Ultimamente tenho pasmado não só com a banalização do uso, mas principalmente com a dependência q muita gente tem criado do aparelhinho chamado de GPS, inclusive conhecidos q outrora afirmavam de pé junto q “nunca se tornariam escravos dele”, mas q hj não vão nem ao banheiro sem um. Não bastasse seu uso indiscriminado, ele não é garantia de sucesso, pois apesar de te passar infos devidamente mastigadas e receitas prontas td depende de vários outros fatores, já vi gente q o utiliza de cabeça pra baixo e quem coloque comodamente a culpa das próprias deficiências no aparelho qdo este não obedece.
Desde q me conheço por gente já metia as caras no mato bem antes do surgimento desse trambolho apenas dependendo de vontade e bom tempo. Navegar visualmente se valendo de bussola, carta e bom senso é antes de nada uma arte, mas claro q requer experiência quiném andar de bicicleta. A independência no mato deve ser plena e não parcial, já q td usuário de GPS deveria ter a obrigação tb de saber ler uma carta, no mínimo. Ser independente tb significa saber como proceder no caso do aparelho falhar, e pra isto nada melhor do q um mapa à mão como “estepe”. Pois é mais fácil reconhecer um erro qdo o cenário não bate com a descrição da trilha ou se o mapa não bate com o q se vê.
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O blábláblá acima é apenas a introdução q justifica meu perrengue-solo numa região q conheço quase nada, o planalto mogiano. Portanto parto direto ao relato escancarando o torpedo q recebi logo cedo no celular enqto aguardava impacientemente a Paulinha na Est. da Luz: “Bom dia, Jorge. Não vou mais pq perdi a hora. Boa trip.” A msg jogava a pá de cal de esperança de cia na única boa alma q decidira me acompanhar e me deu sinal verde pra zarpar, as 6:20 rumo Mogi. Q seja então. A falta de cia nunca foi motivo de deixar de cair no mato, do contrario criava raízes e acabava mofando em casa. Alem do exercitar o corpo, sentia tb necessidade de exercitar meu senso de navegação/orientação q andava meio em desuso ultimamente. Pra isso levei a bussola, um xerox da carta local e equipo pra eventual pernoite. Afinal, nunca se sabe, né?
E lá me vejo saltando no km 77 da BR-98 (Mogi-Bertioga) pontualmente as 9hrs, mais precisamente no posto tradicionalmente conhecido como Balança e imediatamente me ponho a andar pelo asfalto de modo a ganhar tempo, claro! A nebulosidade do começo do dia já havia se dissipado dando lugar a um sol impar naquele horário, q não tardou a me ensopar as costas de suor num piscar de olhos. Ignorando a buzina dos veículos rumando pro litoral prossegui meu rumo de forma ate apressada.
Por volta das 9:20 abandono o asfalto em prol da estrada de terra à direita q leva à casa do Seu Geraldo, na qual não vejo nem vivalma! O som dos veículos vai se perdendo e sumindo ás minhas costas enqto avanço no mesmo compasso apressadamente naquela estradinha precária q serpenteia morros forrados de vegetação, cruza brejos enormes e atravessa córregos q molham minha goela em mais de uma ocasião. Subindo e descendo suavemente em meio à vegetação q se torna cada vez mais espessa, minha vontade é de uma breve parada pra descanso. Mas este desejo logo se dilui pq além da necessidade de chegar o qto antes nas nascentes do Rio Sertãozinho, basta parar um pouco q zilhões de inconvenientes varejeiras pulam sobre mim ávidas por sangue fácil. No caminho me desperta a atenção um belo e respeitável morrote coroado de um enorme domo rochoso pela qual a estradinha passa bem na base e onde vejo uma provável picada (fechada) q provavelmente avança ate seu cume. Quem sabe esteja nascendo mais um perrengue vindouro noutra ocasião daqui?
Mas meu objetivo daquele dia é outro e prossigo minha pernada em ritmo cada vez mais veloz, subindo e descendo ladeiras através do q já fora uma estrada bastante utilizada e q hj resta pouco do calcamento original, em gde parte erodido ou tomado pela mata. Mas logo surgem as bifurcações e pelo q minhas memórias diziam da ultima (e única) vez q estivera aqui bastava me manter na principal. Entretanto as duas derivantes pareciam a mesma coisa, pois o mato crescera de tal modo q não dava pra distinguir qual era a principal. Pois bem, ai tive q sacar a carta e tentar me situar pra decidir tocar sempre pra leste, ou seja, tomando sempre a picada da direita. Dito e feito. Não tardou a reconhecer a paisagem a minha volta pra saber q estava no rumo certo. Uffaa!
Ao passar a discreta bifurcação q leva à Pedra do Sapo e a escorregadia pinguela de ferro, as 10:15 a picada mergulha enfim no frescor da mata fechada. A estrada há tempo já dera lugar a uma trilha estreita q praticamente tava tomada de agua, brejo e lama, mas apesar disso não reduzo meu ritmo de forma alguma, mesmo já quase ensopado ate os joelhos. Novas bifurcações surgem no caminho mas aqui basta ficar sempre na picada principal q é bem obvia, eventualmente tendo q desviar de muita mata tombada.
Mas as 10:45 desemboco finalmente nas margens do calmo Rio Sertãozinho, q aqui corre tão manso q nem recorda aquele rio furioso q já percorrera noutras ocasiões serra abaixo, mais especificamente próximo da BR-98. Pois bem, aqui eu atravesso o rio cuidadosamente com água ate a cintura apenas pra confirmar q do outro lado a picada prossegue discretamente rumo à Represa Andes, aonde se chega em menos de 10 minutos. Mas como meu objetivo é outro retorno à margem original pra agora sim acompanhar o rio descer sinuosamente pelo planalto. Pra minha surpresa descubro uma picada bem obvia q vai no sentido desejado, rente á margem direita do rio, e é por ela q prossigo indefinidamente. As vezes surgem bifurcações mas basta me manter na q fica sempre próxima do rio, sem dele se afastar.
A caminhada transcorre então sempre no mesmo compasso e sem dificuldade nenhuma em meio ao silencio da mata. As águas do rio ao meu lado deslizam mansamente e de forma quase imperceptível, numa atmosfera pacifica e silenciosa. O Sertãozinho aqui tem ambas as margens altas e não possui um leito pedregoso, portanto qq tentativa de acompanha-lo sempre será através da mata. Eventualmente a alta e densa vegetação chega a cobri-lo, filtrando os raios do Sol q por sua vez resultam em efeitos fantásticos de luz tanto no rio como nos vários remansos repletos de praias fluviais. No caminho, qual o meu susto ao perceber um bicho (um mamífero de pequeno porte q não consegui identificar) vindo em minha direção, na trilha mesmo em sentido contrario, mas ao me ver imediatamente se mandou a correr na mata! Q susto! Os bichos aliás são uma constante aqui, pois no caminho eram bem visíveis as pegadas de algum mamífero de gde porte, provavelmente uma anta ou capivara.
A picada desemboca numa clareira ao lado de uma pequena área de acampamento, onde vi restos de lonas e algum lixo. Certamente não eram jovens nem campistas. Eram caçadores. Continuei acompanhando a picada ao lado do rio, q mergulhou novamente na mata fechada apenas pra confirmar minha suspeita da presença em peso de caçadores naquela região. Tropecei com inúmeras armadilhas bem no meio da trilha e inclusive uma espera (tocaia) feita de madeira, as 11:30! Foi ai q redobrei minha atenção pois não queria esbarrar com os ditos cujos, ate pq minha passagem ia acionando td as armadilhas q eles tinham pra bicharada.
Mas td q é bom dura pouco pois a picada foi se tornando confusa a medida q avançava, me obrigando a farejá-la pela mata e descobri-la bem mais adiante, já não tão evidente e obvia qto antes. O rio tinha alguns meandros envoltos pântanos enormes q deviam ser transpostos na raça, e dali buscar a picada na margem pra dali prosseguir. Alguns trechos eram autenticas armadilhas naturebas, uma quase areia-movediça q demandou em mais de uma ocasião eu improvisar uma ponte com tocos de madeira pra não ficar preso na lama!
Por volta do meio-dia o rio aparenta se dividir em dois e surge uma nova duvida de q rumo tomar. Paro brevemente pra descansar e conferir a carta e a bussola. Pois bem, aqui o rio faz uma curva e segue pra leste pra depois novamente retomar rumo sudoeste, pela carta. A bússola confirma minhas suspeitas e me mantenho no rio da direita, acompanhando seu curso. Importante é saber o q se esta fazendo ao identificar os obstáculos do terreno numa carta, segui-los ou contorná-los pra dali azimutar na direção desejada. Um mapa oferece bem mais opções enqto a linha marcada pelos waypoints é uma só, nem sempre podendo ser a melhor alternativa. Particularmente confio mais num mapa ou numa descrição verbal q numa lista de números, ate pq já vi gente q mesmo enxergando seu destino preferiu obedecer cegamente uma plotagem incerta e dar nos cafundós do Judas, e pq um algarismo a mais ou menos plotado já te manda fora do rumo num piscar de olhos.
Voltando á trilha, felizmente há uma picada discreta a seguir, mas melhor ela do q varar mato, q aqui se apresenta mais hostil e espesso. No caminho deste trecho o destaque foi um enorme teiú, um lagartão vitaminado, preso numa armadilha bem no meio da trilha. E qual minha dificuldade em libertá-lo, pois sempre q chegava perto ele meio q avançava com a bocarra aberta na minha direção. Qdo consegui cortar o barbante q prendia sua pata, qual a velocidade do bicho rasgar a mata e mergulhar no rio feito um jacaré profissional! Pois bem, já fiz minha boa ação do dia! E torcendo pra nenhum caçador ter me visto, claro!
O rugido de alguma cachu apressa meu passo e qual a surpresa de chegar no q deve ter sido outrora uma antiga barragem, as13hrs, com mta água despencando através de lajotas inclinadas rio abaixo. Havia tb ruínas de uma antiga construção assim como vestígios de acampamento tb, provavelmente os mesmos caçadores donos das trocentas armadilhas com q tropecei. Como o q menos queria era topar com os ditos cujos, zarpei dali agora acompanhando a picada q contornava um enorme morro pela direita pra descer outra vez ao rio, num patamar mais abaixo.
Mas foi aqui q a picada sumiu de vez, e não vendo vestígios da mesma tive q prosseguir na raça escalaminhando a mata na margem do rio, de preferência varando mato nas encostas menos íngremes, ou avançando cautelosamente pelo alto das mesmas. Este trecho foi vagaroso por razoes obvias: alem do mato espinhento e cortante do qual ganhei boas recordações, o chão era praticamente coberto de raízes q escondiam varia gretas o q me fez redobrar a atenção. Contudo, um pouco mais adiante vi q era possível deixar a encosta íngreme em q me encontrava e voltei pro leito do rio, agora sim repleto de enormes pedras roladas pelas quais era possível avançar desde q se tomasse o cuidado de não escorregar nos trechos de limo.
Pois é, após a tal barragem o Sertãozinho era bem diferente do manso rio anterior. Agora ele era mais agitado em função da declividade, alem de q a presença maior de rochas formava belos cânions q o emparedavam em mais um trecho, tornando o bem parecido com aquele q conhecia serra abaixo. Sendo assim, o avanço através do rio foi feito do modo tradicional, ora escalaminhando pedras do leito ora avançando pela encosta nos trechos mais pirambeiros.
Após escalaminhar a mata rente um paredão quase vertical q espremia o rio no seu trecho q o antecedia ao meu objetivo, eis a as 14:30 finalmente alcanço a Cachu Furada! Dono absoluto daquele belo local não pensei duas vezes em dar um tchibum no enorme poço a antecede a cachu, a fim de remover a mata e sujeira depositada em tds os orifícios do meu corpo. Na seqüência fiz um demorado lanche enqto descansava e removia os vários carrapatos q trazia à tiracolo.
Foi ai q o sol sumiu e um denso nevoeiro tomou conta do vale, mas o q me fez zarpar as 15hrs foi o som de trovoes q provavelmente traria chuva em breve. Retornei então pelo tradicional caminho da cachu sem dificuldade alguma, tomando sempre a picada da esquerda nas bifurcações. Mas de repente a mata ficou tão escura a pto de parecer noite e o mundo desabou num dilúvio só, transformando o q já era um brejo num pântano continuo.
Ao chegar no asfalto da BR-98, por volta das 16hrs, a chuva havia parado faz tempo dando lugar a um céu azul coroado de um sol escaldante q secou minhas vestes ensopadas. O retorno pelos quase 4km entediantes de asfalto ate o Posto da Balança nunca foi tão sacal como naquela ocasião, mas felizmente mal cheguei nem tempo deu de trocar as vestes q tomei o busão rumo Mogi, as 17hrs. Uma vez la e cheirando cachorro molhado sem pudor algum, estacionei num boteco pra bebemorar e mandar ver um lanche, pra depois tomar o bendito trem rumo à Paulicéia Desvairada, tratar dos ralados e remover em casa o resto dos inconvenientes carrapatos qq ainda coçavam pelo corpo. Tributo mais q justo pra se andarilhar um local diferente e incorporar mais bagagem trekkeira a este q vos agora escreve. E sem necessidade forcada de pernoite, diga-se de passagem.
O GPS é um valioso instrumento pra plotar mapas e trilhas com precisão incrível, de gde utilidade em lugares inóspitos e ocasiões de tempo de visibilidade zero, principalmente. Poderoso instrumento de navegação, mas não essencial q fique claro. Longe de ser um substituto e sim mero complemento de navegação, já q não tem nada mais gratificante q chegar ao destino desejado após boa ralação apenas nos valendo do nosso precioso “computador de bordo” q dispensa troca de baterias e nunca desliga o cérebro, arcando com as conseqüências desta sucessão continua de tomada de decisões e assumindo os riscos permanentemente.
A palavra aventura por si envolve riscos então pq nos privar deste prazeroso privilegio q temos à nossa disposição? Mas logicamente q esta é apenas minha opinião, pois o uso (ou não) de GPS é acima de tudo uma opção pessoal. Cada um deve saber identificar suas próprias limitações (porém sem acomodação), pois tem gente sem senso de direção algum q se perde ate no supermercado. Mas mesmo assim estas pessoas estão se privando da emoção legitima genuína e autentica q é vencer na raça, sozinhos e por méritos próprios lugares tão fantásticos qto surreais como os labirintos de areia dos Lençóis Maranhenses, uma Serra Geral tomada de brumas, um cânion sem saída no Cipó ou o inferno verde do Vale da Ilusão, por exemplo. E ate mesmo as nascentes do prosaico Rio Sertãozinho, em Mogi das Cruzes.
Texto e Fotos: Jorge Soto
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