Depois de um hiato de 52 dias longe das montanhas após a visita ao Marins com o Pedro e com a Camila, finalmente volto à estrada dando boas vindas ao inverno brasileiro que começou no dia 21. Cansado de lutar contra a agenda pessoal por fim venci e consegui um espaço pra mim. Felizmente pude acertar (mesmo que parcialmente) as contas com um belíssimo parque nacional. Eis a aventura…
Mesmo terminal, mesma plataforma, mesma empresa rodoviária. Depois de passados quase 15 meses desde minha primeira e única visita ao Parque Nacional do Caparaó, pisei uma vez mais nestas altas terras brasileiras. E não é que voltei com uma única pendência?
Saí do trabalho dia 22 às 17:00h e fui direto pra rodoviária. Cheguei até bastante rápido apesar de minha expectativa negativa quando ao metrô. Jantei no Bobs e segui pra plataforma de n° 53. Ao chegar, noto pelo menos mais um montanhista aguardando o mesmo ônibus que eu. Pacientemente pego meu lugar na fila de pesagem. Peso e despacho a mochila, só a veria de novo cerca de mil quilômetros de estrada depois. Me sento e aguardo a revista que no ano passado me ajudou bastante a passar o tempo, Na Poltrona. Vamos ver se há algo interessante desta vez? Nada, pelo menos nada que agrade ao Parofes.
A viagem nunca acaba. No banco ao lado há uma moça e um Senhor de idade e pro azar dela ele sofre de incontinência. Ela deixa o lugar com a perna molhada buscando outro assento! Que coisa. Enfim depois de uma longa noite finalmente pela manhã chego a Manhumirim, mando um sms pra Lili saber que continuo vivo.
O próximo ônibus para Alto Caparaó já está chegando, compro passagem exatamente às 08:29h para o carro de 08:30h. Sorte. No trajeto conheci um grupo de quatro amigos montanhistas de São Paulo, subimos conversando. Chegando na cidade conseguimos encontrar com o Valdir, com quem tratei transporte via 4×4 até o Tronqueira. Ótimo pois assim eu pude dividir o custo do jipe com eles e saiu por somente R$ 15,00 pra cada um. Ano passado perdi uns bons dois quilos só nessa subida de 8kms de estrada e mais 4 de trilha só pra chegar ao Terreirão, não queria me desgastar à toa principalmente depois de tanto tempo parado.
Rapidamente chegamos à Portaria do Parque. Um caos turístico farofeiro. Tinha um ônibus lotado de umas 50 pessoas e além disso, cerca de 10 jipes 4×4 com passageiros e ainda pelo menos mais uns 10 carros particulares. Todos na fila pra se registrar e subir. Quando fui falar com o guarda parque a surpresa desagradável: A reserva está no nome de quem? me pergunta. Reserva? Puta merda esqueci disso! Quando respondi que não tinha reserva o rapaz me disse que seria difícil conseguir vaga pra nós, e me mostrou um relatório impresso com nomes e o total de reservas para o feriadão: 1298 reservas. Não acreditei à primeira vista, olhei de novo e era aquilo mesmo, mil duzentas e noventa e oito reservas!
Pra minha sorte e pra sorte dos amigos o jipeiro Valdir obviamente conhecia o rapaz da portaria, deu um papo rápido e acabamos foi passando a frente de todo mundo que estava lá antes de nós exceto um jipe que já estava no final do processo de registro. Que alívio…Dez minutos depois estacionamos no Tronqueira.
Subi a trilha acompanhado do grupo batendo papo, mas logo que chegamos na bifurcação pro vale encantado indiquei que visitassem pra fazer fotos já que o lugar é muito bonito e que não conheciam o parque. Assim nos separamos e eu fiquei de andar devagar pra que me alcançassem. Continuei pra cima sempre rodeado de nuvens no céu e algum vento, diferente da previsão que dava céu 100% aberto. Ultrapassei um casal, um grupo, outro grupo maior, fui embora com minhas duas mochilas. Depois de uma hora e pouco cheguei ao Terreirão a 2.370 metros. Pra minha surpresa só havia cerca de uma dúzia de barracas espalhadas. Mesmo assim, me sentei, matei a sede e comi a minha refeição pro almoço daquele dia: Dobradinha enlatada da Swift. Muito, muito gostosa. Primeira vez que comprei e gostei muito, ontem depois de voltar de viagem já voltei ao mercado e comprei mais pra estocar!
Logo, meia hora depois, o grupo de amigos chegou. Sabendo que o acampamento ficaria lotado decidiram me acompanhar na intenção de acampar nas lajes do Cruz do Negro querendo sossego pra curtir a montanha. Minha mochila já estava pronta e carregada com um peso adicional de 6 litros de água, tudo empacotado. Então esperei descansarem um pouco, fazerem um lanche e pegarem água, então seguimos todos pro local mais sossegado na montanha mais fácil do parque que quase ninguém visita ou sequer ouviu falar.
Começamos a subir e atrás de nós grupos de dez, quinze e vinte pessoas chegavam ao Terreirão. Agora, com as duas mochilas na casa dos 25 quilos, a ociosidade de mais de 50 dias pesaram sobre mim. Cansei um bocado pra subir. Tinha muita comida pra testar que eu recebi, que o Pedro recebeu, comida pessoal, litros e litros de água, o sol começou a aparecer…foi duro.
Mesmo assim, depois de mais ou menos uma hora e meia de caminhada e trepa pedra bem tranqüilo, chegamos na base do cume do Morro da Cruz do Negro, apenas 40 metros verticais abaixo do cume, na altitude de 2.616 metros. Ali mesmo escolhi um lugar pra mim e ajudei o pessoal a escolher outros lugares pra que montassem suas duas barracas também. Depois de tudo arrumado na minha barraca fui até o cume da montanha (repetição pra mim) fazer fotos do acampamento. Muitas nuvens atrapalhavam, mas mesmo assim a foto até saiu bonita. Usei a nova G12, aliás, primeira ida a campo com ela!
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Acampamento visto desde o cume do Morro da Cruz do Negro
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Visão de 360 graus do acampamento.
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Depois disso, ainda perambulei pra lá e pra cá olhando minha rota pro próximo dia, conversamos um bocado os quatro, ainda era cedo, 16:30h! Dava até pra descer e subir o Bandeira pra ver o pôr do sol de lá, mas como em outras vezes cujo dia seguinte me reservava algo mais cansativo decidi ficar e me preparar.
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Em alguns momentos a impressão que eu tinha (que nós tínhamos) era de chuva próxima! Tinha muita nuvem e não se via muito. Raras foram as vezes em que vimos partes do Bandeira e da pedra Roxa, Cristal nem pensar. Bem, isso até cerca de 17:15h, quando num passe de mágica tudo desceu formando um espesso mar de nuvens que ficou na altitude média de 2000 2100 metros. Foi justamente no momento mágico do pôr do sol, quando o astro rei veste um avental, segura uma aquarela e munido de um pincel pinta uma áurea cor-de-rosa a leste. Fantástico, muito bonito. Em minha primeira visita ao parque não tive oportunidade de desfrutar de tal visão, meus companheiros honorários eram novatos no parque e ficaram tão embasbacados quanto eu. Cada um fez o máximo de fotos que pode. Eu, feliz usando a G12 pra me acostumar com ela, mas mesmo assim levei comigo a H20 com duas baterias carregadas e deixei na barraca para fotos noturnas.
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Anoiteceu, comecei a brincar de fotos noturnas com a H20, exposição mais prolongada pra pegar lastros de luz na escuridão total de nosso acampamento. Fazia um frio do caramba quando o tempo estava fechado, na verdade a sensação térmica era negativa provavelmente mas a temperatura longe disso. Depois que o tempo melhorou a friaca passou e a temperatura era de cerca de 6°C a 2.616m de altitude. Calor até.
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Também fiz fotos do Terreirão a noite. A quantidade de lanternas acesas era enorme, e pouco antes de anoitecer, já havia entre 60 e 70 barracas montadas. A foto saiu até razoável, bastante iluminado. Pouco depois o mar de nuvens começou a subir novamente então eu tinha que ser rápido nas fotos pra não perder o momento. Consegui algumas antes de o acampamento ser engolido pela bruma. Foi um espetáculo psicodélico de luzes observar as lanternas se movendo dentro das nuvens, magnífico. Por outro lado, uma baderna incrível, ouvia tudo de minha barraca. Até som alto tinha. Muito frango assado e farofa, biscoito Globo e espetinho de camarão.
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Fui dormir cedo, pouco antes de 19:00h. Como meus primeiros objetivos estavam bem longe, decidi começar muito cedo. Precisamente antes do sol nascer às 04:00h. Minha janta foi um combinado de ração emergencial pra náufragos com um prato da Sublimar Liofilizados que recebi pra teste, músculo com abóbora. De sobremesa, banana nanica também da sublimar.
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Acordei com a movimentação dos meus vizinhos pra saírem rumo ao Bandeira, caminhada tradicional. Cume no Bandeira e depois descer pela crista até chegar ao Cristal. Aliás, além de ser a mais tradicional, é a única divulgada e permitida pelo parque, um desperdício de montanha e de possíveis vias de escalada em rocha em virtude do potencial do parque.
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Como já fui dormir arrumado e com a mochila pronta, só levantei, esvaziei a bexiga, tranquei a barraca, peguei a mochila e parti. Dei um até logo bem breve aos quatro e segui rumo à escuridão absolutamente sozinho. Passei pelo cume do Cruz do Negro de novo e, me baseando só no GPS e na curta visão da lanterna de cabeça comecei a descida oposta da montanha pelas lajes. Fica registrado aqui que minha orientação neste ataque consagra totais créditos ao Tácio, tudo muito preciso, marcações muito boas. Passei por todos os pontos marcados com precisão britânica. Ao contrário do que foi dito por outrem, os dados estão completamente o oposto de confusos. Aprender a utilizar o GPS ajuda, fica a dica.
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Como comecei a andar na madrugada, e pro lado oposto de qualquer ponto muito freqüentado e permitido, não importa quão alto fosse o choro da criança, a mamãe não escutaria (Aí Júlio, usei de novo ahahahah!). A escuridão só era quebrada pela tímida luz refletida pelo nosso satélite e pela serpente de infindáveis lanternas subindo o Bandeira. Eu seguia andando sobre ovos com máximo cuidado, o terreno era virgem pra mim e fica tudo mais preocupante sem orientação visual.
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Desci bem o Cruz do Negro até um campo de altitude antes de um morrinho, onde fica de fato a cruz. Subi o morro, via a cruz de relance mas não parei, queria aproveitar o frio pra cumprir com os objetivos e deixar o calor só pra volta. Do lado de lá a segunda descida começou. Como havia no chão muitos totens fui seguindo pra ver no que dava. Um esclarecimento rápido: Nunca utilizo trilhas marcadas no GPS pra navegação, só utilizo pontos. Exemplo: Busco um ponto que quero chegar e dou um ir para. Desta forma não se perde muito da aventura. Meu ponto à ser atingido neste momento era a segunda cerca de arame farpado, que fica na base de um segundo morro.
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Na descida do morro que fica a cruz dei de cara com um crux. Aliás poderia contornar este problema e só vi pela manhã na volta. Chegando no final das lajes empaquei em uma parede de 7 ou 8 metros de altura, vertical. Obrigado headlamp! Se não fosse a lanterna eu teria caído e me quebrado todo. Bem, parei ali uns dez minutos procurando uma descida em degraus pra desescalar a pequena mas perigosa parede. Mais a esquerda cerca de 30 ou 40 metros encontrei uma descida mais segura, e mesmo assim, sem ter a visão periférica, fiquei meio adrenado pra descer dali sem ver quase nada.
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Enfim passei, atravessei o campo de altitude e cheguei na tal cerca. Neste momento via na minha frente a silhueta do Tesourinho que mais parecia um vulcão, delineado pelo nascer do sol que começara.
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Vídeo que fiz nesse momento.
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Fiz umas fotos e um vídeo e comecei a contornar o morrinho pela esquerda. Não é necessário subir esse morrinho, de fato há uma trilha marcada e bem batida até repleta de totens. O que não pode acontecer é errar a trilha pra esquerda demais, porque o mato literalmente acaba em um paredão vertical que deve ter uns 80 metros, cair ali é morte certa. Morrinho contornado em cinco minutos, agora eu estava de frente pro crime! O Tesourinho! Será que algumas moedas de ouro me esperam no cume?
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Mais fotos, panorâmicas, vídeo, a bateria estava só com um ponto! Está certo isso? pensei comigo. Comecei a subida final que contorna levemente a esquerda da montanha. Quando cheguei ao cume nada de moedas de ouro, mas um acampamento em estilo andino! Um cercado de pedras de cerca de meio metro de altura. Era ainda bem cedo, o sol mal tinha saído, e fazia um baita frio de 4°C com bastante vento. Video de cume, foto de cume com tripé, olhei o Pico do Tesouro agora muito mais perto e convidativo. Que montanha sensacional! Paredões alucinantes ao lado direito deixariam escaladores com sonhos de conquista e água na boca! Chuto parede com algo entre 300 e 400 metros verticais de escalada! Cheia de chaminés e fendas.
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Vídeo no cume do Pico do Tesourinho. Frio e vento.
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Não demorei, outra descida oposta bem suave do alto dos 2584 metros do Tesourinho rumo a um morrinho que antecede o colo entre as duas montanhas. Descida rápida e com a vantagem de, apesar de ser cheia de caraguatás, ter bastante rocha pra pisar sem furar a canela com espinhos. Ainda existem totens no caminho! Em menos de dez minutos cheguei ao morrinho e segui sua crista pra esquerda, tirei uma foto do paredão antes mesmo de chegar ali. A partir daí decidi economizar bateria da câmera e fotografar só o necessário.
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Atravessei o colo e comecei a subida. O ataque ao Tesouro é muito, muito parecido com o ataque ao Tesourinho. Só que eu perdi o traço da trilha e comecei um escala mato doido bem inclinado, o que cansava mais. Felizmente esse trecho era curto e depois debandei mais um pouco pra esquerda e pude caminhar mais tranqüilo e com menos inclinação. Agora também era mais fácil pois eu tinha o sol pra enxergar! Logo no começo avistei uma montanha depois do Tesouro isolada, e eu acreditava inocentemente que o Tesouro era a última montanha da crista!
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A montanha deve ter algo em torno de 2.400 2.500 metros. Não pude deixar de fotografar é claro. Continuei. Já fazia calor e comecei a suar, era quase 08:00h e eu caminhava de frente pro sol. Cheguei onde pensava ser o cume e na verdade era um falso cume. Toquei pra cima e depois de passar por uma sequência de rochas grandes na borda do abismo da montanha, pinta na minha frente uma placa! Ficava a só alguns metros do cume. Nossa, tinha esquecido completamente do Tácio falando dessa placa, arranhada demais o que havia escrito estava ilegível.
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Bicho, montanhista se arrasa e racha a cuca pra chegar num lugar deste, e tem cerca de arame farpado pra todo lado e uma placa de metal no cume do Tesouro! Putz! Como pode? (risos). Devem ter levado tudo isso de mula pra lá, só pode.
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Enfim, o esperado cume. Exatamente 08:00h da manhã. No meu GPS a altitude era de 2.632 metros (oscilou entre 2.629m e 2632m). Saquei a mochila e coloquei na rocha (diferente do cume do Tesourinho que tem mato e caraguatá, o cume do Tesouro é rochoso), peguei a câmera, fiz uma foto do GPS mostrando a chegada ao ponto nomeado pelo Tacio de tesourocab e pronto, a bateria foi pro saco. Putz!!! Dá pra acreditar? Isso nunca me aconteceu antes, acho que é porque estou acostumado com as três baterias que tenho da Sony H20. De qualquer maneira, não estava certo, tinha certeza de que carreguei a bateria antes de viajar e não havia tirado mais que 110 fotos, apagando fotos ruins não dava nem 100 aproveitadas (quando cheguei em casa deu 98 fotos). Que coisa. Bem, não se perde nada demais já que o cume não é grandes coisas e a vista dele é a mesma do Tesourinho, só um pouco mais distante.
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Comecei a voltar. E aí cadê o helicóptero pra me levar de volta? Minha barraca agora estava tão longe…Tinha que suar meu caminho de volta. Não fiquei nem cinco minutos lá e fui embora, mato abaixo. Como ainda estava relativamente descansado já que o calor só vi no final, desci com cuidado redobrado mas rapidamente, passei de novo pelo colo, cerca, comecei a subir a crista do morrinho, passei por ele, pedras e caraguatás, cheguei de novo ao cume do Tesourinho. Aí sim, já tinha o pisca pisca ligado cansado, cansado. É chão demais! Mas, o pior já tinha passado e era cerca de 09:15h. Foi mesmo bom começar antes do sol…
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Desci o Tesourinho seguindo de novo os totens, atravessei a cerca e o descampado, fiz o contorno do morrinho (o mesmo do crux!) mais pela esquerda já que agora com luz solar eu pude ver uma crista perfeita subindo com ele e uma sequência de lajes de pedra seguindo pro cume. Pude evitar subir a parede agora. Só que eu me meti numa quiçaça do cacete por causa disso. Relativamente curta com uns 40 metros de travessia de mato alto, mas deu suor viu…Não sei o nome daquela planta, mas é um tipo de arvorezinha de 1,5m de altura que no tronco dela saem diversos galhos, e juntos eles ficam pior que bambuzinho. Uma verdadeira malha protetora. Tive que virar os pés de lado de forma que ao pisar a arvorezinha deitava, assim consegui passar.
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NOTA: Esta planta não quebra quando você pisa nela, ela fica ereta de novo assim que se tira o pé. Alguém conhece a espécie?
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Quando cheguei nas lajes foi um abraço, lentamente fui subindo o morrinho onde fica a Cruz seguindo pelas lajes da esquerda (volta, na ida seria direita) sempre com o visual da Pedra Roxa e outras montanhas sensacionais sem nome pouco mais baixas a minha esquerda. O sol agora estava já bem alto e o calor me fazia suar bastante. Parei quando cheguei na cruz. Será que a câmera faz uma foto? Na esperança liguei e rapidamente bati a foto. Não sei se ela chegou a processar a foto completamente pois assim que apertei o botão ela desligou. Paciência, vamos embora que a barraca já não está tão longe.
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Desci o morrinho e agora só faltava o último obstáculo pra terminar a tarefa do dia, subir a longa rampa do Cruz do Negro de volta até seu cume. Cerca de 200 metros verticais de desnível já cansado, suado, e começando a ficar assado. Vixi esse feriadão deu de tudo viu…Neste momento eu já suava demais, ainda tinha um finalzinho de suco que fiz e levei então de vez em quando eu bebia uns goles, fazia cerca de 25°C e não tinha mais vento.
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Subi lentamente e fazendo algumas paradas e zigue-zagues. Quando cheguei no cume pudia olhar minha barraca logo ali, nossa como fiquei aliviado, nem acreditava. Como esperei um verdadeiro inferno pra chegar a estas duas montanhas preparei meu psicológico pra algo muito pior, e tudo se resumiu a pouco mais de sete horas de caminhada e trepa-pedras leves.
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Na verdade, só existe campos de altitude, trilha marcada até a descida do Tesourinho com totens e tudo. É distante sim, mas nada absurdo. Pra ser sincero achei a nossa investida no ano passado ao Pico Cabeça de Touro muito mais cansativa (acampamento na Pedra da Mina e ida de ataque, levamos doze horas). Sem dúvida decidir dormir já no Cruz do Negro me poupou subir mais 300 metros de desnível no dia do ataque, me poupou mais dois quilômetros de caminhada. Foi de fato uma decisão muito feliz que tomei. Melhor ainda, começar no escuro ainda quando o calor não incomoda e meu rendimento é infinitamente maior, principalmente depois de tanto tempo parado. Fiquei muito satisfeito comigo mesmo. Novamente reforço meu agradecimento ao Tácio pelas informações fornecidas no arquivo que ele gerou quando foi lá, me ajudaram demais a chegar nos dois cumes.
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Nem tudo são rosas e churrasco, minha assadura incomodava um bocado já. Este tal de Murphy é um fdp mesmo. Depois do meu caso de assadura em Monte Verde em 2008 eu fiquei quase três anos carregando na mochila um tubo de hipogloss e nunca usei, agora que parei de carregar fiquei assado de novo, pode? Desta vez até sal levei pra montanha coisa que nunca faço, mas não tinha a merda da pomada…
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Bem, passava pouco das onze e o pessoal ainda não havia retornado da caminhada, então pra relaxar um pouco me deitei na laje de rocha na frente do avance de minha barraca e caí no sono sem intenção. Acordei uma hora e meia depois! Nossa, dormi direto por noventa minutos e nem percebi. Agora já era quase uma da tarde e o calor era forte. Peguei a Sony e fiz algumas fotos do Bandeira e do Cristal, ambos com várias pessoas no cume, entrei na barraca pra arrumar as coisas e deixei o relógio medindo a temperatura, lá dentro dava 39°C! Insuportável. Decidi descer pro Terreirão que estava incomparavelmente mais vazio. Só havia umas quinze barracas. Antes de descer almocei duas latas de sardinha que levei, arrumei tudo, empacotei as mochilas e escrevi um recado pro pessoal avisando que moveria meu acampamento pra baixo, que me encontrassem lá se quisessem.
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Comecei a descer. Em uma hora exatamente cheguei lá, andava como se estivesse sem o cavalo com as pernas afastadas. Como a assadura doía. Comecei a avaliar e percebi que se não melhorasse daquilo ir até a Pedra Roxa seria literalmente um sofrimento e não prazer de estar na montanha. Lavei o rosto, as mãos, montei a barraca e me sentei encostado na parede do banheiro observando a paisagem e as pessoas que ali passavam. Fiquei ali quase duas horas. Dúzias e dúzias chegavam descendo do Bandeira. Sem exagero, cerca de 150 pessoas passaram ali e desceram pro Tronqueira.
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Lá pelas tantas o grupo despontou na trilha chegando ao Terreirão, passaram o dia inteiro curtindo o Bandeira e o Cristal, nem viram meu recado pois desceram direto pra reabastecer água e voltar pro acampamento. Nos despedimos e eles subiram carregados com litros e litros de água nas costas. Voltei pra barraca e comecei a escrever o relato em um caderno que comprei na rodoviária antes de ir. A noite caiu e com ela dezenas mais de barracas foram erguidas. O acampamento foi enchendo, enchendo…Saí da minha barraca e andei pelo perímetro contando barracas, se não esqueci alguma ou repeti outras, o número era de 57 barracas. Algumas pra 6 pessoas. Fora o número de pessoas utilizando o abrigo e pessoas bivacando na casa de pedra. Muita gente…
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Dentro do meu canto de novo, fazia frio então me enfiei no saco, liguei o ipod e ao som de Tchaikovsky junto da dor da assadura comecei a fazer fotos noturnas com o tripé no avance da barraca. O frio bateu e todo mundo se enfurnou pra dentro.
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Esta última madrugada trouxe frio e muita, muita baderna. Tinha pelo menos quatro grupos enormes com mais de dez pessoas sendo um deles de cerca de vinte se preparando pra subir o Bandeira. Acordei pouco antes das 02:00h escutando a barulheira. O despreparo era gritante, a maioria de calça jeans. Mulheres de cachecol cor-de-rosa, bota e luva de mesma cor.
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Todos têm o mesmo direito que montanhistas de desfrutar das belezas naturais do parque, mas deviam pelo menos se instruir e usar roupas e calçados adequados à atividade. Penso que pelo menos vendo, se contagiem pela preservação. Entretanto, descendo do Cruz do Negro recolhi até luva cirúrgica da trilha do Bandeira que não estava ali no dia anterior!
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A trilha do Tesourinho e Tesouro estava completamente limpa. Prova de que montanhista (único público que vai praquelas bandas é claro) usufrui e preserva conscientemente. Atenção direção de UCs e Parque Nacionais para esta constatação! Querem multar quem faz foto e exibe sem autorização mesmo sem fim lucrativo? Aqui estão minhas fotos, não tenho autorização! Vocês precisam parar de palhaçada e agir onde é necessário.
Esta noite jantei uma feijoada e fui dormir. Quando acordei da segunda vez às 06:40h da manhã (a primeira vez foi pouco antes das duas da manhã com farofeiros baderneiros literalmente gritando pelo acampamento) estavam todos nas barracas ao redor da minha falando da temperatura e medindo. No meu relógio medi na madrugada -2,6°C quando acordei com a zona. Um vizinho que tinha um termômetro todo legal, parecia um rádio relógio de grande e com sensor interno e externo da barraca disse que a mínima registrada no dele, que grava os dados, foi de -2,5°C por volta do mesmo horário. Na hora que a conversa estava rolando, a temperatuda no meu relógio era de só 1,2°C. Manhã fria!
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Depois do café da manhã, lá pelas 08:00h, saí da barraca e fui ao banheiro, andei um pouco e percebi que a coisa ainda estava feia pra mim, não poderia fazer nenhuma caminhada longa por causa da assadura que obviamente ainda estava ruim, bem ruim. Fiquei muito, muito aborrecido. O parque do Caparaó é muito longe, ir lá demanda um feriadão e mesmo assim fica corrido e cansativo. Agora voltei pra casa com apenas esta pendência dentro do parque, dá pra acreditar? Que coisa…Enquanto pensava sobre isso e sobre ter que voltar lá só por causa de uma montanha, vi uma cena inusitada: Pessoas arrastando mala de rodinha no Terreirão! Gente, o que é isso?!!! Tive que tirar uma foto pra registrar esta cena sem igual. Isso ilustra precisamente o que eu falei sobre turismo praticado de forma errada. Pior, utilizando o serviço de mulas do parque. GENTE, MULA PRO CAPARAÓ??? Isso aqui não é Andes! Não chegamos nem a sentir 10% de falta de oxigênio, o Jipe deixa as pessoas a 1970 metros e só precisam subir pouco menos de 4 kms de trilha leve pra ganhar 400 metros de desnível e acampar, só isso! O fim da picada, mula pra carregar carga no Brasil não existe, fora de nossa realidade de montanha. Coitados dos animais além de tudo…Nunca usei mula e nunca vou usar. Pra isso existe carro 4×4 e carregadores de altitude se o montanhista achar que não agüenta o tranco. Já coloquei 37kg na mochila e me arrastei mas subi. Quando subi o Pico Paraná até livro tinha dentro da mochila pra fazer mais peso. Quem usa mula pra subir a mochila no Brasil me desculpe, não é montanhista. Nos Andes até se releva pela altitude mas aqui, não há desculpas.
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Decidi descer. Fiquei chateado com o problema. Pouco antes das dez horas arrumei tudo, comi minha última lata de feijoada, coloquei as mochilas na carcaça e comecei a descer. Levei exatamente uma hora pra chegar ao Tronqueira e durante a descida dolorida ultrapassei dúzias descendo e dúzias subindo. Chegando ao Tronqueira vi uma verdadeira frota de carros parados ali, uma dúzia de jipes e mais umas duas dúzias de carros particulares. Nossa, feriadão de records…
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Lá no estacionamento tive que descartar uma camiseta de tão suja e fedorenta que estava, joguei fora. Se juntasse ela na mochila com o resto dava até polícia na minha cola. Consegui uma carona com um jipe pra descer na faixa e acabou que antes de 11:30h eu já estava na praça da cidade de bobeira, lá pra cima o tempo havia mudado radicalmente, estava completamente fechado com nuvens bem cinzentas.
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Sentei na pracinha depois de comprar um saco de biscoito apimentado e uma coca-cola, comi o lanche fazendo um pouco de fotossíntese no sol que iluminava somente a cidade, não o parque. A hora passou rápido então logo logo eu estava no carro de 13:00h pra Manhumirim batendo papo com o cobrador e com o motorista. A viagem foi até um pouco demorada, quase uma hora! Felizmente, chegando a rodoviária da cidade consegui passagem pra voltar no mesmo dia, sábado, pra São Paulo no horário de 17:40h. Tinha então pelo menos três horas e meia de bobeira até o ônibus chegar, continuei a escrever o relato por um bom tempo.
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Depois de várias páginas o pessoal chegou na rodoviária também. Desistiram de subir de novo o Bandeira por causa do tempo ruim, muitas nuvens e um vento muito forte que disseram deitar a barraca pelo menos 40 graus. Acabaram ficando preguiçosos curtindo tudo da barraca mesmo. Depois desceram e pegaram o ônibus pra voltar pra Manhumirim. Então batemos um papo, me contaram uma coisa que ao mesmo tempo que preocupa, dá vontade de dizer eu te disse, eu te disse!: Viram uma mulher dessas de roupa rosa ser resgatada de maca e tudo do parque. Por que será não é mesmo? Acampamento de montanha não é shopping Center nem aceita cartão de crédito, fica mais uma dica.
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Eles foram pro outro lado da rodoviária e eu estava sentado. Enquanto falava com um deles uma moça se aproximou, chegara no mesmo ônibus que eles e também iria embora conosco no de 17:40h pra São Paulo, era uma menina de Curitiba com o namorado! Foram ao parque conhecer e fazer umas caminhadas. Ela já conhecia o altamontanha e por conseguinte me conhecia também. Batemos um papão e ela ficou de entrar em contato conosco para tirar algumas dúvidas e tratar de alguns assuntos, legal. O que eu mais gostei foi que geralmente montanhista paranaense raramente sai do Paraná. Tem tanta montanha lá, e montanhas lindas e desafiadoras, que muito montanhista de peso curitibano fica por lá em definitivo. Muito raro ver algum viajando pra tão longe pra subir uma montanha. O trajeto deles seria o ônibus até São Paulo e daqui outro pra Curitiba, olha que massa! Fica aqui um abraço pros dois, também esqueci os nomes.
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Depois me despedi do casal e fui conversar mais um pouco com o grupo, nesse meio tempo um bêbado que ficou me pedindo dinheiro enquanto eu conversava com o casal deu um show à parte. Ele se sentou na armação de ferro do banco de espera da rodoviária (o banco já quebrou faz tempo e estava só no ferro) e não sei como, foi se deitando pra trás até apagar de vez por causa da cana caiana. O indivíduo conseguiu ficar em uma pose inusitada! Pés no chão, deitado pra trás de barriga pra cima e com a cabeça encostada no chão. Incrível, o que a cana não faz…Virou a sensação do terminal, todo mundo ria e nós é claro, fizemos fotos. Até um vídeo eu fiz! Ele esboçava alguns movimentos fracassados na tentativa de se levantar mas não conseguia. Até que em algum dado momento falei com um do grupo cara, pega de um lado que eu pego de outro e a gente põe ele sentado, mas quando olhamos de novo ele estava conseguindo se virar até que caiu no chão, um tombo meio feio mas que com certeza não gerou nenhuma dor (naquele momento e por pelo menos umas seis horas mais) pra ele. Ao cair, o conforto e a bebedeira falaram mais alto e ele dormiu quase que instantaneamente. Sim estava vivo kkkk….
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O vídeo do bebado!
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Que coisa, que feriadão, muitas situações diferentes, muitas risadas, muita decepção e muita coisa errada dentro do parque. O ônibus veio pra São Paulo e acabou chegando antes do previsto, não peguei nenhum engarrafamento, dá pra acreditar? Peguei o metrô, depois um táxi e quando cheguei em casa nem sete e meia da manhã era. Acabei acordando a Lili que dormia feito bebe em casa sozinha. Tomei um banho caprichado e fui pra cama!
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É isso aí, preciso voltar ao Caparaó mais uma vez. Espero que não leve de novo mais de um ano até eu voltar por lá!
Depois que voltei contei pro Tácio o acontecido e pedi opinião profissional sobre a bateria. Ele me confirmou que com certeza a bateria deveria estar danificada. Já entrei em contato com o vendedor que se prontificou a trocar pra mim a bateria. Que bom…
Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.