Lembro que quando abrimos a via Montinelli (5 VI+) em 1985, no Irmão Menor de Jacarepaguá, não havia nada por perto, era um lugar bucólico que fazia parte da colônia de reabilitação de loucos.
Certa vez, quando fui escalar a Comicci (uma das melhores vias de III grau do Rio), um dos loucos montava em uma vassoura – imaginava ser seu cavalo – e nos acompanhou quase até a base. Ele era curioso e simpático, devia pensar que nós é que éramos os loucos e por que ele é que tinha que ficar preso naquele lugar!!
Já nos anos 90, as favelas começaram a avançar e hoje tem o Projac e a Fiocruz, que causam problemas para nós.
Enfrentamos vários problemas tentando acessar as nossas montanhas e morros (vide alguns capítulos do livro Montanhismo Brasileiro: Paixão e Aventura). Aqui vão alguns extras…
Na entrada da face norte do Dona Marta, para escalar as vias UNICEC e 30 de Julho, tínhamos que passar por trás de uma casa em silêncio, andando sobre muito lixo por causa de um bulldog que vivia solto e pulava o murinho que delimitava a propriedade. Uma vez (1986) eu e uma colega (Andréia) fomos perseguidos por aquele monstro. Fui salvo por uma menininha que aparentava ter uns 9 anos, que o segurou. Ou ela tinha poderes mágicos ou ele era bem treinado.
No Vale do Bomfim (Petrópolis) fui atacado por um ganso, quando tentava chegar à base de uma fenda perfeita, na beira da estrada. Hoje esta fenda passou a fazer parte do quintal de alguém.
Em Poço Fundo (São José do Vale do Rio Preto-RJ), corri desesperadamente de uma vaca, que por sua vez, corria atrás de mim, quando tentava acessar a base da THC (5 VI+), uma via fantástica. A vaca queria apenas me lamber… Isto é, o sal de meu suor. Eu ainda estava traumatizado de uma corrida de um touro enorme que levei no ano anterior (1992) perto do Rio Elétrico, na Patagônia.
E por aí vai, já corri de vários tipos de cachorros, abelhas, marimbondos, cobras, proprietários furiosos, etc. Enfim, são muitas histórias, mas o maior problema permanece, o acesso às nossas montanhas tende a diminuir na medida que a expansão urbana e rural aumenta, e que pessoas despreparadas ou limitadas assumem funções de direção nas unidades de conservação.
É revoltante termos que pular muros, passar escondidos por trás de propriedades, andarmos por valas de esgoto por falta de acesso e termos um NÃO como resposta ao pedirmos para ter o acesso liberado para chegar à uma montanha.
Essas situações somente se resolvem pelos esforços de uma coletividade organizada (grupos, clubes, federações, etc.), entretanto, basta o mau comportamento de um único indivíduo escalador/montanhista para termos uma falésia, morro ou montanha fechada.