Travessia pelo teto da Ilha da Madeira

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C/ tamanho 4 vezes o de Ilhabela e distante apenas 500km da África, a Ilha da Madeira é uma porção rochosa encravada no Atlântico repleta de encostas floridas q se contrapõem à escarpas de respeitáveis desníveis e enormes montanhas de origem vulcânica. O clima e a paisagem são de eterna primavera, sua mata nativa, a laurissilva, foi declarada Reserva da Biosfera. E aproveitando uma breve passagem pelo arquipélago, não hesitei conhecer td isso pelas inumeras &ldquo,levadas&ldquo, q circundam a ilha principal, um emaranhado de trilhas formadas pelos aquedutos construídos no inicio da colonização portuguesa, no séc. 15. Entre elas, a puxada travessia de crista dos maiores picos da Madeira, o Areeiro e o Ruivo, q nos brinda c/ panorâmicas soberbas do maciço central da ilha, 2mil m acima do nível do mar. Somente assim p/ conhecer esta pérola portuguesa q encanta os europeus desde q a elite inglesa a elegeu seu refugio de verão. E descobrir q a ilha tem mais a oferecer q seu bom vinho aos novos visitantes.

Levantei preguicosamente as 7hrs, ainda sob efeito da ressaca da noite anterior. As noitadas portuguesas até q são animadas, mesmo q embaladas c/ goles de cerveja Coral, absinto e toneladas de tremoços. Deixei então meu pouso p/ ganhar as ruas de Funchal, a capital da Madeira, ainda numa fria escuridão. Passando pela face moderna e sofisticada da cidade, assim como pelo seu belo centro histórico, um precioso emaranhado de ruelas íngremes e casario do séc. 18, não é a toa q Funchal , ganhou a alcunha de "Pequena Lisboa". Os poucos transeuntes q andarilhavam àquelas horas não tiravam os olhos da minha cargueira nos ombros. Cargueira? Sim, as dicas davam conta q a pernada daquele dia seria apenas bate-volta. Entretanto, como estava fora do meu habitat e as infos eram desencontradas, levei td equipo no caso de qq imprevisto.

Mesmo já ciente q na região é proibido o camping selvagem, pois td o maciço central faz parte, em tese, do Parque Natural da Madeira, q abrange 2/3 da ilha.

Cheguei então na Praça Autônoma, rente à orla, e me prostei na fila do pto à espera do "autocarro" Funchal-Boaventura (via São Vicente), q é como aqui eles chamam nosso tradicional busão. Enqto checava pela enésima vez as tralhas da mochila, chegou o busão. Enfim, saímos de Funchal pontualmente as 7:30, inicialmente através da avenida principal, p/ depois tomar a sinuosa estrada q costeia praticamente td a orla sentido oeste. O dia começava a amanhecer qdo chegamos na Câmara dos Lobos, 10km depois, c/ o sol se derramando pela simpática vila de pescadores c/ casario bem tradicional, q foi um dos primeiros assentamentos da ilha.

A viagem prossegue tranqüila, sempre costeando sinuosamente a orla, ora com poucos desníveis ora beirando enormes penhascos q caem vertiginosamente à nossa esquerda. Como o famoso Cabo Girão, um penhasco de quase 500m q tem o titulo de maior da Europa e 2ª do , mundo! C/ esta bela paisagem costeira, quem precisa de praia, não? Chegamos, 30km depois, à Ribeira Brava, uma simpática vila detentora do balneário local, mas q ao invés de areia fina, clara e fofa, sua praia é forrada de pedregulhos vulcânicos. P/ quem esta habituado as praias do litoral norte paulista é estranho, mas é o "must" do povo daqui. Daqui, o busão toma rumo norte, indo p/ centro da ilha. Vagarosamente, o coletivo ganha altitude através das encostas de serra e logo nossas vistas vão se tornando mais amplas. E mais interessantes. O soninho inicial dá lugar à beleza e grandiosidade do sol banhando o alto dos imponentes penhascos e precipícios q se debruçam em fendas e inúmeros vales à minha direita.

As 9:30 salto num local denominado Encumeada, já na cota dos 1000m, q nada mais é q um enorme e vasto selado q liga a Costa Sul , (Ribeira Brava) e a Costa Norte (São Vicente) da ilha. Aqui é apenas um pto de passagem, com algumas poucas vendinhas ainda fechadas e "miradouros" (tecla SAP: mirantes), q oferecem uma bela paisagem do mar do norte e do sul, bem como da crista da cordilheira q atravessa o interior da ilha. O nevoeiro por entre as poucas arvores na zona de lazer dava um ar misterioso e algo mágico. Não havia absolutamente ninguém aqui, , sensação q cresceu qdo vi o busão se perder montanha abaixo. Pois bem, da Encumeada partem varias picadas pra diversos pto da ilha e uma lacônica placa, q faço questão de transcrever, não deixa a desejar em nada as placas informativas do Ibama, embora alguns itens figurem em grego pra mim, e não português:
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"Normas de Conduta do Bom Caminheiro:
-Mantenha-se dentro do trilho -Evite ruídos e atitudes que perturbem o meio ambiente -Não recolha nem danifique plantas -Não perturbe os animais -Não abandone lixo (não deite lenços de papel no chão, a sua decomposição é muito lenta) -Não faça lume -Se é fumador, não deite as beatas no chão, guarde-as para colocar no caixote do lixo -Não destrua ou modifique a sinalética
Para sua segurança:
-Não caminhe só, leve sempre companhia -Recolha previamente informação actualizada sobre o percurso -Informe sempre alguém do trilho que vai fazer e hora prevista da chegada -Certifique-se do tempo de caminhada e garanta que a finaliza antes de anoitecer -Transporte alguma comida e água de reserva -Utilize roupa e calçados apropriados -Se possível leve um telemóvel consigo -Em caso de fortes chuvas e ventos não faça o percurso ou volte para trás pelo mesmo caminho -Não corra riscos"
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Pois bem, devidamente munido de infos e me fiando principalmente da (boa) sinalização das trilhas, me lancei numa picada a beira do asfalto q subia um 1º ombro de serra, através de uma vegetação arbustiva q lembra muito os campos de altitude + espesso, de Itatiaia. Mesmo inicialmente encoberto de neblina, este comecinho de pernada não ofereceu maiores dificuldades, pois a trilha é bem batida, obvia e tem alguma precária sinalização. No entanto, há picadas menores q se entrecruzam q podem gerar duvida, mas se vc tem noção de direção e se manter na principal não tem erro. O sol queria aparecer por entre as nuvens. A claridade assim o anunciava. E foi o que aconteceu. Já de inicio c/ vistas arrebatadoras sobre o Vale de São Vicente, alem de uma barraca enfiada no meio de uma encosta, sinal q não era o único q curte acampar nas montanhas e q "dar cambau" é pratica bem corriqueira, inclusive na Europa!

Subindo sempre compassadamente a encosta das enormes montanhas, deixei pelo caminho os picos do Meio (1281m), Encumeada (1331m) e Ferreiro (1582m), sempre sentido leste. Nestes dois primeiros a vereda caminho atravessa capões de mata nativa, uma tal de Laurissilva, espécie de floresta úmida constituída por árvores e arbustos de folhas planas, por fetos, musgos, liquens, hepáticas e outras plantas de pequeno porte, aqui materializada de belos exemplares de tis, loureiros, folhados, sanguinhos, massarocos (q mais lembram um cacto-cor-de-rosa) , orquídeas da serra e estreleiras (flor símbolo da ilha), entre azaléias, magnólias, bromélias e orquídeas. Ao longo do trilho, me deparo também algumas furnas escavadas nas próprias rochas que antes serviam de abrigo aos homens que caminhavam com o objetivo de cortar madeira p/ ter lenha ou carvão vegetal. Qq semelhança c/ o desmatamento colonial da nossa Serra do Mar não será mera coincidência.

Após árdua e íngreme subida, alcançamos o alto do Pico do Jorge (1697m), onde é fácil vislumbrar a foz da Ribeira dos Socorridos e a Igreja de São Martinho. Dali passei pra outra encosta do maciço e inicia uma longa e íngreme descida até à Boca das Torrinhas, localizado no alto do pico homônimo (1538m). Ali, cruzei c/ outra picada maior perpendicularmente, q liga o Curral (sul) à Boaventura (norte), e foi aqui meu primeiro e breve pit-stop p/ retomada de fôlego, mas não apenas pelo cansaço mas tb em virtude do fantástico visu q se descortina a nossa frente. Neste local a vista sobre o Curral das Freiras é soberba, e abismal é a palavra certa para descrever a diferença entre as duas camadas , vegetais caindo das distintas vertentes da cordilheira, sendo o norte mais rico em espécies e densidade vegetal. Curral das Freiras deve te sido enorme cratera do vulcão da ilha e atualmente é um dos maiores e fundos vales da Madeira.

A seu tempo e s/ grandes pressa, dou continuidade a pernada, alternando o passo em subidas e descidas bem acidentadas. Passo pelo Pico Coelho (1719m) e o Pico da Lapa da Cadela (1667m), ate finalmente dar no pto mais alto da ilha. Isto é, no alto dos 1862m do Pico Ruivo, depois de sofridos 16 km de vereda e quase 800m de desnível! Ganha a batalha as 13hrs, foi com muito gosto q me fundi à mescla de nacionalidades presentes na forma de vários outros turistas, envolto num reboliço poliglota que deixava no ar o burburinho semelhante ao dum centro cosmopolita. Noutras, muvuca, principalmente perto de uma casinha de pedras q serve de Refugio. Teve ate um tiozinho alemão q apontou pra estampa na minha blusa e disse, num sofrível português arrastado: "Florrrianópolis? Serrr brrrasileiro? Eu estarrr lá ano passado!". ,

Continua…

Texto e fotos Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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