Da Cachu Furada até a Mogi-Bertioga

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O Rio Sertãozinho nasce em Biritiba-Mirim e marulha placidamente pelo planalto verdejante dos arredores de Mogi das Cruzes, mas qdo despenca Serra do Mar abaixo até desaguar no ilustre Rio Itapanhaú transforma-se num furioso e encachoeirado rio selvagem repleto de possibilidades trekkeiras nada convencionais. Visível perfeitamente por quem circula pela BR-98 (Rod. Mogi-Bertioga), no ultimo domingo fomos percorrer os sinuosos meandros do breve trecho de menos de 3km q vão desde a pitoresca Cachoeira Furada até o asfalto, num desnivel terrivelmente abrupto e acidentado de quase 700m. O resultado é uma pernada árdua e perrengosa, ideal prum bate-volta adrenado e com direito a mta (des)escalada, tanto na rocha qto no mato.


Previsão pro domingo: tempo péssimo com possível melhora no decorrer do período. Ficar em casa? De jeito nenhum. E por três motivos: tempo ruim não é fator limitante em se tratando de Serra do Mar, à diferença das gdes montanhas da Mantiqueira, q requerem tempo limpo e seco pra apreciação de seus largos horizontes. A Serra do Mar é antes de td um amontoado de mato com pouco visu, e descer rios não requer boa visibilidade pra navegação. O segundo motivo é nada mais q pessoal, já q um perrengue molhado apenas aumenta o desafio e tempera a aventura. Sair bem alem da “zona de conforto” programada requer desprendimento. E cabeça. Isso dá uma adrenalina desgraçada! A terceira razão apenas corrobora as outras duas, pois se for pra esperar tempo bom em qq saída programada vc vai acabar ficando fatalmente em casa, chupando dedo.

Mesmo com essa medonha perspectiva de tempo eu e o Angelo desembarcamos na “Balança”, no km 77 da Mogi-Bertioga, as 10:30. Mal ajeitamos as mochilas pusemos pé no asfalto na seqüência, tendo o rosto fustigado pela fina garoa q não dera trégua alguma desde q aquela manha nublada havia clareado. Impusemos um ritmo forte na caminhada pela rodovia devido ao horário avançado, apesar da curta distancia daquilo q nos propuséramos, nenhum de nós sabia das dificuldades ou adversidades q por ventura surgissem nos quase 2km q separam a Cachu Furada da Mogi-Bertioga.

Após 3 modorrentos km feitos em meia hora, as 11hrs adentramos numa obvia e larga picada à esquerda, um pouco depois de duas placas significativas: uma indicando laconicamente o km 80 e outra dizendo já estarmos nos domínios do Pque Estadual da Serra do Mar. Mergulhamos então de vez na mata, chapinhando através de brejo e charco na maior parte do caminho, enxugando a mata úmida ao redor q nos ensopou num piscar de olhos. A trilha é bem evidente e larga até, não tem erro. Eventualmente surgem bifurcações mas basta se manter sempre na principal, numa picada q já foi outrora uma larga estrada de&nbsp, antiga mineradora, tanto q alguns trechos estão bem ancorados da erosão e forrados de toras de madeiras.

Seguindo esse ritmo e compasso sem empecilhos, cruzamos alguns pequenos córregos por pequenas e rústicas pinguelinhas ate darmos de cara com a Lu e o Rafael! Explico: na verdade faríamos a trip juntos mas devido a um desencontro de horários eles haviam chegado antes na trilha! Juntos demos continuidade à pernada, subindo e descendo suaves encostas cobertas de mato! Pois bem, no caminho surgem umas 2 (ou 3, não lembro bem) bifurcações q podem gerar confusão mas basta se manter sempre no ramo da direita, indo de encontro com o som de água abundante correndo nalgum lugar, q certamente é do Rio Sertãozinho.

E foi justamente na ultima bifurcação, após acompanhar um afluente maior q fomos pela esquerda equivocadamente, onde a picada não tardou a cruzar o rio e seguir pro norte num sobe-desce interminavel. Felizmente percebemos o erro a tempo pois claramente nos afastávamos do Rio Sertãozinho, cujos rugidos de cachus iam ficando cada vez mais inaudíveis ate sumirem por completo. Mas fica a dica pruma outra ocasião explorar essa tal picada.

Retornamos à ultima bifurcacao e uma vez no caminho certo não teve mais erro mesmo. A picada subiu um pouco pra depois descer rumo o som de muita agua correndo num vale fundo. Desembocamos então num pequeno afluente q bastou acompanhar cuidadosamente por cima das lajotas cobertas de limo em sua margem, ate finalmente cair nos lajedos e rochas q bordejam um enorme lago formado pelo gde e imponente Rio Sertãozinho, as 12:30. O tempo dava sinais de melhora e foi ali mesmo q sentamos pra beliscar um breve lanche, nos rochedos q pontilham o alto da Cachu Furada, q por sua vez é a primeira gde queda do Sertãozinho em seu trajeto serra abaixo. A cachu se destaca por ser diferente das demais, pois a água do rio penetra nas entranhas da rocha pra ser despejada na seqüência bem no meio de um paredão de quase 20m, como se estivesse sendo “cuspida” pela rocha.

Descansados, de estomago cheio e bem mais q dispostos, iniciamos de fato a pernada rio abaixo rumo à Mogi-Bertioga um pouco depois das 13hrs. O primeiro obstáculo foi alcançar à parte da baixa da cachu, aparentemente impossível devido a uma piramba rochosa vertical bem escorregadia. Mas observando bem percebemos q é possível desescalaminhá-la segurando-se firmemente nas raízes q a envolvem, desde q se saiba bem onde colocar o pé nas fendas e agarras da rocha. E é isso q fazemos cuidadosamente, um a um.

Uma vez na parte baixa e pausa pra fotos da foto clássica da cachu, damos continuidade á pernada descendo os lajedões seguintes sem maior dificuldade ate q decidimos prosseguir ininterruptamente sempre pelo leito pedregoso da margem direita do rio, evitando os enormes piscinões e furiosas corredeiras formadas nos trechos mais encachoeirados. Apesar de nublado, o tempo estava um pouco quente e já estávamos secos outra vez.

A caminhada se mantém nesse compasso ate q damos num trecho intransponível, barrados por uma gde cachu q cava um cânion rochoso logo a seguir. Aqui o jeito foi retroceder um pouco e galgar a encosta direita, mato adentro, e dar um jeito de descer do outro lado, já transposto o cânion. Dito e feito, escalaminhamos a encosta nos segurando na vegetação á mão, chegamos no alto e depois descemos por&nbsp, terreno menos íngreme varando-mato ate dar as margens do rio novamente, onde o mesmo aparentou nivelar e amansar deixando os furiosos desníveis pra trás.

Andamos um bom tempo bordejando as pedras sem gde dificuldade, sempre desviando de enormes e convidativos poções, com pouca variação de declividade. Enfim, pernada sussa. Foi ai qdo o tempo enevoou-se novamente e uma fina garoa começou a despencar sob nossas cabeças. Mas mesmo com as brumas tomando conta da paisagem conferindo-lhe um aspecto ate q místico, nosso ritmo de pernada manteve-se inabalável. Ate então.

Foi ai q o rio novamente começou um novo lance de furiosos despenhadeiros, cachus e canions q precisaram ser vencidos do mesmo jeito q o anterior, ou seja, desviando pela encosta. Escalaminhamos a encosta ate dar numa espécie de crista coberta de mato, pela qual prosseguimos sempre nos guiando pelo som do rio ao nosso lado. Contudo, não conseguimos descer pois à encosta oposta mostrava-se íngreme demais. O jeito foi prosseguir pela crista e buscar descer bem mais adiante, varando mato e embalados sob o canto metálico de algumas arapongas.

Foi ai q a chuva engrossou e a umidade depositada na mata não demorou a nos ensopar novamente. Estava frio, mas o esforço e a adrenalina fazia com q ignorássemos esse “detalhe” . Mas o breve perrengue durou pouco, pois encontramos um trecho onde começamos a perder altitude sem gde dificuldade ate q finalmente desembocamos outra vez ao leito do rio, mais precisamente no q parecia ser uma ilha fluvial.

Outra vez no rio prosseguimos no mesmo compasso anterior sem gde dificuldade, mas não demorou às pirambeiras e gdes desníveis retornarem, sob a forma de enormes rochedos desmoronados rio abaixo, formando poços e cachus incríveis. Contudo, aqui não houve necessidade ir pela encosta pois bastava buscar entre as pedras algum jeito de prosseguir a pernada, na base da desescalaminhada pura e simples, desviando de gretas, fundos poços e rocha lisa.

As 15:20, após uma curva fechada do rio foi q tivemos o primeiro contato visual da Mogi-Bertioga, mais precisamente a ponte de concreto q&nbsp, passa por cima do rio q palmilhávamos, envolta num espesso brumado! Uhúúú! Estávamos bem próximos, coisa de 100m! Contudo, vencer esta distancia ate o asfalto foi o trecho mais difícil de td pernada. A escalaminhada pelas enorme pedras roladas manteve-se produtiva apenas ate certo ponto, onde uma gde&nbsp, cachu vertical barrou nosso avanço. E o pior era q a encosta de ambos lado já não era mais de terra e sim de rocha bem íngreme! O jeito foi galgar sucessivos patamares pedregosos da encosta direita na medida em fossem seguros o suficiente e mostrassem boas agarras ou mato pra se firmar. E assim ganhar altitude lentamente ate descer na encosta oposta, onde já cairíamos na estrada pois já estávamos quase no mesmo nível dela.

Dessa forma saímos do rio e alcançamos um patamar q parecia seguro. Então o Angelo tomou a dianteira avaliando as possibilidades a partir daí. Ganhamos o patamar sgte nos segurando em raízes rente á rocha, sem buscar olhar pra esquerda pos era bem exposto, e onde o rio corria furiosamente dezenas de metros abaixo. Uma vez em segurança, avançamos mais um pouco engatinhando e varando muito mato caído através de uma estreita canaletinha bordejando a rocha. O passo sgte foi subir e ganhar altitude na diagonal, nos apoiando em pequenas agarras e segurando em raízes, escalando mato. O processo foi vagaroso devido ao excesso de vegetação (bambuzinhos) no caminho, mas por sorte foi proveitoso. Do contrario teríamos q retornar td e ai sim o bicho ia pegar…

Qdo a declividade arrefeceu foi um alivio. O trecho perigosamente exposto havia sido deixado pra trás mas agora havia de dar um jeito de descer ao asfalto, pois a encosta q dava acesso a ele era bem íngreme e forrada de mato. Tao longe e tão perto. Ouviamos os veículos bem do nosso lado, mas não achávamos meio de descer ao asfalto. Foi ai q começamos a descer na diagonal (tendendo pra direita) e nos segurando na vegetação disponível. Processo lento de tentativa e erro, porem produtivo.

As exatas 16:10hrs desembocávamos no km82 da Mogi-Bertioga, um pouco antes da pontes q tanto almejávamos e serviu de referencia. Estávamos sujos, imundos e com mato por tds os orifícios e reentrâncias imagináveis do corpo, mas estávamos acima de td mto contentes! Havíamos conseguido concluir nosso objetivo, q julgávamos aparentemente fácil! Na seqüência fomos pra baixo da ponte nos lavar um pouco da sujeira q cobria nossos corpos com a ajuda das águas límpidas do Sertãozinho, embora ali houvesse lixo de td espécie (jogado pelos motoristas), inclusive uma carcaça de caminhão!

Como nas condições em q nos encontrávamos conseguir carona seria algo impossível, o jeito foi retornar os quase 6 km ate a Balança a pé, fustigados pela fria garoa q tornava a cair! E caminhar pelo asfalto o mais rápido possível de modo a não deixar o corpo esfriar, pois esfriava rapidamente. Uma pernada sacal q pareceu interminável, depois de td q havíamos passado.

Chegamos na Balança um pouco depois das 17hrs, bem na hora em q um ônibus havia recém partido. Paciência. O jeito foi esperar e buscar o q fazer. Trocamos as vestes úmidas por outra mais aconchegante e ficamos a toa. Mandamos ver uns salgados, refris e cachus durante a espera, e mesmo assim o frio pegando. O fato é q so tomamos o bus as 18:30, já quase anoitecendo, outra viagem q pareceu interminável diante das inúmeras paradas q o latão faz no trajeto. Em Mogi tomamos imediatamente o tem de volta à paulicéia, viagem embalada no mundo dos sonhos.

Particularmente so cheguei em casa bem depois das 22hrs, portanto dá pra entender o porquê de qq trip pros lados de Mogi deve ser bem enxuta e planejada, desde q não se vá com veiculo próprio. Independente disso, é sempre agradável e de enorme prazer voltar pras bandas do Rio Sertãozinho. Pois fugindo um pouco das rotas tradicionais q o Itapanhaú oferece, seus principais (e nada visitados) afluentes escondem verdadeiros programas selvagens altamente recomendáveis. Isso vale não somente pro Rio Sertãozinho como tb pro Rio das Pedras e o Rio Guacá. Mas claro q são programas apreciados apenas por poucos. Ainda bem.

Texto e Fotos : Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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