Entrevistamos Marcos Costa, brasileiro indicado ao Piolet D’or, a maior premiação do montanhismo mundial

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O escalador fluminense Marcos Costa foi uma grata surpresa na nomeação do badaladíssimo prêmio Piolet D’or deste ano de 2014. Morando no exterior há bastante tempo, Marcos é um montanhista polivalente, mas tem se destacado na China, onde mora atualmente, como um ótimo escalador de vias alpinas, conquistando rotas e fazendo montanhas virgens no Himalaia. Confira a entrevista que o AltaMontanha realizou com ele:

Quando saiu a indicação  do prêmio Piolet D’or, que é um tipo de “Oscar” do montanhismo mundial, o Brasil comemorou a nomeação de Flávio Daflon e Serginho Tartari por terem conquistado a via “Samba de Leão” no Fitz Roy. No entanto, outro brasileiro, ainda desconhecido, aparecia na lista e suscitava uma indagação: Quem é Marcos Costa?
 
Morando na China e ainda desconhecido no Brasil, Marcos foi uma grata surpresa, por ter sido nomeado após ter realizado duas escaladas alpinas em montanhas de altitude no Himalaia da China, o Eagle Peak e o Pico 5180. Realizando uma modalidade onde raramente algum brasileiro é destaque no mundo.
 
Descobrimos um pouco mais deste teresopolitano cosmopolita:
 
AltaMontanha: Marcos sua história ainda é pouco conhecida pela maioria dos escaladores brasileiros, conte um pouco sobre você
 
Marcos Costa: Eu nasci em Teresópolis, RJ e aprendi a escalar na Serra do Orgãos. Já venho escalando há 21 anos e pratico quase todas as modalidades do esporte. Escalada esportiva, escalada em móvel/tradicional, boulder, artificial/big wall, alpinismo e escalada em gelo. Eu moro fora do Brasil há muitos anos e ja morei nos Estados Unidos, Japão, Korea, Hong Kong e agora vivo na China.
 
AM: No começo você gostava bastante de escalar na Serra dos Órgãos, quais eram as suas montanhas favoritas? Você acha que o este montanhismo tropical, que praticamos no Brasil, o ajudou para mais tarde poder escalar montanhas de gelo no Himalaia?
 
MC: Eu adorava a Serra dos Orgãos, gosto de todas a montanhas mas acho que as favoritas são a Agulha do Diabo e o Dedo de Deus. A agulha é uma das montanhas menos acessíveis da área e por isso tem o seu dom de mistério e aventura. Por nenhum lugar da cidade ou na trilha (normal da pedra do sino) você consegue ver o tamanho real dela. Na trilha de aproximação da agulha quando se chega ao mirante, a vista é impressionante e vc consegue ver a Agulha do fundo do vale até o cume. O Dedo de Deus também é uma das minhas prediletas, pois é a marca da serra. O Dedo tem vias com todos os níveis de dificuldade. Conforme meu nível de escalada foi melhorando, fui capaz de apreciar partes diferentes dessa montanha maravilhosa. 
 
Eu acho que o montanhismo tropical pode ajudar muito na escalada das grandes montanhas. O fator psicológico da escalada faz uma grande parte da dificuldade do montanhismo. O alpinista deve se manter calmo e manter o controle da sua escalada mesmo em horas de alta tensão e risco. Claro que no montanhismo tropical  não se encontra gelo e altitudes extremas, mas se encontra escalada difícil e assustadora assim como nas grandes montanhas. Acho que a preparação da logística de uma escalada também transfere bem para as altas montanhas. O processo de decidir quanto de alimento trazer, que tipo de equipo, a duração da escalada etc.. é o mesmo, só que nas altas montanhas a duração do projeto pode ser maior. 
 
AM: Você morou na Califórnia ainda na década de 1990. Como foi esta experiência? Que tipo de escaladas fazia por lá e quais locais você frequentava?
 
MC: Eu aprendi a escalar o modo tradicional. Usando proteções móveis e naturais e escalando vias não muito difíceis. A meta era sempre a atingir o cume. Quando eu me mudei pra California meu irmão gêmeo (Mário) e eu começamos a escalar em um ginásio. A partir dai comecei a fazer mais boulder e escalada esportiva e a focar nas vias de dificuldades invés de escalar montanhas. Meu irmão era meu parceiro de escalada e ele sempre curtiu boulder em vez de escalada esportiva e por isso acabei escalando muito boulder quando estava na Califórnia.  Escalei muito em Joshua Tree, Buttermilks, Bishop. Escalada esportiva eu praticava muito em uma area perto de Los Angeles onde morava que se chamava Williamson Rock e também viajava muito pra Nevada pra escalar em Red Rocks, MT. Charlston e Mt. Clark (Conhecido agora por causa da via do Chris Sharma chamada Jumbo Love).
 
AM: Mais tarde você interrompeu sua escalada pelo trabalho e depois voltou a escalar novamente. Você acha que o trabalho pode mesmo atrapalhar uma carreira na montanha. Que dicas pode dar para as pessoas que não conseguem mais ter tempo para escalar e desejam voltar à atividade? 
 
MC: Eu acho que foi a tempo mais difícil pra minha escalada foi quando eu vivi no Japão. Eu era mais jovem e não tinha muito dinheiro. Lá tudo é muito caro e as montanhas são longe da cidade. Mas hoje em dia eu acho que se vc for um atleta realmente dedicado tem sempre tempo ou um lugar pra treinar. Hoje eu vivo em Xangai e quando não tenho tempo pra ir escalar no ginásio eu treino em casa em uma Hangboard. Acho também que hoje em dia existe muitos ginásios de escalada em quase todas grandes cidades e também existe muita informação sobre como treinar ou construir a sua própria parede de escalada na internet.
 
AM: Como foi que você foi parar na China? Há quanto tempo está morando aí?
 
MC: Eu estava morando no Rio antes de me mudar pra China. Eu tenho uma prima que estava estudando em Xangai e ela me convidou a vir pra cá. Como eu ja tinha morado quase 4 anos na Ásia (Japão, Korea e Hong Kong) eu achei que seria uma boa idea. Vai fazer 6 anos que eu moro aqui.
 
AM: Quais são os tipos de escalada que você tem realizado na China?
 
MC: Eu tenho escalado um pouco de tudo aqui na China. Quando me mudei eu estava focando mais em escalada esportiva e boulder. Viajei muito a Yangshuo que e o lugar mais famoso pra escalada esportiva na China. Também ajudei a desenvolver a escalada esportiva em varias áreas do país. O evento que teve mais mídia na parte de desenvolvimento da escalada esportiva foi a Petzl Roctrip em Getu River. Eu estava abrindo vias na área e foi assim que conheci o Erwan Le Lann que é o organizador do evento. Nos últimos 3 anos tenho focado mais em alpinismo. Acho que a China é um dos países onde se encontra o maior numero de montanhas virgens entre 5000-6000 mil metros de altura. O que é perfeito pra escaldas técnicas de rocha e gelo. O meu ano é mais ou menos assim: Verão -Escalada esportiva, Outono-alpinismo em vias de rocha, Inverno-Escalada em gelo, Drytooling e alpinismo misto, Primavera-Treino no ginásio e escalada tradicional(Trad climbing).
 
AM: Como surgiu a idéia de conquistar novas rotas no Eagle Peak e no Peak 5180? Como conheceu a região e estas montanhas?
 
MC: Eu fui pra este vale que se chama ShuangQiaoGou (vale de duas pontes) pra escalar gelo. E um local bem famoso pra escalar no gelo. Este vale tem umas das maiores concentrações de (ice falls) no mundo. Acho que so não tem mais do que na Noruega.  As cachoeiras de gelo são bem acessíveis e as caminhas curtas entre 5-20 minutos. Foi eu umas dessas visitas pra escalar em gelo que eu comecei a perguntar a os escaladores da area se alguém já tinha escalado as montanhas da area. Eu aprendi que mais da metade das montanhas eram virgens e que mesmo as montanhas que foram escaladas só foram escaladas uma vez!  A face Oeste do Eagle Peak me impressionou na primeira vez que eu a vi. Então procurei mais informações no American Alpine Journal e vi que o Eagle Peak foi escalado uma vez mas somente pelo face Leste, que e bem mais curta. A face Oeste (que eu escalei) começa 300 metros mais baixo. O Peak 5180 foi uma decisão de ultimo minuto. Quando escalei o Eagle eu vi uma linha perfeita e que não seria muito difícil no Peak 5180. Como eu estava escalando sozinho e o Peak 5180 era virgem, eu achei que se escalasse bem rápido eu seria capaz de escalar, fazer o cume e descer antes do sol alcançar a face da via. (muito importante pra evitar avalanche nesta area especialmente no Outono) Entao 3 dias depois de ter escalado o Eagle Peak levando somente parafusos de gelo e Crampons consegui escalar o Peak 5180 em 3 horas cobrindo 580 metros verticais. 
 
AM: Como ficou sabendo que seu nome foi indicado ao Piolet D’Or? Qual foi sua reação e de seus colegas?
 
MC: Eu estava em diferentes expedições escalando durante todo o inverno e não abri o meu email ou acessei a internet por um bom tempo. Quando voltei pra casa no fim de fevereiro e vi a lista dos indicados na internet no site alpinist.com e vi que meu nome estava lá. Eu não acreditei porque eu acho que ser indicado é uma grande honra e porque o nível das indicações são bem altas. Os meu amigos que escalam somente rocha não sabiam nem o que era o Piolet D’Or. O meu parceiro de escalada Bruce Normand já foi nomeado algumas vezes e foi o vencedor do prêmio uma vez. Ele me disse que na próxima vez é para vencer e não apenas ser nomeado. 
 
AM: Quais são seus próximos projetos? Pretende continuar vivendo e escalando na China ou tem alguma pretensão de regressar ao Brasil?
 
MC: Eu pretendo continuar vivendo na China. Eu quero ver se consigo escalar muitas montanhas virgens entre 5000 e 6000 mil metros aqui. Ano que vem eu gostaria de visitar o Charakuasa Valley no Paquistão. Também gostaria de melhorar meu nível de escalda em “Dry tooling”. Este ano eu abri duas vias de nível M11 que sao as mais difíceis da China no momento. Gostaria muito de escalar M13 neste inverno!
 
AM: De todos os locais que já viveu e escalou, qual deles é o mais especial para você e por que?
 
MC: Acho que tem muitos lugares maravilhosos pra escalar no mundo. A Patagonia com certeza e um dos meus favoritos, mas eu acho que meu coração está na China no momento. A quantidade de montanhas que existe aqui é incrível. Gostaria muito fazer parte da evolução e estória da escalada aqui.
 
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Texto publicado pela própria redação do Portal.

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