Muito tempo passou desde a tentativa passada de chegar ao Pico do Gigante em Maio de 2012. O tempo foi passando, as ideias amadurecendo, as informações foram sendo juntadas e, com essa montanha/travessia entalada na garganta, agora em Abril de 2015 foi a hora de chamar dois amigos para uma boa roubada e pegar estrada.
Dia 1
Sendo assim, no dia 17 de Abril, véspera do final de semana prolongado por causa do feriado, busquei o Jonas em sua casa, o Lucas no metrô e logo pegamos estrada rumo Itatiaia. A viagem foi tranquila, conseguindo fugir do trânsito e, após uma pausa para jantar em Itatiaia, por volta das 21h estávamos na Pousada Caram, na Serrinha, onde fomos recebidos pelo seu dono, o Guilherme Caram.
Após um bom tempo de bate-papo e com seu aval, estacionamos o carro, colocamos as mochilas nas costas e por volta das 22h começamos a trilha que leva ao Pico do Gigante. O começo da trilha às vezes confunde por causa das bifurcações mas aos poucos fomos seguindo, nos achando e seguindo cada vez mais para cima. Mesmo com uma trilha no GPS, às vezes nos perdíamos devido a trilha fechar (principalmente por causa de árvores caídas) e então, depois de tentar e tentar diversas vezes reencontrar a trilha após uma grande árvore tombada, decidimos procurar um local para o bivac e prosseguir no dia seguinte, principalmente porque já era mais de 1h da madrugada.
Sem perder muito tempo achamos, ao lado da trilha, uma área um pouco mais aberta, abrimos nossos isolantes, sacos de dormir e desmaiamos em uma merecida e curta noite de sono.
Dia 2
No dia seguinte, 18/04, acordamos por volta das 6h, comemos algo light, guardamos as coisas e às 6h30 começamos a caminhada, desta vez conseguindo achar o caminho por cima/dentro/lado/embaixo da árvore tombada e reencontrando a trilha. Em cerca de 1h estávamos parados, agora para o café da manhã de verdade, próximos ao último ponto de água da subida, onde ficamos mais de 1h.
De volta a subida fomos seguindo a trilha, que acaba sendo melhor que na parte mais baixa por não ter bifurcações, passamos por um trecho mais exposto onde além de vermos uma jararaca, o Lucas levou uma queda e eu derrubei minha mochila (tendo que ser resgatada no barranco) enquanto tentava ajudar na subida. Isso foi bom para nos deixar mais espertos e não bobear naquele local.
Logo na sequência chegamos na chaminé, correntes e continuamos a subida, cada vez mais podendo observar a paisagem ao lado. Algum tempo se passou e chegamos também à Gruta, onde perdemos um bom tempo tentando achar o caminho para atravessar e prosseguir.
Continuamos subindo, chegamos a umas lajes de pedra e, com o final da tarde se aproximando, assim que achamos um local bom para bivac paramos, isso por volta das 17h15. Com o final do dia se aproximando aproveitei para algumas fotos e logo em seguida preparar meu jantar e dormir.
Dia 3
No nosso 3º dia acordamos, tomamos café, colocamos as mochilas nas costas e às 7h20 começamos a caminhar. O começo foi bem tranquilo passando por trilha razoavelmente bem aberta e pulando pedras até que empacamos MUITO. No dia anterior, no final da tarde, eu tinha explorado um pouco o que seria a continuação da trilha mas não me lembrava bem e, devido ao cansaço do dia anterior, achava que tinha ido mais longe do que realmente tinha ido. Assim, depois de muito procurar, procurar, ir, voltar, ir novamente, procurar mais perdemos muito tempo e só encontramos, ou melhor, resolvemos abrir a trilha, perto das 10h da manhã, quando atravessamos uma canaleta de bambus, seguimos por uma crista de rocha, atravessamos novamente a canaleta de volta e ai começamos a subir na encosta entre os mais bambus e a rocha.
Felizmente estávamos no caminho certo e, mesmo tendo que abrir a trilha em diversos pontos, aos poucos progredimos e chegamos à crista do Pico do Gigante, quando o seu cume se encontrava a menos de 50 metros de nós. De lá uma simples caminhada por rochas e, às 12h30, estávamos em seu cume.
No cume uma longa pausa para ver os relatos de cume (a montanha foi conquistada em 1956!), deixar nossas assinaturas no livro de cume e, claro, lembrar de quando o Parofes e eu estivemos a menos de 1km dessa montanha, sem conseguir progredir.
Ficamos por lá observando, quando as nuvens deixavam, o Pico do Ovo e 3 Picos de Itatiaia de um lado e, do outro, o planalto do PNI até que seguimos nosso caminho, pela crista e, assim que vimos um totem começamos a descer rumo ao vale.
Este trecho não tem trilha aberta e fomos seguindo um track de GPS apenas para ter alguma referência de direção (para baixo e pra direita). Fomos descendo abrindo caminho metro a metro até que, quase às 16h, chegamos em uma nascente embaixo de algumas pedras. Lá, sem saber que teríamos água na sequência, enchemos nossos reservatórios e, felizes por termos água (já estávamos começando a economizar e a coletar água de bromélias) seguimos descendo, muitas vezes pelo próprio leito do rio.
Ao chegar no colo entre o Gigante e o Ovo nos deparamos com uma selva de bambus. Tentamos diversas vezes procurar um caminho "menos pior" e, sem sucesso, já no escuro, decidimos parar, dormir e seguir no dia seguinte. Bivacamos ao lado do riacho, em um dos piores lugares que dormi até hoje (úmido, pequeno e torto), já por volta das 20h. Lá um jantar e uma curta noite se sono mal dormido e com o psicológico abalado.
Dia 4
No 4º dia em meio à mata, dia 20 de Abril, acordamos, tomamos café e, com o ânimo de completar a travessia circulando novamente pelo sangue, por volta das 7h30 começamos a caminhar. Sabendo do que havíamos encontrado no dia anterior (a selva de bambus) e que não haveria um caminho "bom", olhamos no GPS a direção que devíamos seguir e assumimos literalmente que a menor distância entre dois pontos é uma reta. O Jonas e eu fomos alternando a frente, abrindo a trilha entre os bambus metro a metro e sempre definindo pequenas metas, como "chegar naquela árvore", que estava a uns 20 metros de nós (pensar em atravessar a selva inteira era muito distante e estressante).
Fomos seguindo, seguindo, seguindo e seguindo por um trecho que não acabava nunca até que, de repente, quando o colo acaba e chegamos na encosta do Pico do Ovo, encontramos uma trilha bem aberta e pra cima. Fomos a seguindo, em poucos trechos ela nos confundia (em meio à pedras e já quase na crista) mas logo chegamos na crista final que leva ao cume do Pico do Ovo.
Com as mochilas deixadas para trás (voltaríamos por esse trecho) o Jonas e eu seguimos até chegar perto do cume, em uma crista lateral, vendo o cume na nossa esquerda. Descemos um pouco, subimos outra pedra e então chegamos ao lado co cume principal. De lá uma chaminé para baixo apoiando em uma pedra grande que balançava (não tinha como não lembrar do Aaron Ralston), passar por baixo de uma pedra se arrastando, saltar um outro precipício e ai sim, chegar na base da pedra principal, onde tem algumas placas. De lá, uma escaladinha solo de 3º grau mas E5 até o cume, onde existe um grampo P para ajudar na descida.
Chegamos no cume por volta das 11h10 e enquanto fazíamos diversas fotos olhávamos o Pico do Gigante imponente ao nosso lado e os 3 Picos de Itatiaia para o outro, bem abaixo, o que nesse ponto passava a ser nossa próxima meta.
Às 11h30 saímos do cume (em uma desescalada simples mas MUITO tensa), nos encontramos com o Lucas, pegamos mais abaixo as mochilas e seguimos nossa descida. O começo da trila confunde um pouco, tendo que descer um trecho de pedra que não tínhamos certeza se era por ali (mas ao tentar contornar vimos que era a única opção) e logo vai melhorando. Um grupo havia aberto essa trilha.
Mesmo com a trilha reaberta ano passado, em diversos trechos ela fechava, principalmente por causa dos bambus, que crescem muito rápido. Assim, fomos descendo e dando uma manutenção quando possível e, quanto mais para baixo íamos, melhor a trilha ficava. Em um trecho que a trilha vira 90 graus para a direita nos perdemos um pouco mas, depois de perceber que era uma árvore que havia tombado, conseguimos achar o caminho e novamente a deixar aberta para os próximos que passarem por lá.
Fomos seguindo, seguindo, seguindo, felizes por termos passado os "cruxes" da travessia e já com o nome/homenagem da travessia definido: "travessia Davi-Parofes". Nada como homenagear dois amigos casca grossa com uma travessia também casca grossa!
Aos poucos a trilha passa a seguir por um lindo bosque e, seguindo as marcações em árvores logo chegamos à cachoeira dos 3 Picos de Itatiaia, isso quase às 17h30.
Mortos de cansaço pegamos um pouco de água e, com o que restava de energia, subimos pela trilha bem aberta até o cume dos 3 Picos onde pudemos jantar e bivacar em um ótimo lugar.
Dia 5
No dia 21 de Abril, feriado, acordamos sem muita pressa, tomamos nosso café da manhã, arrumamos as coisas e às 8h começamos a descida, chegando na cachoeira às 8h40. De lá mais trilha aberta e às 10h estávamos na saída da trilha, onde era a piscina do antigo Hotel Simon (hoje abandonado).
Felizes com o projeto concluído (acreditamos que fomos o primeiro grupo a ter "encadenado" esses trechos fazendo com que se torne uma travessia) agora nossa preocupação era como ir de volta à Serrinha para resgatar o carro. Fomos descendo pela estrada e então paramos na casa Gaia, onde já fiquei algumas vezes com alguns amigos e lá encontramos o Gibby, que mora no local. Enquanto relaxávamos um pouco na grama e ao Sol o Gibby conseguiu um taxista para nos resgatar e levar de volta ao carro.
Saímos da casa às 11h15 e às 12h35 estávamos de volta à pousada Caram, onde encontramos o Guilherme e contamos que tudo tinha corrido como esperado (o Guilherme foi super atencioso. Inclusive, diversas vezes o Lucas e o Jonas trocaram mensagens com ele perguntando se tudo estava ok conosco durante a travessia).
Depois de um bom tempo de bate papo colocamos tudo no porta-malas, fechamos nossa conta do "estacionamento" e, às 13h começamos a descer. Na volta, destruídos fisicamente mas com a sensação de "dever cumprido", pausas apenas para o merecido almoço, combustível e lá pelas 18h estávamos em São Paulo.
FIM
Agradeço aos parceiros de roubada (Lucas e Jonas), às pessoas que colaboraram com informações e tracks para que essa travessia fosse possível (Claudia Bessa e Guilherme Caram) e a todas pessoas que, aos poucos, foram abrindo os trechos de trilha, fazendo com que conseguíssemos reabrir um trecho intermediário e completar essa travessia. Esperamos que mais grupos encarem este desafio de modo a não deixar com que ela feche mais uma vez.
O track desta travessia pode ser baixado no Wikiloc: pt.wikiloc.com/wikiloc/view.do?id=9455028.
Algumas fotos da travessia podem ser vistas no link Travessia Davi-Parofes.
Dedico esta travessia ao Davi Marski e ao grande Parofes, parceiro que devia estar fisicamente comigo nessa travessia mas infelizmente não pode, indo somente na minha memória.