar qq imprevisto resolvi ouvir os conselhos e seguir p/ Macau e dali p/ Pto do Mangue.

Pois bem, em Guamaré andei uns 10min ate chegar na rodoviária, mas tds as conduções já haviam partido cedo. O jeito foi aguardar alguma lotação. Nesse meio termo tomei um farto café-da-manhã, ate q as 8:15 peguei uma lotação em cia de outras 3 pessoas. Deixamos a pequena Guamaré p/ atravessar a retidão agreste do sertão, mas qdo nos aproximamos de Macau, montanhas brancas, enormes e formadas por cristais salinizados se destacam na paisagem, em meio a vastas extensões de água represada. Assim, a lotação me deixa na entrada de Macau, as 8:50, onde tenho q aguardar a próxima condução ate Pto do Mangue.

Sob sol forte e um céu isento de nuvens, tomo outra lotação literalmente lotada, as 11hrs. Em pé, desta vez atravessamos a RN 404, a “Estrada do Petróleo”, q liga a horizontalidade agreste do sertão à costa. Nos dois lados da pista, alem da desoladora paisagem desertificada, os populares “burricos” ou “cavalos mecânicos” da Petrobrás escavam o solo atrás do ouro negro, posicionados em clareiras abertas na caatinga. Dutos enormes atravessam a vegetação ressequida p/ levar o produto ate as usinas. O asfalto segue uma malha q acompanha o sertão ate o mar, passando por povoados ermos, açudes secos, mais salineiras e ate improváveis casas de pau-a-pique c/ parabólicas!

Após passar a vila de Assu e seu rio homônimo, salto finalmente na colônia de pescadores q atende pelo nome de Pto do Mangue, as 12:40. A vila é pequena e me abasteço de mantimentos e quase 3L de água, afinal nunca se sabe aonde vai se pernoitar. Retomo as 13hrs, assim a pernada andando pela areia rente as águas calmas e escuras do Rio Assu. Acompanho o curso sinuoso do rio, limitado na outra margem por um extenso e verde manguezal durante um bom tempo, ate q finalmente alcanço sua foz, quase as 13:10, onde observo por um tempo o vaivém de alguns barcos.
A partir daqui corto caminho por quase 2km numa vasta planície de restinga clara e lama seca em direção à praia sgte, q por sua vez apresenta-se enorme faixa de areia interminável!

Olhando p/ continente, podia avistar os tons dourados das dunas, onde eventualmente algum bugue levantava poeira, o final da enseada, porem, destoavam tons avermelhados q deveriam ser as famosas dunas rubras de Rosado. A praia, por sua vez, é totalmente plana, larga e deserta, e nos 15 kms sgtes minhas únicas cias foram urubus, bodes e gaivotas, enqto contava as bolachas-do-mar na areia p/ passar o tempo.
As 15hrs me deparo no rústico vilarejo de Rosado, onde me dirijo imediatamente a um dos únicos quiosques abertos, q tb era “pousada” a R$10 a diária. A sombra de uma palhoça e de uma rede a tiracolo, a receptividade do lugar me manteve ali por um tempinho considerável. Alem da tradicional breja p/ molhar a goela, mandei ver um suculento pf de carne-de-sol de lamber os beiços!

Conversando c/ a simpática dona, Dna Rosa, me conta q ali é uma vila de pescadores s/ eletricidade nem tv, e q por isso a única diversão dali é beber! Chamou-me a atenção as pencas de gatos e cães esquálidos, a cor do chão, um misto de areia clara e vermelha, e o fato de tds as casas permanecerem com a porta aberta, escancarando uma rede a tiracolo. “De vez em qdo a gente precisa varrer a areia q entra na casa, nas tempestades”, diz ela. Qdo peço uma chuveirada, a sra me passa a chave da peixaria próxima e diz pra tomar banho numa caixa d´água no interior. Ao retornar, refeito, me diz q era ali onde ela costuma lavar os peixes trazidos pelos pescadores. Aff!

O papo tava bom, mas ainda tinha q andar metade dos 10km q me separavam da Pta do Mel. Despeço-me da Dna Rosa e coloco pé-na-areia novamente, mas quem disse q chegaria ate a metade? Amolecido pelas 3 cervejas e de bucho cheio, não consigo andar nem 1km, isso sim! A preguiça fez apenas com q andasse o suficiente na praia ate sair do perímetro “urbano” de Rosado e, as 17:30, subisse por entre o areal e montasse acampamento no meio de algumas casas abandonadas e um punhado de coqueiros. A visão de onde me encontro tb é mto bonita e, a sua maneira, se assemelha ao Saara, c/ caravanas de cabras cruzando os morros em direção ao sertão. O entardecer tb não deixa por menos, c/ o astro-rei caindo atrás das dunas q se tingem dos mais variados tons escarlates.

A noite não tardou a cair coalhada de estrelas, mas ate lá eu já havia desfalecido completamente não atentando, principalmente, pro forte vendaval q teve td madrugada. E tal como Dna Rosa havia dito, minha barraca tb se encheu de areia. A diferença é q eu não tinha vassoura p/ varrer a areia. Dane-se. E tornei a dormir, sob o faiscar intermitente do farol, ao longe, da Pta do Mel.

PTA DO MEL, CRISTOVÃO, PTA REDONDA E AREIA BRANCA

Acordo bem disposto, tomo um breve desjejum e arrumo minhas coisas p/ zarpar logo na seqüência, as 5:30. Dirijo-me à praia, onde dou as costas ao disco rubro q emerge lentamente no oceano, a leste, e tomo rumo contrario, pisando no chão duro e plano da enorme e extensa praia a minha frente. Não demora e alcanço a pta ao final da enseada, q nada mais é q uma enorme falésia avermelhada, q me acompanha durante um bom tempo, à minha esquerda. E as 6:40 termino chegando na Pta do Mel, q recém desperta c/ seus jangadeiros lançando-se ao mar p/ mais um dia de labuta. Visivelmente c/ + infra q a pacata Rosado, o vilarejo tem, alem de ruas de paralelepípedo, mto mais comercio entre seus quiosques e palhoças.

Após descansar 15min à sombra de um toldo improvisado c/ palhas de carnaúba trancada, retomo minha pernada indo de encontro à extensa e interminável q faixa de areia q domina a próxima enseada, deserta por sinal. Diferente dos dias anteriores, além de dunas douradas e avermelhadas, uma seqüência de falésias de cor rubra, amarela e alaranjada bordejam boa parte do caminho, ao longe. E lá vou eu, andando novamente sozinho, enqto o vento fustiga minhas pernas c/ grãos de areia. Mas subitamente me deparo c/ jovens, senhoras e crianças, espalhados em grupos pela praia, enfiando a mão na areia, como q buscando alguma coisa alguma. Penso q tão coletando conchas, mas não. Estão atrás de um molusco chamado “caioba” q&nbsp, juntam em enormes sacolas p/ ganhar seu sustento. Os olhares não disfarçam quem tá mais curioso e surpreso c/ quem, se sou eu por vê-los aqui sob aquele sol matinal ou eles por me verem c/ um enorme trambolho nas costas.
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A chegada à Pta Redonda (ou São Cristóvão) é precedida por uma enorme muralha rubra à minha esquerda. Após me espremer por alguns rochedos e recifes, deixo a praia e tomo um atalho por cima da falésia q me leva direto à vila. O alto do morro é o melhor mirante do dia. Do lado do pitoresco cemitério local cheio de cruzes coloridas, o visual impressiona: num giro de 360 graus temos o deserto, a caatinga e o litoral tupiniquim juntinhos, onde a retidão do mar se funde c/ o céu azul. As 9hrs alcanço a simplória e rústica vila às margens de uma linda praia, cujos quiosques estão tds fechados, mas exibem varais de secagem de peixe aos montes. Por sorte, consigo q um faça exceção p/ mim em troca de uma boa prosa. Tomando uma boa breja gelada, o dono reclama do movimento zero, do governo q não leva água encanada nem eletricidade, enfim, de uma estrada decente q facilite o acesso ate ali. Pergunto-me se é justamente esse o encanto do local.

Continuando a pernada 2hrs depois, prossigo através de uma bela enseada de água azul turquesa, ladeada por dunas e coqueiros q lhe conferem um belo contraste de tons. O sol rijo desta vez foi substituído por uma rara nebulosidade clara e um forte mormaço. A enorme praia só não é totalmente deserta pq tem algumas casas e palhoças esparsas, porem sem sinal algum de vida. O final da enseada é marcado uma ponta c/ lajedos e algumas pedras.

Tomando uma estradinha de areia, logo caio na enorme enseada sgte, q por sua vez se caracteriza por uma praia estreita e levemente íngreme, tomada por muitos arbustos. A maré alta inviabiliza caminhar o tempo td pela areia e me obriga a adentrar muitas vezes nos arbustos e seguir trôpega e cansativamente por estradas de areia paralelas à mesma. Mas qdo o terreno parece nivelar numa praiona plana e larga, retomo meu ritmo normal de pernada pela orla.

O calor das 13hrs parece emanar do chão e é quase palpável, mas por sorte chego em Morro Pintado, q nada + é outra enorme praia ao sopé de uma enorme falésia vermelha tomada pelo mato, onde despontam algumas casas escondidas. Felizmente tenho água suficiente e, sentado num tronco na areia à sombra de uma pequena arvore, me dou um descanso e faço um rápido lanche.

Voltando à pernada, continuo decidido costeando aquela interminável enseada durante + 2 longas hrs, em ritmo inalterado. Mas logo as falésias e dunas somem, dando lugar a uma vasta planície de restinga rala q se estende continente adentro. Aos poucos, começam a surgir casas e algum comercio. Estou em Baixa Grande e são apenas 16hrs. Ali, tomando + uma cerveja num dos poucos quiosques abertos, sou informado q p/ chegar ate meu próximo destino, Areia Branca (distante uns 5km), teria de atravessar dois rios fundos e q a probabilidade de não haver barqueiro era enorme. Bem, ai tive q tomar a decisão de encerrar ai minha pernada, pois não desejava surpresas q atrasassem meu cronograma já estourando. Alem do mais, apesar de bonita, me disseram q Areia Branca tava bem muvucada, repleta de turistas, e tive receio de não encontrar lugar decente p/ acampar, caso houvesse necessidade disso.

Sendo assim, após uma boa chuveirada p/ remover o suor e a maresia q deixa a pele grudenta, atravessei Baixa Gde e me lancei ao asfalto q me levaria à BR-110. Antes, porem, me abasteci de água já prevendo ter de acampar a beira da estrada. Contudo, consegui negociar uma lotação q me levou à pacata Areia Branca, maior cidade da Costa do Sal. Incrível como aqui td gira em torno das salineiras, onipresentes durante td o trajeto do “alternativo”, justificando o fato das águas mornas e verdes daqui terem a 2ª salinidade maior do planeta, perdendo apenas pro Mar Morto. Na seqüência rumei p/ Mossoró, onde acampei do lado da rodoviária, e esperar ate o dia sgte p/ tomar busão ao meu próximo destino. Mas ai já é outra historia.

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E essa foi minha jornada pela Costa do Sal, um lugar sob mtos aspectos igual a tantos outros do litoral nordestino. Dunas douradas e falésias avermelhadas se derramam sobre praias de areia branca e desertas banhadas pelo mar turquesa, formando um lindo contraste. Onde pescadores em vilas perdidas estendem sua rede na colheita diária do almoço, acompanhados de perto pelas gaivotas.

Mas lá existe tb a caatinga, cujos galhos ressequidos não se deixam verdejar pela aproximação do oceano, e cuja rudeza agreste parece coroar aquele cenário peculiar já formado. E o melhor é q td isso esta longe de qq muvuca do turismo convencional. Mandacarus, bodes e jegues parecem apenas querer criar uma moldura p/ dar proteção a este pedacinho quase intocado de Brasil. Um pedacinho onde o mar vira sertão e sertão vira mar, num Brasil de sal e sol.

Texto e fotos de Jorge Soto

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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