Possuindo muitos rios e uma topografia acidentada que a diferencia do relevo horizontal predominante no Norte Paranaense, Faxinal é um município a 100km de Londrina que ainda se beneficia pela grande quantidade de cachus que ostenta (mais de 70!). Uma delas é o Salto São Pedro, de 125m de altura, que foi o nosso destino dum final de semana bem tranquilo. Sim, situada em propriedade particular, o dono soube capitalizar de forma consciente e responsável este belo atrativo da região, disponibilizando pro visitante uma infra-estrutura que deixa muito parque nacional no chinelo. E muitas e muitas trilhas.
Fazia tempo que devia visita a Faxinal, pacato vilarejo que não pisava desde meados de 2015 após um inesquecível acampamento próximo ao Salto da Fonte. A oportunidade de voltar á “Capital do Tomate” surgiu novamente meados deste ano, aproveitando assim a longa temporada invernal de tempo seco que se debruçava sobre o Terceiro Planalto Paranaense. As meninas, a Lau e Elenice, a tempo também comentavam comigo que desejavam revisitar o “Camping Luar de Agosto”, situado nos arredores da cidade. Aliás, um lugar que as encantara trocentos anos atrás e diziam pra mim ser “incrível!”, segundo elas. Pronto, juntou a fome com vontade de comer e lá fomos nós.
Partimos sem pressa de Londrina, pouco depois das 10hrs, e assim tomamos o asfalto da PR-445 sempre na direção sul. Aquele dia começara limpo e sem nebulosidade alguma, isto é, bastante promissor. A janela do veiculo emoldurava o azul límpido do firmamento dividindo a horizontalidade ocre dos onipresentes campos de soja, trigo, milho e café a nossa volta, num espetáculo recorrente do Norte Pioneiro. Somente após o entroncamento de acesso a PRT-272, após Tamarana e Mauá da Serra, foi que a direção mudou pra sudoeste. Da mesma forma, o tom ocre deu lugar ao verde típico de vales, bosques e reflorestamentos, assim como a outrora horizontalidade mutava pra um terreno bem mais acidentado, lembrando nossa proximidade do sopé da Serra do Cadeado.
Chegamos em Faxinal lá pelas 13hr e seguindo um croquizinho (previamente feito por este que vos fala), fui guiando a motora Elenice no miolo da minúscula cidade. Faxinal é um lugarejo horizontal, praticamente sem edifícios, que sobrevive de agricultura de tomate e de grãos. Somente de uma década pra cá que a cidade deu atenção ao alto potencial do turismo de aventura aproveitando seu potencial hídrico, mas ainda assim é um turismo incipiente.
Sempre pro sul, cruzamos a cidade quase num piscar de olhos, sempre acompanhando a sinalização indicando “Lago Saracura”, um dos atrativos locais que consiste num enorme espelho d’água que serve de área de lazer. No entanto, ao passar pelo mesmo o que vimos foi um enorme buraco seco com poucos vestígios de água, o que nos chamou atenção. Depois tomamos conhecimento que além da longa estiagem da região, o lago foi esvaziado deliberadamente pra ser realizadas obras de readequação do mesmo.
Depois do lago, ainda pro sul, é que surge finalmente sinalização indicando sentido do “Luar de Agosto”, que nos faz tomar uma saída pela direita, agora tocando pra oeste por trepidante estrada de paralelepípedos. Deixando a cidade pra trás e cruzando uma vasta área de cultivos, finalmente chegamos na entrada do camping, que por sinal fica bem na beirada do desfiladeiro. Dali em diante segue uma descida tão íngreme quanto vertiginosa, em curtos ziguezagues, onde se perde rapidamente quase 300m pela encosta do penhasco. A vista impressiona, uma vez que se percebe que o camping fica no fundo do vale, quase emparedado por altas montanhas que vão se afunilando pro norte.
Chegamos no camping, que oficialmente leva o nome de “Hotel Fazenda Luar de Agosto”, as 13:40hr. O lugar lembra muito a Faz. do Dilson (PR) ou o antigo Alsene (SP), só que muito mais estruturado. Ali, bem no miolo, está o rústico restaurante que funciona de administração e tudo mais. Lá nos informamos com a simpática atendente, a Regiane, das trilhas e tudo mais que o lugar oferece, além de nos contar do lugar, que existe a 16 anos. O proprietário dos 50 alqueires banhados pelo Rio São Pedro foi o primeiro empreendedor de ecoturismo em Faxinal e atualmente não só disponibiliza camping e chalés aos visitantes, como também atividades diversas, como arvorismo, rapel, boia-cross, hidromassagem, banhos de argila, etc. “Em breve haverá tirolesa!”, diz ela, sem esconder que serviu de cobaia pro teste do novo atrativo.
Deixamos então o veiculo num dos vários locais pra camping disponíveis, mas a gente optou por ficar não muito longe do restaurante, pertinho do rio, mas um lugar bem reservado, cercado de árvores. Na verdade, por ser inverno havia pouca gente, o que contribuiu pra encontrar aquele lugar vazio. No verão acredito que o “Luar de Agosto” deva bombar de gente e a muvuca se torne até meio que insuportável. Ótimo gramado pra montar barraca, com luz, pia, banheiros bem rústicos e até locais pra fazer uma “fogueira ecológica”, ou seja, um buraco no chão cercado duma pequena muretinha. Sim, a preocupação e respeito ao meio ambiente ditam as normas dali. A que mais gostei foi a de ver escancarado logo na entrada “Proibido som alto”.
Arrumamos as mochilas e nos pirulitamos pra trilha mais famosa dali, a “Beira Rio”, pois ela acompanha o curso do córrego São Pedro e dá no ilustre salto que leva seu nome. Tudo bem sinalizado, bastou tomar a precária estradinha de chão que parte do restaurante e toca pro norte. Não tem erro. No caminho se passa pelo bucólico “Laguinho Açaí”, a “Casa verde” e simpáticos chalés. Sim, boa parte das atrações dali tem nomes pitorescos. O caminho só abandona a estrada e penetra na mata depois da “Fonte da Juventude”, uma breve picada que leva até uma pequena cascatinha. Existe a possibilidade de seguir ao salto pela estrada de chão, uma vez que ela e a picada se reencontram bem mais adiante. Mas a gente optou por seguir margeando o rio, no frescor da mata, ao monótono trajeto da estrada, pois o trajeto dela bordeja a encosta desnuda do vale, além de ser bem exposta ao sol que naquele horário fritava miolos.
Pois bem, a vereda mergulhou na mata e logo passou a acompanhar o manso Rio São Pedro, cujo marulhar era ouvido de longe. Ali o curso d’água corre bem tranquilo, relativamente raso e com muitas pedras aflorando á superfície, mas conforme avança vale adentro as águas se tornam mais furiosas e fundas. Havia uma rústica ponte pênsil no caminho, que leva á outra margem, mas dela falarei mais tarde pois a mesma faz parte do percurso do dia seguinte. E assim fomos então avançando sem pressa, apreciando a vista do vale que mudava a cada curva de rio vencida, assim como se afunilava de forma imperceptível.
Seguimos então pela picada até um lugar chamado “Fonte Colorida”, onde as águas do São Pedro se represavam na base de uma cascatinha formando um belo piscinão que brilhava ao sol da tarde, por sua vez filtrado pela copa do arvoredo. Dali a vereda abandona o rio, sai da mata, cruza o pasto e reencontra a da estrada de chão. Ali se juntam, cruzam uma porteira e entram na definitiva “Trilha da Cachoeira”, que novamente penetra na mata fechada. Logo de cara se passa pela “Cascata da Meditação”, que na verdade lembra uma pia natureba, e prossegue vale adentro com o rio se aproximando do caminho cada vez mais, sempre pro norte.
Com o vale se estreitando cada vez mais, a trilha tem um pequeno desvio pra esquerda que leva ao leito pedregoso onde está o “Saltinho Luar de Agosto” e a “Poltrona dos Desejos”. O primeiro é outra piscina na base de uma cascata de cerca de dois metros, e o segundo é uma rocha peculiar que a força das águas lapidou de forma a parecer um assento. As meninas viram semelhança mas eu não, no entanto a vista de quem sentasse ali era particularmente divina, uma vez que dali se tem o primeiro contato visual com o Salto São Pedro. E saindo dali tem outro desvio pra direita, que leva á “Capela de Pedra”, que nada mais é uma pequena gruta onde está alocada uma imagem de Nossa Sra Aparecida.
Seguindo adiante a vereda emerge da mata e chega no primeiro mirante do salto, onde uma mureta de pedras serve de belvedere natureba. Ali se avista o majestoso véu alvo d’água riscando o vértice rochoso do vale, despencando de 125m até a base da queda num som ensurdecedor. O borrifo d’água chegava até onde estávamos, e olha que ainda tínhamos 100m até a base propriamente dita da queda. Depois de muitas fotos seguimos o restante da trilha até o final do desfiladeiro, agora com cuidado pois tava tudo encharcado pelo “spray d’água” promovido pelo salto. Mas que vista, uma vez que o volume d’água despencando é impressionante! Parecia um anfiteatro de basalto, orquestrando a sinfonia hídrica promovida pela enorme cachoeira!
Eu e a Lau então cruzamos um pontilhão á outra margem, e passamos a subir cautelosamente os degraus de rocha até ficar literalmente do lado da queda, trecho este que a Elenice dispensou. Logicamente que saímos dali totalmente encharcados, mas valeu muito a pena pois dali tínhamos uma visão do vale a partir daquele espetáculo da natureza! Pausa pra mais fotos, claro. Depois retornamos ao encontro da nossa amiga, damos uma ultima olhada por sobre o ombro daquela bela queda e começamos então a empreender o caminho de volta, que depois se deu pela estrada de chão mesmo por ser mais rápido. Em tempo, desta vez não teve “tchibum” pois priorizamos os quase 3kms acidentados de visita a queda em tempo hábil, com luz natural. A experiência nos calçou que ali naquele estreito vale escureceria bem antes da hora, ainda mais nos dias curtos de inverno. Os banhos refrescantes deixamos pro dia seguinte, claro.
Retornamos ao lugar de acampamento no final da tarde, quando o sol caia lentamente atrás das montanhas a oeste e quando os mosquitos endoideceram atrás de sangue fresco. Montamos as barracas e pusemos os fogareiros pra trabalhar assim que a escuridão se debruçou sobre o vale. Enquanto as meninas cozinhavam coube a este que vos escreve fazer a tradicional fogueirinha pra aquecer os ânimos, uma vez que a temperatura despencou juntamente com o sol. O macarrão com nacos de calabresa que brotou da panela nunca esteve tão delicioso, tanto que o cheiro atraiu um pulguento do camping. “Só faltou o marshmallow!”, comentou a Lau. E pra rebater a comida, nada melhor que vinho e cerveja. Sim, tínhamos um isopor cheio no carro, numa visível e assumida demonstração de “camping Nutella”. Afinal, também somos “filhos de Deus”. Nos recolhemos a nossas barracas pouco depois das 21hrs e rapidamente caímos no sono, sob um céu coalhado de estrelas e embalados no som hipnótico do rio ao nosso lado.
Levantamos a manhã seguinte mais dispostos e revigorados, pouco depois das 7:30hr. Felizmente todos haviam tido uma boa noite de sono, apesar do friozinho gostoso que tomou conta da madrugada. O sol surgia lentamente por cima da serra, evaporando o fino sereno depositado no sobre teto das barracas e no gramado. Tomamos nosso farto desjejum regado a café com leite, onde um farto “self-service” improvisado numa canga estendida oferecia, chocolates, frutas, sanduíches e bolachas. A seguir preparamos as mochilas pra dar inicio á chinelada daquele dia, que se daria por outro setor do vale. Alonga aqui, estica ali e vamos que vamos!
Das barracas cruzamos um brejo por uma pequena ponte pênsil que, servindo de atalho, nos deixou no restaurante. Dali rumamos na direção sul, cruzando outro setor de camping onde havia alguns gatos pingados, passando por uma ponte sobre o Rio São Pedro e que logo nos deixou num lugar de acampamento mais rústico e afastado, situado num amplo descampado ao lado do “Lago da Lua”, um belo espelho d’água que refletia o céu azul daquele dia. Pés de limão cravo abundam por todo gramado, e não perdemos a oportunidade de pegar alguns exemplares do fruto pra levar como lanche no rolê matinal.
Pois bem, dali nasce a segunda grande picada do “Luar de Agosto” e que leva a outros atrativos daquele quadrante, setor alocado nas íngremes encostas do vale do Rio São Pedro. A vereda começa margeando o supracitado curso d’água pela margem esquerda, ganhando altura de forma quase imperceptível, mas sempre envolta em verdejante e espessa mata ciliar. O caminho emerge num breve trecho descampado, permitindo bela vista do vale, camping e tudo mais. Aqui existe um lugar pra “banho de argila”. Claro que ninguém se animou a testar o borbulhante lamaçal e assim prosseguimos nossa jornada subindo a encosta da serra na diagonal, novamente no frescor da mata.
Caminhando sem pressa em nível durante um bom tempo, pro norte, se alcança outro atrativo do trajeto, o “Mirante da Árvore”. Ele consiste numa rústica plataforma de madeira alocada numa grande figueira, por sua vez á beira de um penhasco, onde cabem apenas 3 pessoas bem apertadas. Pitoresco feito “casa do Tarzã” e de altura considerável, o lugar oferece uma vista privilegiada do Salto São Pedro, cujo véu alvo reluz ao sol daquela manhã. A caminhada então prossegue sem muita variação de altitude até dar numa trifurcação bem sinalizada. A gente tomou a que vai pro “Mirante da Serra”, claro.
A vereda então ganhou novamente altitude na íngreme encosta na direção oeste, pra depois fazer um ziguezague pro sul, subindo agora de forma suave. O caminho cruzou túneis de bambus e muita mata agreste e espinhenta, até finalmente sair da floresta até um minúsculo descampado marcado pelo que sobrou de um decrépito toldo de madeira. Ali, a mais de 200m de altura em relação ao camping, finalmente estávamos no tal “Mirante da Serra”. Uma pedra serve de banco assim como um arbusto faz papel do outrora toldo, pois o sol daquela manhã estava bem ardido. Apesar disso, a vista panorâmica de todo vale compensava o calor das 10:30hrs. Estava tudo lá: o camping, os contrafortes serranos emparedando o vale, a cachoeira e parte do Vale do Ivaí! Tudo numa única imagem! Pausa pra fotos, contemplação, descanso e mastigada básica das frutas trazidas á tiracolo.
Partimos do mirante assim que começaram a chegar mais visitantes, retrocedendo o mesmo caminho até á trifurcação anterior, lembrando que esta trilha já foi uma via chamada de “Estrada Safrista”. Tomamos então a vereda chamada de “Caprichos da Natureza”, que nada mais é uma trilha que toca pro norte e faz uma ferradura na encosta serrana passando por enormes rochedos e belos exemplares de gigantes da floresta. No caso, figueiras e paus dálho centenários cujas enormes raízes abraçam tanto os visitantes como “engolem” pedras a sua volta. A última vereda da trifurcação é um estreito caminho que perde altitude, de forma vertiginosa, passando pela base de grandes matacões até finalmente cair às margens do Rio São Pedro, exatamente na ponte pênsil que foi ignorada no rolê do dia anterior. Lembrou?
Cruzando á outra margem caímos na “Trilha Beira Rio” e refizemos o trajeto em direção ao salto, agora com iluminação diferente daquela do final de tarde do dia anterior. O sol pulsava com toda força ao meio-dia, pincelando com diferentes tons tanto o rio como a vegetação em volta. Tanto que ao passar pela “Fonte Colorida” ela realmente parecia exibir diferentes tonalidades em suas águas translúcidas. Claro que não perdi a oportunidade de me brindar um merecido banho enquanto as meninas descansavam nas pedras.
Prosseguimos então pela mesma vereda, onde tivemos mais um breve pit-stop de descanso na “Poltrona dos Desejos” e finalmente outro mais demorado no mirante do salto, pouco depois. Aqui as meninas optaram por se refrescar nas corredeiras gélidas do São Pedro, enquanto eu me encantava com a vista do Salto brilhando perto dali, com todo sua imponência e esplendor. E pensar que o as águas dessa linda queda se somam ás do Rio do Peixe, bons quilômetros abaixo, pra depois desembocar finalmente no majestoso Rio Ivai, a oeste.
Retornamos sem pressa ao camping pouco depois das 14hrs, e fomos direto pro restaurante mandar ver algo pro bucho. Como o almoço já havia sido servido pedimos uma porção mesmo, no caso, de batatas fritas com petisco de tilápia frita. E refrigerante e cerveja pra beber, claro! Na sequência, bastante satisfeitos, nos despedimos do pessoal do restaurante e voltamos ao veiculo desarmar nosso acampamento. Com ducha tomada, sem dúvida!
Zarpamos do “Camping Luar de Agosto” pouco depois, creio que por volta das 16hr, pra chegar em Londrina no finalzinho de tarde. Em tempo, voltamos bastante satisfeitos do rolê “pantufa” naquele final de semana; as meninas mataram a vontade de revisitar o Salto São Pedro, enquanto eu matei minha curiosidade em relação a essa linda queda. Mas que fique claro que a estrutura de Faxinal pra recepção de turistas ainda é bastante modesta, porém suficiente pra garantir bons momentos junto á natureza, que por sinal foi bastante generosa no quesito cachoeiras. E bota aventura nisso aí, uma vez que a cidade ainda tem mais de 70 quedas catalogadas! Logo, são 70 motivos pra retornar a Faxinal muito em breve, mas desde que seja pra acampar. Camping selvagem ou “Nutella”? Tanto faz, uma vez que a diversão está garantida de qualquer forma neste rincão privilegiado do Norte Pioneiro.
PS: a visita ao Salto da Fonte, também em Faxinal, está no link abaixo.
https://altamontanha.com/o-salto-da-fonte-de-faxinal/