A Estrada do Despraiado

0

Situada a 130km de Sampa e bastante conhecida pela galera jipeira e biker, a “Estrada do Despraiado” é uma precária via q – tal qual a “Estrada da Petrobrás” – interliga o planalto de Pedro de Toledo com o pé-da-serra, na altura de Miracatu e Iguape, sul de SP. Acompanhando o trajeto do Rio Despraiado e rasgando parte da Reserva Ecológica da Juréia em sinuosos 50kms, esta instável via está repleta de plácidos remansos e diversas quedas, ideais prum banho refrescante num dia de sol e calor. Aproveitando então um dia semanal nestas condições, percorremos esta difícil estrada de chão passando pelo isolado “bairro” do mesmo nome, afim de ir atrás de atrativos diferenciados delas bandas situadas ao norte do Vale do Ribeira. Como bônus: um tchibum da cachu do Faú, em Miracatu.

 

Sem mta  pressa, tomamos a Rod. Régis Bittencourt (BR-116) bem depois das 8hrs daquela manhã de quarta-feira q se insinuava de tempo ótemo, embora transpirando sol e calor. Eu, Nando, Renata e Emilia, satisfeitos do breve desjejum numa padoca as margens do ctro de Taboão da Serra, até então mal sabíamos q a viagem até nosso destino se prolongaria além da conta em pleno dia da semana. Sim, lá pela metade do trajeto – mais precisamente na descida da Serra do Cafezal – o trânsito empacou de tal forma por conta de vários caminhões quebrados (ou tombados) q não nos restou opção de aguardar pacientemente td voltar á normalidade. Dificil mesmo é acreditar q essa mesma BR-116, sem pista duplicada e repleta de problemas, continue sendo ainda nessas condições  a principal via de ligação dos países do Mercosul e da região Sul com o sudeste brasileiro.

Abstraindo este detalhe q por pouco nos deixou em duvidas qto a realização da trip, qdo o transito voltou á normalidade o Nando pisou fundo e num piscar de olhos nos vimos na Rod Pde Manuel da Nobrega, pra finalmente dar em Pedro de Toledo por volta das 10hrs, onde paramos rapidamente numa vendinha no inicio da pequena cidade. “Você é uma moça?”, uma menininha perguntou candidamente pra Renata, refletindo o clima ingênuo do interior paulista, já q por lá não deve ser mto comum ver a mulherada de cabelo preso, calça e possantes botas de caminhada.

Voltando a estrada e acompanhando a sinalização até nosso destino logo nos vimos em Três Barras, um pacato bairro rural ainda menor q Pedro de Toledo, onde tocamos pela Estrada do Rio do Peixe., sentido o Bairro Despraiado Não preciso nem dizer q aqui o asfalto foi embora, dando lugar a uma até estrada de chão em boas condições. Até aí estava tudo perfeito, embalado na paisagem pitoresca q revelava a morraria ao redor totalmente forrada de bananeiras – onde haviam cachos pra dar e vender –  nivelado numa estrada em perfeitas condições, e relevo com desnivel bem suave. Além disso, vacas bem magras e mal cuidadas na beira da estrada, assim como uma ou outra chácara, aparentemente abandonadas.

Mas foi qdo passamos pela placa anunciando estarmos nos domínios da Estação Ecologica Jureia-Itatins q a coisa engrossou de vez, sinal q já estavamos rodando pela maledita “Estrada do Despraiado”. Descendo lentamente pelas encostas do vale, a estrada ficou péssima e precária de tal forma q nalguns momentos tivemos realmente dúvidas se o simplório Peugeot daria conta do recado. Qdo não era tomada por um tapete de enormes pedras cascalhadas, eram as enormes crateras q havia q desviar pra não entalar de vez. Tanto q durante td trajeto não vimos mais ninguém cruzar conosco, a não ser dois veículos (tracionados) do pessoal da Reserva. Ainda assim td habilidade do Nando não impediu q rochas mais salientes arranhassem o fundo da lataria – onde tive a nítida impressão de ter o fiofó “deflorado” – e a placa da frente quase removida por valas mais fundas.

Com a estrada apenas piorando numa velocidade não ultrapassando os 20km/h, o deleite era apreciar a paisagem emoldurada pela janela e q revelava os contornos graciosos e verdejantes das montanhas ao redor. Mas eis q finalmente surgiu a nossa esquerda, no alto, os recortes escarpados da maravilhosa Serra do Itatins, onde destoava de forma imponente o maciço rochoso do Morro Dedo de Deus, espetando o firmamento azulado e isento de td e qq nebulosidade. Ao lado deste, o majestuoso Morro Boa Vista fazia par ao primeiro (guardando uma improvável torre num dos seus ombros serranos), formando a dupla de maiores sentinelas da região.

Foi somente nas proximidades do Bairro do Despraiado q a estrada suavizou e tornou-se mais “normal” , levantando nuvens de poeira durante nosso avanço. E assim, por volta das 11hrs, estacionamos próximo duma gde ponte (“Jackson Peixe Amarantes”), as margens do cristalino e borbulhante Rio Despraiado, em frente a um simplório boteco q tínhamos como referência, situado na regiao mais “aberta” da estrada. Na verdade é uma “xiboquinha” (como eles chama lá) q atende pelo nome do “Bar do Cumpadre”, onde o simpático (e contido) Reginaldo nos recebeu e contou da região. Ali é possivel bebericar alguma coisa ou comprar algum suprimento. Comida ou lanche pronto? Sem chance. Ali soubemos q o “bairro” era aquilo mesmo: uma ou outra casa ao largo da estrada, não havia telefone nem sinal de celular, mas incrivelmente havia internet (!?) na escola local. Entretanto, Reginaldo regozijava-se com nossa presença pois turistas motorizados ali não são mto comuns (a exceção de bikers itinerantes), por conta da precariedade da estrada q afasta qq alma de bom senso. “Essa ponte ali na frente fomos nós mesmos q tivemos q completar! A prefeitura nos esqueceu aqui!”, reclamava ele, q tb fazia “bicos” de monitor da Reserva da Juréia. Devido a isso seus negócios iam de mal a pior, mas ficou feliz da vida ao ver nosso consumo de 5 cervejas, 1 dose de pinga de cambuci, 2 guaranás e 2 pacotes de amendoim. Era a nossa contribuição á econommia local.

Vale tb mencionar algo de fundamental importância pra quem por ventura vier aqui. Bastou descer do veiculo q nuvens de borrachudos famintos caíram matando sobre a gente, quiçá sentindo sangue fresco no pedaço, o q tornou a permanência parados um verdadeiro inferno. A Emilia q o diga, já q não parava de se estapear aqui e ali por conta dos maleditos sanguessugas. Mas por sorte o Reginaldo nos emprestou uma citronela de fabricação própria (com base num óleo artesanal, etcetera e tal), q aparentemente afugentou em caráter provisorio os infames insetos. Vale mencionar tb q na vendinha do Reginaldo havia um beija-flor q devia ser chegado em paparazzis, visto q o bichinho sequer se mexia, e qdo o fazia era pra fazer pose pra gente!

Pois bem, naquele calor abafado infernal perguntamos pro Reginaldo dalguma cachu bacana pra nos refrescar e ele, bastante solicito, nos passou as coordenadas do maior atrativo local, a Cachu Despraiado, embora a maioria dos viajantes se limite a nadar nos remansos e poços logo abaixo da ponte, ali bem do lado. Retrocedemos então pela estrada algo de 500m e, bem na frente duma casa abandonada e duma enorme pedra a margem da estrada, havia uma picada bem batida adentrando na mata (pela direita), onde já era possivel ouvir o rugido duma generosa queda. Dito e feito, após uma picada q não deu nem 30m caímos as margens pedregosas do Rio Despraiado onde uma enorme e bela queda (duas, na verdade, separadas por um largo paredão de pedra) represava as águas do ribeirão num enorme e largo poção, de tonalidades translucidas q iam do esmeralda ao azul turqueza. Claro q td mundo deu tchibum naquele lugar paradisíaco, inteiramente nosso. Eu q conheço muitas cachoeiras fiquei surpreso com a limpeza do lugar, se levarmos em consideração q a queda esta bem ao lado da estrada e seu acesso é facil demais, sem demandar esforço nenhum.

Após um banho revigorante e mastigar um lanche sobre as pedras q beiram o plácido ribeirão, nos lembramos novamente da presença dos borrachudos, q resolveram almoçar junto conosco e se fartar da gente. Não bastasse, trouxeram pro banquete mutucas e alguns pernilongos, o q apressou nossa saída. Apesar disso, o banho havia vindo em boa hora naquele comecinho de tarde escaldante e abafada. Em tempo, bem q cogitamos subir ao Pico do Itatins (cuja trilha de acesso é perto dali) naquela mesma tarde, mas o horário bem avançado, o despreparo, falta de equipo apropriado e, principalmente, o calor sufocante nos dissuadiram a deixar essa empreitada proutra ocasião. De qq forma, ela já esta devidametne agendada. O pico q nos aguarde. E nem preciso mencionar dos olhares irradiando alegria das meninas ao tomarmos esta decisão de não subir o pico naquela tarde calorenta.

Após nova rodada de cevada gelada e de incrementar ainda mais a renda da economia local, nos despedimos do Reginaldo e tomamos estrada novamente, ouvindo as recomendações e alertas do velho “xiboqueiro” do Despraiado. “Mais adiante tem uma travessia de rio q é pela água! Cuidado com o carro!”, disse ele. Tds se entreolharam num silencio só. Bem, q seja assim então, ne? Se não der pra atravessar teríamos simplesmente q voltar td ate Pedro de Toledo, nada mais. Vamo tentar a travessia.

E la fomos nos, dando continuidade a trip motorizada por aquela precária e pitoresca estrada q basicamente acompanha td o Rio Despraiado em seu sinuoso percurso serra abaixo. A boa noticia era q o trecho pior havia deixado pra trás, e o terreno agora (suavemetne inclinado) vez ou outra forçava alguma manobra “radical”, mas no geral o avanço foi bem mais ligeiro q antes. Isso td tendo ao redor a mais verdejante mata e vários picos majestuosos nos observando. Assim como nossa passagem revelava elétricos (e enormes) calangos, os teiús, tomando sol na estrada e se pirulitavam mata adentro feito enormes jacarés! Em mais duma ocasião igualmente dava a impressão das voçorocas de lírios-do-brejo e damas-da-noite estarem prontas pra invadir a estrada e dispostas a “engolir” o veiculo. Interessante era tb reparar q ao largo de td ribeirão havia varias pontes-pênseis, provavelmente feitas pelos moradores de modo a facilitar seu transito as residências existentes naquela margem. Muitos deles, provavelmente a maioria, trabalham nas plantações de bananeiras e mandioca, bem comuns na região.

Mas foi depois de uma curva q a estrada deu lugar a um cristalino e pedregoso rio passando bem na nossa frente q obrigou o Nando a parar e avaliar a situação. Ali e agora eram a hora da verdade no quesito continuar ou não pela estrada. A gente ficou em profundo silêncio esperando o dono do veiculo tomar uma decisão. Mas este, sem dizer muito, apenas pisou no acelerador e mandou ver, e não tardou pro carro chacoealhar de um lado por outro, enqto uma “onda” pareceu avançar sobre o capô, molhando parcialmente o parabrisa. Na verdade não tinha muito o q pensar, era isso ou não passávamos: a água tava quase na altura abaixo do joelho e o veiculo tinha q cruzar rápido td largura do rio o mais rápido possivel, de modo a evitar a entrada de água pelo escapamento! De qq forma, o carro dançou um pouco pelas pedras, mas somente qdo emergimos do outro lado do rio q pudemos finalmente respirar aliviados. Isso pq somente ai lembramos q se desse qq avaria no carro não havia sinal de celular, nem mto menos telefone próximo. “Tenho alma de jipeiro! Só não tenho um..”, Nando filosofava, enqto acendia mais um cigarro antes de prosseguir trip. Em tempo: cruzar este rio no verão (chuvas!) realmente deve ser algo impossível.

No trajeto foi possivel tb avistar uma enorme ponte de concreto, parcialmente construída, e abandonada em meio a mata, tal qual aquelas vistas na “Estrada da Petrobrás”. Pelas infos do Reginaldo suas obras foram abandonadas antes da Juréia virar parque, mas ainda assim não tem como não se indignar com aquele visível desperdício de dinheiro publico sendo engolido lentamente pela mata. Mas eis q não tardou a vir a segunda travessia de rio, na verdade o mesmo Despraiado costurado mais uma vez. So q em comparação a primeira travessia essa ai era fichinha pois o rio era mais estreito, onde apenas o carro embicou num buraco do qual emergiu sem gdes dificuldades, incólume. Ou quase, já q a placa dianteira saiu td detonada e teve se der remendada no carro mediante algumas gambearras emergenciais.

O negocio foi q a partir dali a estrada aparentou nivelar de vez, sem perder mais altitude alguma. O Rio Despraiado foi cada vez ficando mais longe, ate sumir de vez. No entanto, nossa rota beirava o sopé da enorme Serra do Bananal, bem a nossa direita. Mas tb não demorou pra deixar de sermos emparedados por montanhas e logo nos vimos numa larga e extensa planície, rodando sempre sentido sudoeste. Olhando pelo retrovisor víamos o recorte da enorme Serra do Itatins se destacando de td paisagem, emergindo por td horizonte, a nordeste. O numero de casas começou a aumentar, um pequeno bairro é transposto e pronto, final de estrada. Eram 16:30hrs e terminamos desembocando no asfalto da Rod. Prefeito Casemiro Teixeira (SP-222), q interliga Miracatu e Iguape. 

Tocamos então sentido Miracatu, bem mais próximo, pois ainda havia tempo e luz de sobra, sinal q dava pra curtir mais uma cachu. Em Miracatu apenas nos guiamos pelo emplacamento duma tal Cachu do Faú, situada no bairro do mesmo nome, ao norte, distante uns 20km do centro. A pequena cidade é ate q bem simpática e seu nome deriva do tupi, q significa “terra de gente boa”. Rodamos novamente por longas e extensas estradas de terra, perguntando aqui e ali a direção da cachu, ate q finalmente chegamos na dita cuja. Por sinal, tb se situa do lado da estrada, mas a sequencia de gdes quedas (6m a maior) e corredeiras realmente impressiona pelo volume considerável de agua, oriundas do Rio do Faú, q  por sua vez deságuam mais adiante no Rio São Lourenço. Como o dia já estava nos finalmentes, demos apenas um tchibum rápido no enorme poço ao sopé da ultima pequena queda e nos mandamos dali, de alma e corpo lavados.

Na sequencia mandamos ver um lanche no centro da simpática Miracatu e depois pegamos a estrada de volta pra Sampa, q por sinal estava com fluxo de veículos bem melhor q durante a ida. E assim transcorreu sem gdes percalços ou intercedências nossa breve incursão pela “Estrada do Despraiado”, roteiro q deve ser melhor apreciado realmente por praticantes de off-road ou cicloturistas mais radicais pelas caracteristicas intrínsecas da própria vereda em questão. No entanto, além de programa exigente (pro veiculo) e diferenciado (antropologicamente falando) a visita as quedas refrescantes do Rio Despraiado são mais q recomendadas pra qq um, seja trekker, biker ou “driver”, não apenas por se tratar dum programa fora do perímetro paulistano e sim pq qq boa cachu é mais q bem-vinda prum dia quente de verão. Ainda mais as pertencentes a esta charmosa e pitoresca região situada no setor norte do Vale do Ribeira, q carregam um valor cultural agregado adicional.


Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário