Uma temporada de muitas descobertas

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Durante onze anos persegui meus sonhos de criança em montanhas dentro da América do Sul, neste período fiz grandes amigos, descobri novas culturas, aprendi outros idiomas, comi o que não devia em lugares nada saudáveis, fui picado por mosquitos exóticos e peguei doenças tropicais em florestas da Amazônia. Congelei a ponta dos dedos algumas vezes e até preso por fotografar uma manifestação clandestina já fui, mas este ano tive de desacelerar tudo o que faço e levar minha cria para sua primeira experiência fora do país e perto destas culturas que tanto me fascinaram por estes anos. Uma temporada com poucos cumes e de muitas descobertas.


Atila Barros

Quando comecei a ver as primeiras imagens do curta “Entre Nós”, imaginei como seria levar minha filha adolescente preste a completar quinze anos para um montanha longe de seu país e ainda ter de conviver com todos os anos de diferença de idade que nos separaram. Como não ser tão rabugento quanto o pai de Luisa no curta e ainda se sair bem em uma trip de um mês ao lado de uma menina que pouco tinha vivencia de viagens e montanhas. Não seria um fim de semana em Teresópolis ou uma caminhada na Floresta da Tijuca, mas um mês ao lado de uma desconhecida para meu mundo.

Juro que fiz varias proposta para enviar minha filha ao primeiro mundo, Disney, Canadá e por ser de família evangélica até Israel propus que fosse com o pessoal de sua igreja, tentei repassar o fardo, mas a baixinha não cedeu, sua escolha de aniversario foi caminhar nos Andes e visitar os sítios arqueológicos mais famosos de Peru e Bolívia, ela queria as montanhas do terceiro mundo, as que eu tanto respeito e aprendi a amar.

Uma semana antes de viajar fui assistir ao curta de Erick Grigorovski, “Entre Nós” no Cine Odeon, Rio e Janeiro, mas um motivo para ficar preocupado com tamanha responsabilidade.

Pai de fim de semana só serve para diversão e estragar filho, não tenho tempo de ser o cara chato que cobra as notas da escola e aluga por se entupir de refrigerante e comida ruim de fast-food, quando estou com ela só penso em tirar um sorriso de seu rosto, ou seja, Montanha, Skate e etc. Tirando a implicância com o atual namoradinho da minha filha (Nada esportista, feio, cheio de espinha, magro e sem graça, o típico “cara de nada”), não pego muito no pé, ou seja, meu perfil de pai durão não existe.

Já que a desistência não ocorreu, e minhas idéias de mandar a filha para longe das montanhas não deu certo, vesti a camisa e encarei o desafio; ficar uma temporada sem nada que pudesse colocar minha filha em risco. Nada de picos com mais de 6000MT e tão pouco me meter em confusão, isso inclui nada de beber em excesso e arrumar confusão por motivos idiotas (Mulher e Futebol). Como não conseguiria fazer isso sozinho, contei com a ajuda de Maria Fernanda, montanhista, namorada e amiga.
Depois de algumas horas de vôo saído do Rio de Janeiro estávamos chegando a La Paz.

Alguns dias na cidade curtindo lugares como Tiwanaku e Chacaltaya garantiram a boa aclimatação do trio. Com o psicológico preparado, equipamento pronto e montanhas definidas era hora de partir. Levei minha cria para caminhadas leves no glaciar do Huayna Potosí onde ela pode fazer seu primeiro contato com a escalada em gelo. Desengonçada e meio sem jeito por conta do cansaço derivado da falta de preparo físico e altitude, fiquei de longe dando risadas enquanto fazia algumas fotos de um peixinho fora d’água tentando respirar.

No dia seguinte fomos até o acampamento base do Condoriri e de lá subimos para o Pico Áustria (5100MT), caminhada leve em um dia perfeito curtindo toda paisagem das lagunas que preenchem o vale e as imponentes montanhas de rocha negra do complexo Condoriri.

Confesso que tinha planejado voltar ao Illimani (6439MT) e deixar minha filha no acampamento base, mas como a baixinha não passou muito bem nestas caminhadas, tive de mudar os planos e deixar minhas ambições de montanhista para uma próxima temporada e ser um pai responsável.

As noticias do acidente no Condoriri também mexeram com o psicológico de minha filha, já que era assunto entre guias e escaladores o ocorrido com Isabel Suppé e Peter Wiesenekker. As noticias estavam meio que incompletas, para alguns, ambos tinha falecido no acidente. Também existiam boatos de que um brasileiro tinha tido problemas no Huayna Potosí, o assunto corria pelas agencias e guias de La Paz.

Sabia que o brasileiro se tratava de Davi Marski, mas já tinha lido o material do ocorrido pelo site altamontanha, quando fui até o Hotel Torino procurar por Davi, ele já tinha partido de La Paz e estava tudo bem. Já o caso de Isabel Suppé, só depois de algum tempo fui saber o que ocorreu, também lendo o site altamontanha.

Deixando as montanhas que cercam La Paz, chegando ao hotel recebi noticias de problemas nos departamentos de Potosí, Sucre e Uyuni, turistas presos nas cidades sem poder retornar a La Paz, gente parada em ônibus nas estradas por conta de barreiras intencionais e boatos de conflitos armados chegavam o tempo todo por telejornais e periódicos locais. A idéia de ir ao Potosí e caminhar um pouco mais foi abortada. Mais uma mudança de planos sem comprometer o presente de aniversario de minha filha.

Depois de levar minha filha para pedalar em La Cumbre, o downhill na Death Road boliviana, partimos para Puno, Peru e seus sítios arqueológicos. De lá para Cuzco, Vale sagrado e Machu Picchu. Em Cuzco ela completou quinze anos.

Uma passada na cidade arqueológica de Arica para conhecer o mar do pacifico e um pouquinho do Chile, retornei ao Peru por Tacna e segui para Arequipa onde apresentei a ela o Rafting nas águas geladas do rio Chili.

Foram dias cheios, repletos de novidades e descobertas para ambos. Não fiz grandes montanhas, não fui a um cume novo, não voei de Parapente no Lago Titicaca e tão pouco gastei os dedos na rocha nesta temporada, mas conquistei algo novo, algo que nenhuma outra montanha ou desafio poderia me dar, conquistei o respeito de uma adolescente que completou seus quinze anos em montanhas de terras vizinhas admirando o mesmo horizonte que eu sonhava em ver quando tinha sua idade. Esta temporada o presente dela foi minha maior conquista.

Força Sempre e boas escaladas!
Atila Barros

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Sobre o autor

Atila Barros nasceu no Rio de Janeiro, e vive em Minas Gerais, cidade que adotou como sua casa. Escalador (Montanhista) há 12 anos, é apaixonado pelo esporte outdoor. Ele mantem o portal Rocha e Gelo (www.montanha.bio.br)

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