Pedra da Divisa – Parte 2

0

No Top Enevoado da Pedra da Divisa


O sábado despertou totalmente imerso em densas brumas, contrariando minha previsão otimista. Acordamos revigorados por volta das 6:30 e ficamos prostrados à toa dentro de nossas barracas, providenciando nosso desjejum ou apenas descansando, na vã esperança do tempo melhorar. Ele ate melhorava, nos dando um leve gostinho de pequenas e efêmeras janelas de céu azul, pra depois tornar a nos cobrir td sob o manto de um espesso nevoeiro. “Dane-se!”, pensei, “Se não for hj não vai ser amanha..”

Assim, resolvemos encarar o ataque à Pedra da Divisa assim mesmo, envolto em brumas, ainda na esperança q o tempo abrisse mais tarde, por volta do meio-dia, já cm o sol a pino desvencilhando a umidade depositada no ar. Jogamos uma mochila de ataque nas costas e preparamos o acampamento pro nosso retorno. Partimos então a exatas 9:15, descendo um pouco o vale e cruzamos o cristalino córrego cautelosamente por sobre as pedras. Do outro lado, subimos a íngreme e alta encosta do morro sgte ate ganhar a crista, e por ela seguir desimpedidamente. Q fique claro q este trecho sob grossa neblina so foi possível ser realizado com ajuda do trajeto previamente plotado no GPS, pois tateá-lo às cegas na tentativa de navegar “visualmente” não renderia avanço algum.

Acompanhando a abaulada crista q despencava abrupta nas duas laterais, logo começou uma descida forte q pareceu virar de leve pra esquerda, ate finalmente darmos noutro riachinho, q murmura placidamente num leito de pedras. Cruzando á outra margem sem dificuldade, iniciou-se uma forte subida pelo capinzal ate ganhar novamente a crista, desta vez na forma de um enorme platozão. Sem visibilidade alem dos 50m, prosseguimos sempre em frente pelo descampado ate virar pra direita, como q tomando um espigão derivando da crista principal.

Nossa esperança do tempo abrir se renova com a súbita dispersão das nuvens próximas, permitindo atravessar um curto trecho de matinha nebular ate dar na continuidade da crista, já na encosta de pasto ralo oposta. Daqui em diante basta acompanhar um “trilho” q se resume a capim deitado obvio, sinal de q alguém passara por ali recentemente, e nosso trajeto descreve íngremes ziguezagues sucessivos ate dar no alto de novo morrote. O tempo parece brincar conosco, abrindo e fechando frestas quase q consecutivamente, pra depois sepultar em definitivo qq possibilidade de visual.

Bordejando o morrote pela esquerda desembocamos noutra crista e dali palmilhamos sucessivos selados em meio ao capinzal úmido. Com os pés já totalmente encharcados, galgamos nova piramba forrada de esponjosas turfeiras&nbsp, – típicas da Serra Geral – na base de árdua escalaminhada. No alto, segue-se outro suave sobe-desce ate mergulhar num curto trecho de vara-mato e dar na continuidade da crista, agora ascendente. A presença cada vez maior de caratuvas indica estarmos no alto dos 1449m do amplo cume descampado da Pedra da Divisa, infelizmente sem enxergar um palmo à nossa frente.

Mas estar ali simplesmente não bastava e resolvemos ir de encontro à proa do Pedrão, isto é, na borda da montanha. Prosseguimos então nossa pernada desimpedidamente através da campina úmida, agora descendo sem gde declividade rumo ao desconhecido imerso em brumas. E assim, quase num piscar de olhos, nos vimos numa estreita crista permeada de pasto e alguns lajedos, com abismos caindo de ambos os lados. Um pequeno marco geodésico de cimento surge no caminho, apontando pro céu e separando a Serra do Imbira do Quiriri, mas a gente segue em frente. Mas não por muito tempo pq logo o terreno termina no vazio abruptamente. Não há mais pra onde seguir. Estamos no limite daquele espigão gigante com um gde vazio à nossa frente, as 11:45, pois dali em diante a pedra despencava verticalmente centenas de metros ate se perder na densa floresta q abraça sua base.

Ali na cota dos 1312m nos debruçamos sobre o paredão, numa quiçaça coberta de pasto e bromélias, na tentativa em vão de apreciar os vastos horizontes q dali é possível vislumbrar. Mas o tempo é benevolente o suficiente pra nos oferecer breves frestas em meio àquele panorama fosco-claro. Abismos e fundos vales surgem repentinamente em meio à montanhas verdejantes, onde nuvens alvas se chocam com violência impar, é o nosso quinhão de visual no momento, o q já tava de bom tamanho. Não pudemos apreciar a totalidade da imponência dos maciços q havíamos contornado se erguendo dos campos com suas pedras de coroas desnudas, agora imersas em brumas q engoliam td a serra. Contentes simplesmente por estar ali em meio àquelas condições adversas, nos regateamos com animada conversa esparramados no capinzal, enqto mastigamos nosso bem-vindo lanche à tiracolo. Eu deito na relva afim de tirar um breve cochilo, mas logo sinto o rosto ser fustigado por leves respingos de fina garoa. Era hora de partir.

Zarpamos por volta das 13hrs e retornamos pelo mesmo caminho da ida. O tempo piorara consideravelmente: a garoa engrossava e a neblina tornou-se palpável, ainda mais qdo acompanhada de fortes rafagas de vento ensopando-nos o corpo, fazendo com q a sensação térmica fosse bem menor q a real. Por sorte nosso ritmo era ágil e rápido, o sangue estava quente o bastante pra nos manter aquecidos ate chegar nas barracas. Vale destacar a hábil navegação (com GPS) em conjunto do Angelo e Mamute no meio deste mundo cinza e opaco de espessas brumas, num lugar onde não existem caminhos. Apenas tufos de capim pisado q pode facilmente levantar e complicar td. Ela foi fundamental pra não ficar feito baratas tontas tateando o terreno aqui e acolá.

Assim chegamos ao nosso acampamento no “Vale Encantado” por volta das 15:30, após uma rápida e minuciosa exploração minuciosa das grotas, rios, cânions e paredões do degrau atlântico do referido vale, agora imerso numa luminosidade fantasmagórica q se adensava mais e mais. Eu optei por me enfiar em minha barraca pra não sair mais dela, onde troquei minhas vestes úmidas por outra seca, bem mais aconchegante. E ali, largado àquele ócio mais q justificado, comi algo e descansei o resto do dia ate cair no sono dos justos.

Qdo a noite chegou o tempo só tendeu a piorar, com a chuva lá fora castigando o vale sem parar e acompanhada de fortes rajadas de vento. Pensando bem, acho q a previsão de tempo estava certa em relação àquele sábado. Acordei diversas vezes de noite tendo q resolver problemas de infiltração na barraca, q alagou alguns pontos em seu interior. Vira e mexe despertava com os pés chapinhando numa poça ou sentindo as costas úmidas. “Dane-se!”, pensei, ” Quem ta na chuva é pra se molhar mesmo!”. Mas não dentro da barraca, ne? Plastifiquei o corpo e tornei a dormir, mergulhado num “sleep-bag” parcialmente ensopado, já com cheiro de cachorro molhado.

A fazenda Quiriri e a Volta

O domingo amanheceu ainda encoberto em brumas, porem sem chuva. Enrolamos um tempo dentro da barraca mas havia q partir cedo. À contragosto, deixamos nossos aconchegantes sacos-de-dormir e começamos a arrumar nossas tralhas em meio àquele mundo cinza e úmido. Dureza habitual nestas ocasiões é calçar as meias úmidas em botas molhadas, tinindo de geladas. Com as mãos entorpecidas pelo frio consegui a duras penas arrumar minha mochila, q agora pesava o dobro por conta da barraca e sleep-bag ensopados.

Mochilão nas costas e botas rasgando a campina molhada, zarpamos as 8hrs daquele bucólico local q atende pelo nome apropriado de “Vale Encantado”. Da mesma forma q o dia anterior, retornamos exatamente pelo mesmo caminho de ida, agora sem termos as belas vistas q nos encantaram na sexta-feira, sem encontrar vestígios do rastro de nossa passagem naquela ocasião. Em contrapartida, as campinas estavam tds tomadas por gigantescos brejos, nos quais nenhuma bota saiu incólume mesmo tendo os pés forrados de sacolas plásticas. Subimos o vale, ladeamos o Quiriri, subimos o Bradador e logo nos vimos na precária estradinha, agora descendo em definitivo sentido à Fazenda Quiriri. O tempo ameaçou abrir, com as nuvens avançando e retrocedendo, numa brincadeira de esconde-esconde sem graça àquela altura.

Chegamos no carro por volta das 9:30, onde trocamos as vestes úmidas por outra mais aconchegante. Ali tb esbarramos com o Emanuel, o caseiro q vigiava a propriedade montado numa motoca e com quem tivemos uma breve porem animada prosa. Nos contou detalhes da Fazenda Quiriri e nos convidou a conhecer o interior do casarão, q diga-se de passagem parece meio assombrado visto de fora. O interior do casarão é fantástico, com enormes e acolhedores aposentos com lareira, ideais pra passar um fds com a família! A boa noticia é q o caseiro nos informou q a fazenda pode ser alugada por temporada e q ela é bastante solicitada nos períodos de férias. Pensando bem, nada mal fazer dali campo base pra futuras explorações pela Serra do Quiriri, sem necessidade de acampar e com a vantagem de ter banho e comida quente na volta, não?

Se o “Vale Encantado” é lugar pra levar a família, este é o lugar perfeito pra ficar.
Nos despedimos do simpático senhor e tomamos o caminho de volta la pelas 10:30, tomando cuidado na descida de serra do carro não patinar pela precária estrada, agora terrivelmente enlameada. E assim conseguimos chegar vivos em Tijucas do Sul ao meio-dia, onde nos esbaldamos à vontade num rodízio por apenas R$10!!! Na sequencia, tomamos o asfalto de volta pra Sampa ouvindo pelo radio o jogo q sagrou a Espanha “Campeã do Mundo”, viagem q transcorreu sem nenhuma interferência, ou seja, sem transito algum!&nbsp, Com o pé chumbado do Mamute chegamos na “Terra da Garoa” por volta das 18:30hrs, contentes e revigorados pra mais uma semana de labuta.
&nbsp,
Apesar do titulo q encabeça o texto se referir à Pedra da Divisa fazendo alusão ao filme de animação do Don Bluth (1988) – aquele dos “dinossaurinhos”, ao som da pegajosa canção da Diana Ross – o “Vale Encantado” do Quiriri tem características jurássicas próprias e merece mto mais destaque q o Pedrão em si. Cada fenda, cânion, pilar e grota montanhosa da região escondem novos e fantásticos ecossistemas ainda a serem explorados. Destes, o “Vale Encantado” é apenas um deles. Protegido dos olhares humanos tanto pelo terreno acidentado como pelas constantes brumas, suas verdejantes colinas escondendo riachos sussurrando graciosamente entre cachus, montanhas, cânions e abismos, este é mais um daqueles lugares paradisíacos q vale a pena desvendar com mais calma. Nesse contexto, a Pedra da Divisa é apenas a cereja do bolo, uma desculpa montanheira esfarrapada mais q convincente pra retornar a este incrível e pré-histórico lugar.

Texto e fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
&nbsp,

Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário