A Cachoeira que virou Funicular

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Ter um Plano B engatilhado é fundamental pra salvar a pátria qdo o esquema principal não vinga por algum motivo. Foi o q salvou o dia, onde nos vimos subitamente barrados do nosso plano original, visitar uma tal Cachu do Guaraiúma, situada numa área de mananciais da Sabesp. Entretanto, o nosso &ldquo,às na manga&ldquo,, a &ldquo,Trilha do Funicular&ldquo,, mostrou-se opção muito mais interessante e emocionante q a mencionada queda d água.


O bate-volta resultou numa autentica viagem no tempo através de uma vereda q acompanha a antiga linha do sistema de trens funiculares, q por sua vez ligava Paranapiacaba a Santos atravessando os contrafortes da Serra do Mar. Cortando túneis escuros e pontes decrépitas sobre abismos montanhosos em meio à exuberante Mata Atlântica, o tal Plano B bem q poderia ser agora alçado à condição de titular ao invés de mero reserva.

O tempo havia melhorado consideravelmente e a promessa de sol e céu azul era bem animadora. Dessa forma, eu e o Nando zarpamos pela manhã rumo o litoral por volta das 9hrs, e após o Rodoanel tomamos a bucólica “Rota Márcia Prado” afim de apreciar o sempre bem-vindo e inspirador visu da Serra do Mar. Esta rota nada mais é q uma estrada de manutenção da Rodovia Imigrantes e atualmente é utilizada principalmente por bikers q descem a serra. No trajeto, uma breve parada numa bela cachu despencando serra abaixo, por sua vez tributaria do Rio Pilões, cujo enorme vale lá embaixo ainda é promessa de futuras empreitadas.

Descendo a serra, tomamos a Rod. Pde Manoel da Nóbrega e singramos a planície de mangue q domina a baixada santista sentido Praia Grande. Uma vez lá fomos seguindo as coordenadas do GPS ate adentrar na esquina duma tal Banca da Nanda e dali tocar sentido serra, sempre em linha reta. Estamos nos cafundós do Jd Melvin, onde não demora pra rua dar lugar a uma precária estrada de terra em meio à muita mata, e em seguida tropeçarmos de cara num portão de uma adutora da Sabesp. Eram exatas 11hrs.

Estacionamos o veiculo e fomos tentar dialogar com os guardinhas da guarita afim de conseguir acesso as dependências da estação, já q a tal Cachu Guaraiúma encontra-se em seu interior mediante trilha cortando área do Pque Est. Serra do Mar. Sem sucesso, claro. Tentamos de tds as formas possíveis, mas após trocentas ligações e conversar com um suposto engenheiro manda-chuva, os guardinhas foram irredutíveis em sua decisão de proibirem nosso acesso. Um acesso q ate meses atrás era liberado e q agora é restrito sob as mais estúpidas alegações.

Frustrados, saímos dali antes de mandar td mundo tomar naquele lugar e fomos num boteco esfriar a cabeça regada com uma breja gelada, alem de buscar&nbsp, alguma solução pra não perder a viagem. Era apenas meio-dia e o sol estava a pino. Como não podíamos seguir pra Itanhaem ou Mongaguá atrás de atrativos naturebas locais por limitações de ga$o$a, resolvemos buscar alguma alternativa pelo trajeto já percorrido ate então, isto é, nos arredores de Santos, São Vicente, Cubatão… ops, Cubatão!!! Mas é claro! É lá q termina o Vale do Mogi, alem de ter as linhas da Cremalheira e do Funicular q sobem a serra!! Simbora!

Tomamos então a rota inversa e após uma breve parada no Morro do Itararé, com direito a um belo clique das praias santistas, deixamos os meandros do local q guarda alguma semelhança com os morros cariocas. Num piscar de olhos estávamos às margens da Piaçangüera, mais precisamente nos quintos da Comunidade Mantiqueira, próxima de uma mini-favela ao lado das linhas férreas oriundas do alto da serra. Dessa forma, estacionamos pertinho do quiosque (ou mini-bar) da Neuza, onde a simpática dona era velha conhecida do Nando e nos garantiu segurança ao veiculo.

Começamos a andar mesmo as 13hrs, tomando uma discreta picada atrás dos barracos perfilados q fazem de botecos improvisados, atravessamos um capinzal até dar na linha do trem e dali acompanhá-la por um tempo. Logo, deixamos a mesma em favor de outra picada mais larga subindo um pequeno barranco à direita e mergulharmos na vegetação, acompanhando as trocentas mangueiras de captação no caminho. Dali tínhamos, através das frestas na mata, uma bela vista da enorme muralha da Serra do Mar, do Vale do Mogi, do Perequê, da Cachu da Torre, etc..

As mangueiras de captação então somem, mas a trilha é obvia e evidente, subindo a serra imperceptivelmente sem gde declividade e mtos cursos d´água cortando o caminho. Ali já começam surgir vestígios do passado na forma de antigas canaletas de drenagem, tanques revestidos de limo, restos de calçamentos, etc. Td parcialmente engolido pela mata, claro. Mas o principal é q durante td o trajeto basicamente acompanhamos um enorme e grosso cabo de aço enferrujado (e alguns trilhos) q devia ser o q tracionava o antigo Funicular.

Após um bucólico bosque, a vereda se estreita e passa a serpentear a espessa vegetação serra acima, sempre seguido o tal cabo de aço ou algum outro vestígio ferroviário escondido em canteiros de maria-sem-vergonhas ou nos bananais do caminho, q por sinal são bem abundantes. Não demora a desembocarmos na primeira ponte (ou “viaducto”, como uma lacônica e velha placa de ferro anunciava), ligeiramente carcomida pelo tempo e tomada pela mata. Nas pontes, a trilha sempre tem desvios q a contornam pela encosta, mas como neste caso a ponte aparentemente oferece alguma segurança, pois a altura não é lá essas coisas,embora seja considerável.

Após cruzar cuidadosamente dormentes e vigas de ferro passamos pro outro lado ate cair novamente na trilha, q basta apenas acompanhar outra vez, envoltos no frescor da densa mata. Chapinhando um extenso trecho de brejo e charco, cruzamos com uma comporta de ferro lateral (à direita, q leva a um pequeno fosso) e desviamos de um enorme deslizamento, ate cair no inicio da segunda ponte. Esta ponte é impossível de cruzar, pois ela não existe, ela desabou a muito tempo atrás. Não nos resta opção senão desviar do enorme vão na serra contornando pela íngreme encosta, onde topamos de cara num gde córrego despencando montanha abaixo através de enormes lajotas de pedra formando pequenos poços e cachus. Pausa pra beliscar algo e tchibum básico. Eu dou um rápido role pelos níveis superiores da cachu, com belo visu do Vale do Mogi e do Vale da Morte, na encosta oposta da serra.

A pernada prossegue no mesmo compasso em meio à mata, desviando das arvores tombadas no caminho, mas sempre tendo como permanente cia o bendito cabo de aço, assim como algum elemento q nos remeta aos tempos de ouro daquela ferrovia. Neste trecho atentamos pra alguns fossos ocultos durante o trajeto e cobertos pela mata, antigos corrimões de varandas enferrujados e pequenas muretas com detalhes rococós abraçadas pelas raízes da vegetação ao redor. Topamos então com o primeiro e segundo túneis, quase q consecutivos e q atravessamos desimpedidamente. Na seqüência vem a terceira ponte, desta vez maior q as anteriores, seja em comprimento como em altura. Eu bem q tentei atravessá-la por cima, mas ao ver q alguns trechos estavam tomados pela mata e simplesmente não via onde pisava, resolvi retornar pra pisar em terra firme. Ainda mais qdo vi a altura por entre os dormentes.

Contornada a ponte pela encosta em breves sobe-e-desce e cruzando um córrego cristalino, prosseguimos nossa jornada pela inconfundível trilha serra acima. Damos então no terceiro túnel, desta vez muito maior q os dois anteriores juntos! O troço era bem extenso, úmido e repleto de gotejamentos q tornavam seu piso alternar brejo, cascalho e buracos. E o pior, estávamos sem lanterna! Não nos restou opção senão atravessar o interminável túnel na base do passinho-de-tartaruga-manca à luz de um precário isqueiro. O sufoco só passava qdo conseguíamos ver a outra entrada do túnel, q ao menos tanto nos orientava como iluminava o caminho a seguir.

Uma vez do outro lado, a picada envereda um tempo através da mata ate finalmente cair na mãe de tds as pontes, a quarta ponte. Com seus quase 180m de extensão e uns 60m de altura, é chamada mesmo de “Ponte-Mãe” por ser a maior das 16 (e quase 20 tuneis) q existem ao longo dos 10km ate Paranapiacaba. São apenas as 15:40 da tarde e aqui é o maximo q podemos chegar por hj, obedecendo as normas de sensatez e prudência q nos norteavam. Isto pq a partir daqui as pontes estão sob ação de enorme deterioração estrutural e oferecem real risco de vida a quem ousar cruzá-las, seja pelas chapas de ferro rangendo ameaçando se partir como pelos dormentes apodrecidos, q podem desmanchar facilmente sob nossos pés.

É aqui tb onde descansamos um pouco e eu ate q arrisco andar ate o meio da mesma, apenas pra constatar o real perigo q é circular por essas pontes velhas. Alem da estrutura frágil e da altura considerável, os dormentes guardam esconderijos pra aranhas armadeiras e pequenas jararacas. Lógico q eu não ia pagar pra achar as bichinhas e retornei rapidinho à terra (ou seria trilha?) firme. Quem sabe numa próxima ocasião a gente organiza uma trip pra completar o percurso ate o alto da serra, porem saindo cedo e bem mais prevenidos. Mas não hj. Contudo, chegar ate ali já tava bom demais.O dia estava salvo!

Retornamos td novamente em menos tempo q na ida, pelo mesmo caminho. Porem, após o primeiro túnel (e antes da segunda ponte), desviamos por uma picada lateral descendo a íngreme encosta através de uma escadaria de pedras ate dar na sua base. Dali uma discreta trilha se enfia em mata baixa por debaixo da trilha oficial e nos leva ate a chamada “Primeira Maquina” (de um total de 5 em td trajeto), q nada mais são as caldeiras q movimentavam o Sistema Funicular, datado de 1901. É impossível não tentar imaginar como td esse maquinário (pesadíssimo) deve ter chegado ate ali, nos contrafortes da Serra do Mar! As 16hrs temos mais uma pausa em meio aquele antigo e enferrujado maquinário, com bons locais de acampamento.

Sem pressa alguma, as 17:30 já estávamos de volta ao Bar da Neuza,onde bebemoramos a “empreitada-estepe” no bar da simpática senhora. Havia um problema: o carro estava quase sem gás e nós, ligeiramente duros. Mas de forma bem egoísta, preferimos encher o nosso “tanque” de álcool e deixar o do carro vazio. Mas ate ai bastou o Nando acionar o guincho do seguro q retornamos à Sampa numa boa.

Atualmente a “Trilha do Funicular” é mantida pelos chamados “funiculeiros”, uma turma de tiozinhos q vira e mexe percorre a dita cuja, resgatando a historia de dois séculos atrás. No geral é mais fácil realizá-la no sentido Piaçanguera-Paranapiacaba, q no sentido inverso. Por ser perigosa e de propriedade particular, os guardinhas no alto da serra lhe proibirão sequer de chegar perto dos trilhos. Mas nada impede q as pontes mais perigosas sejam contornadas pela encosta ou descendo pelos vales. É td questão de tempo e disponibilidade pra palmilhar esta bela vereda q rasga a Serra do Mar. Enfim, resumindo a estória toda, o saldo final foi bem satisfatório. Um dia q provavelmente seria jogado na latrina foi salvo pela “Trilha do Funicular”, uma picada q tanto se mescla com a historia de Paranapiacaba como da do desenvolvimento de São Paulo, e esta agora à disposição de quem quiser tornar um dia diferente, adrenado e bem radical.

Texto e Fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

2 Comentários

  1. Primeiramente tenha mais respeito ao se referir aos funiculeiros como um ” grupo de tiozinhos” você não nos conhece e nem mesmo a nossa história,respeito acima de tudo meu adolescente!

    Att.

    Fabrício Lima

    Fundador dos funiculeiros.

  2. Primeiramente, essa é uma matéria de década atrás e muitas águas rolaras de lá pra cá, inclusive com acréscimo de “funiculeiros” em meu seleto grupo de amigos com os quais tenho liberdade de brincar como for. E segundo aqui vai minhas sinceras desculpas se por ventura a mênção foi interpretada de forma pouco amigável. Adolescente? Bem , eu tô longe de me fantasiar de Rambo pra fazer uma simplória trilha na Serra do Mar…
    Abraços, meu caro e boas trilhas

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