Uma Pirâmide na Serra do Mar: O Pico Ferraria

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“Como as boas excursões, esta teve uma longa história. Há vários anos escutávamos o Vitamina comentar: “Ferraria? Isto é com vocês”. Referia-se a algum passeio que supostamente alguém do CUME fizera ao Ferraria, em tempos imemoriais.

Intrigado com este comentários, o Ettore resolveu investigar que bendito passeio foi esse. Chegou ao Roberto Abie, um dos fundadores do CUME (1), que por três vezes lançara-se ao Ferraria, sendo apenas uma com sucesso. Chegou, mas não viu nada porque estava chovendo.

O impulso final para o passeio veio a convite do Paulo Marinho. Infelizmente não foi possível acompanha-lo na data que pretendia ir. Ou melhor, felizmente, pois como soubemos depois, sua investida não deu certo. Mas ajudou-nos, porque o Paulo deu-nos dicas sobre o que fazer e o que não fazer. Pegamos as informações complementares com o Vita e, mais importante, o telefone do Evandro, expert em Ferraria, oito subidas até então. Após alguns contatos, o Evandro dispôs-se a acompanhar-nos na excursão acertada para o final da semana seguinte.

O dia “D” amanheceu com sol e céu promissores. Na kombi, os aventureiros éramos o Ettore, Adriano, Tiepo, Nicolas, Rafael, Cava e eu. Encontramos o Evandro e o Nilton no terminal Guadalupe e partimos.

Fora a panela que o Evandro cismou comprar num boteco de beira de estrada, não ocorreu nada de extraordinário até a entrada da fazenda do Hermínio Malatesta. Aí o primeiro problema: não queriam deixar-nos passar. Com um pouco de lábia, o Evandro convenceu o garotinho que nos atendeu. Foi buscar a chave, voltou e jhá ia abrindo o portão quando alguém mencionou os rapazes que vieram na semana anterior. Pronto, no mesmo instante o guri guardou as chaves e então não teve jeito. Tivemos que passar na ignorância, pulando o portão.

O primeiro susto foram os rotvillers latindo desesperadamente ao nosso lado. Mas estavam presos e não assustaram tanto. Pior foi um outro que gozava de maior liberdade. Porém, a dica do Rafael de andarmos todos juntos, o bicho não avançou. Passado o cachorro, outro guri nos interceptou: “O gerente da fazenda quer falar com vocês”. Mais pepino, pensamos. Mas não houve nada. O gerente, Hamilton, só nos avisou que os aventureiros da semana anterior haviam esquecido um portão aberto e quase perdera três reses por isso. Devidamente avisados tomamos todas as precauções.

A caminhada foi tranqüila e bem mais suave do que eu imaginara a princípio. Chegamos a uma torre de alta tensão, de onde podíamos desfrutar da visão de nosso objetivo; o Ferraria. Após algumas fotos, seguimos pela Trilha da Conceição (2) até desembocarmos num riachinho, onde almoçamos. Então, começou o desafio; sem trilhas, sem referencias, só a sensibilidade e experiência de nosso guia. De qualquer forma, andar no córregozinho e escalar alguns saltos foi delicioso.

A hora de sair do riozinho não é muito clara. A trilha que vem depois, mais obscura ainda. Aliás falar que há trilha ali é forçar a barra. Mas o guia, sempre com pulso firme, não se perdeu. Na dúvida à esquerda, dizia para os afoitos que iam na frente. E para os de trás não desanimarem; “Tudo é aventura”.

A parte final da subida, a subida da pirâmide, foi a mais puxada. Mas a vontade de chegar era tanta que nem reparamos no cansaço. Valeu a pena. A visão do topo é deslumbrante. À nossa frente, o maciço do PP (Pico Paraná), à direita o Caratuva em toda sua imponência e o Ciririca, o Agudo da Cotia. Enfim ficar enumerando nome de picos aqui seria muito chato e tiraria toda a beleza da paisagem que só se pode admirar lá.

Todos no topo, folheamos o caderninho das conquistas, instalado lá pelo Evandro em 1990. Nesses sete anos éramos o sétimo grupo a atingir o cume. A última expedição havia sido há um ano e dois meses. Por ser um lugar pouco explorado, o sabor da conquista aumentou. Deixamos nossos recados no caderno.

Enquanto admirávamos o cenário, alguém mais realista mostrou que se aproximavam nuvens carregadas. Assim, começamos a armar as barracas. Não foi fácilç arranjar lugar para todos, a do Rafael, por exemplo, foi armada numa encosta.

Dentro das barracas preparamo-nos para a chuva que acabou não vindo. É curioso; víamos relâmpagos e escutávamos trovões por toda a parte, mas no cume nem uma gota. De fato parecia tudo preparado para nós.

O pôr do sol foi outro espetáculo à parte que, sozinho justificaria o passeio. A noite nos trouxe outras surpresas; o capeletti do Evandro (ainda bem que ele comprou a panela), os relâmpagos brilhando no céu, as luzes de Antinina, Paranaguá, Curitiba, Guaraqueçaba e as piadas do Adriano (se bem que estas eram mais para chorar).

Levantei antes do nascer do sol. Outros com sono mais pesado e com um resto de ressaca do capeletti, demoraram mais. Mas antes das nove horas as barracas estavam recolhidas e tudo pronto para a volta.

O retorno foi fácil. Descemos a pirâmide, entramos no riacho e após caminhar uma hora saímos na trilha da Conceição (2), onde liquidamos o que sobrara de comida. Tudo então transcorreu perfeitamente bem até chegarmos a BR 116, quando caiu uma chuva que valeu por tudo que não chovera na montanha. Conscientizamo-nos então, que chegávamos a Curitiba.

Caros leitores desculpe-me a extensão do artigo; acho que desta vez exagerei. Mas não houve como dar uma pálida noção da aventura com menos palavras. De qualquer forma, a quem tiver tido paciência de ler até o final, espero que partilhe do que pudemos apreciar”,

 

O relato de Bruno Fernandes – CUME, Clube Universitário de Montanhismo e Excursões.
Publicado na Gazeta do Povo, 8 e 15 de março de 1997
Protagonistas: Ettore, Adriano, Tiepo, Nicolas, Rafael, Bruno Fernandes, Evandro e o Nilton.
Locais visitados: Sítio do Hermínio Malatesta, Sítio do João de Abreu, Picada do Cristóvão e Pico Ferraria.
Data da aventura: 1997
Referencias explicativas:
          (1) Clube Universitário de Montanhismo e Excursões.
         (2) Na realidade Picada do Cristóvão que ao pé da serra cruza com a Estrada da Conceição.
 
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Sobre o autor

VITAMINA – Henrique Paulo Schmidlin Como outros jovens da geração alemã de Curitiba dos anos de 1940, Henrique Paulo foi conhecer o Marumbi, escalou, e voltou uma, duas, muitas vezes. Tornou-se um dos mais completos escaladores das montanhas paranaenses. Alinhou-se entre os melhores escaladores de rocha de sua época e participou da abertura de vias que se tornaram clássicas, como a Passagem Oeste do Abrolhos e a Fenda Y, a primeira grande parede da face norte da Esfinge, cuja dificuldade técnica é respeitada ainda hoje, mesmo com emprego de modernos equipamentos. É dono de imenso currículo de primeiras chegadas em montanhas de nossas serras. De espírito inventivo, desenvolveu ferramentas, mochilas, sacos de dormir. Confeccionou suas próprias roupas para varar mata fechada, em lona grossa e forte, cheia de bolsos estratégicos para bússola, cadernetas, etc. Criou e incentivou várias modalidades esportivas serranas, destacando-se as provas Corrida Marumbi Morretes, Marumbi Orienteering, Corridas de Caiaques e Botes no Nhundiaquara, entre outras. Pratica vôo livre, paraglider. É uma fonte de referências. Aventureiro inveterado, viaja sempre com um caderninho na mão, onde anota e faz croquis detalhados. Documenta suas viagens e depois as encaderna meticulosamente. Dentro da tradição marumbinista foi batizado por Vitamina, por estar sempre roendo cenoura e outros energéticos naturais. É dono de grande resistência física e grande companheiro de aventuras serranas. Henrique Paulo Schmidlin nasceu em 7 de outubro de 1930, é advogado e por mais de uma década foi Curador do Patrimônio Natural do Paraná. Pela soma de sua biografia e personalidade, fundiu-se ao cargo, tornando-se ele próprio patrimônio do Estado, que lhe concedeu o título de Cidadão Benemérito do Paraná.

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