Nasci em uma cidade de 8000 habitantes no interior do estado e cresci em outra próxima um pouco maior. Mudei para São Paulo quando tinha 24 anos, para cursar residência de Neurologia, terminada a residência comecei a fazer pós graduação em Medicina Legal e Perícias Médicas, nessa época eu tinha 28 anos, já trabalhava no mínimo cinco dias da semana e mesmo tirando uma a duas férias por ano para conhecer locais turísticos que todos temos vontade de conhecer um dia, o estresse começou a me castigar.
Com 28 anos comecei a sentir dor, no começo aliviava com qualquer comprimido, depois não mais; eu acordava e ia dormir sentindo dores, nós médicos relutamos um pouco para fazer o papel de paciente, mas precisei procurar meus colegas, tive diagnóstico de síndrome da dor miofascial. Trata-se de um tipo de dor muscular crônica desencadeada por lesão muscular ou uso repetitivo da musculatura e pelo estresse. A minha se localizava no pescoço e no braço esquerdo e na correria da vida, eu não percebia que no meu caso, o estresse era o seu principal desencadeante.
Com a dor, o colorido da vida vai ficando monocromático, é muito ruim ter a companhia dela durante todas as horas do seu dia, durante todos os dias do mês nos 12 meses de um ano e por mais de um ano seguido. Eu não aceitava ter dor, eu que atendia pacientes com dor e fazia tudo ao meu alcance para melhorar a vida deles, não conseguia melhorar a minha própria vida.
Comecei a fazer os tratamentos que me eram recomendados, todos eram paliativos, usei medicamentos, fazia acupuntura, fisioterapia, apliquei toxina botulínica, comecei a fazer psicoterapia, e o meu maior dilema foi começar a praticar exercícios. Nunca gostei de atividade física, entrei na hidroginástica depois de muita insistência da minha fisiatra. Ia para a aula contrariada, desisti em 3 meses. Minha vida sempre foi intelectual, exercícios físicos nunca foram parte do meu cotidiano.
Em maio de 2014, eu estava na fila de embarque do aeroporto de Cumbica, iria passar férias na Itália, na minha frente tinha uma moça com uma mochila enorme nas costas e me contou que estava indo fazer o Caminho de Santiago da Compostela, me informou que em São Paulo tinha a Associação dos Confrades e Amigos do Caminho de Santiago da Compostela (ACACS) que organizava caminhadas mensais para treinar os peregrinos que desejam fazer o caminho. Fui para a Itália com a cabeça na Espanha. Cheguei em São Paulo e me associei à ACACS, no final de semana seguinte teria uma caminhada de 18Km em uma estrada rural de Paraibuna, eu que não fazia nada de exercícios, fui!
Em outubro de 2014 era eu na fila de embarque do aeroporto de Cumbica com uma mochila enorme nas costas indo fazer o Caminho Português de Santiago da Compostela.
De maio a outubro desse ano comecei a fazer Pilates duas vezes na semana e ir caminhar no Parque Ibirapuera todo final de semana para me preparar para o Caminho. Minha dor começou a me dar uma trégua! Eu ficava um dia inteiro sem senti-la e nesse dia eu era a pessoa mais feliz do mundo!
O dia em que cheguei na Catedral de Santiago da Compostela foi o dia mais importante da minha vida, o considero como um marco! Um marco de superação de muita coisa.
O Caminho e as atividades físicas me ensinaram a controlar o estresse, eu aprendi que para ser feliz, era só eu não sentir dor, ou seja, a felicidade estava em uma simplicidade que eu não sabia valorizar. Eu mudei como ser humano, comecei a aceitar o que eu tinha que aceitar, enxerguei minha fragilidade e minha força, passei a priorizar somente o que tinha importância e comecei a procurar o lado bom da vida diariamente, por mais difícil que fosse aquele dia. Abri mão de algumas coisas que para mim não eram tão importantes e até hoje não me arrependo nem um pouco.
Mantive meus tratamentos por mais alguns meses depois do Caminho e com o tempo comecei a ficar semanas, meses e hoje mais de anos sem dor.
Eu tive dor diariamente durante três anos seguidos da minha vida. Hoje sei que caso isso não tivesse acontecido, muito provavelmente eu não seria a pessoa que sou, com os valores e a visão de mundo que eu tenho; aceitei a dor como uma companhia desagradável, uma visita indesejável com quem dividi minha vida por três anos mas que me fez evoluir como ser humano de uma forma que não sei sequer me expressar.
Em 2016 comecei a subir montanhas, já fiz várias das que se localizam na Serra da Mantiqueira, já atravessei a Cordilheira dos Andes de Leste a Oeste em um trekking chamado Cruce de Los Andes, já subi montanhas em Portugal e Monte Roraima na Venezuela. Eu entro em estado de encantamento com a natureza quando subo uma montanha e um pouco do que sinto, comecei a colocar em palavras e posto junto com as fotos nas redes sociais, trazendo para a cidade um pouco do que vivo na montanha!
O meu sonho para essa vida é que ela continue sendo exatamente da forma que ela é agora, quero continuar a encontrar a felicidade nos pequenos prazeres das coisas simples, continuar subindo montanhas e conhecendo locais incríveis que até poucos anos atrás eu não imaginava conhecer, quero continuar a ajudar aqueles que precisam de mim; meus pacientes, parentes e amigos.
Tem aquele velho ditado que diz “a gente leva da vida a vida que a gente leva”, e o que quero levar para a eternidade é a vida que vivo hoje.
10 Comentários
Parabéns 🍾🎊🎉🎈
Espero que continue assim
Uma vez peregrina sempre peregrina
Fico feliz por teres encontrado teu caminho
Que bacana seu relato Marise!
E que bom que o montanhismo e o trekking mudaram seu estilo de vida: agora muito mais saudável e prazeroso!
Realmente não há como negar que a montanha é um lugar que revigora o corpo e a alma!
Desejo muitas montanhas e muitos trekking ao longo de sua vida!
Que história de vida linda e apaixonante! A montanha é o alimento da sua Alma. Muito lindo!
Em 2011 fiz uma cirurgia de ligamento de tornozelo porque queria fazer a trilha inca. Em 2012 minha então com 20 anos foi diagnosticada com transtorno bipolar após várias tentativas de suicídio e tratamento para depressão. Em 2013 essa mesma filha foi diagnosticada com câncer de mama do tipo inflamatório e triplo negativo. Em 2015 essa mesma filha teve um segundo câncer de mama hormônio positivo e faleceu em março de 2016. Eu já tinha desistido de fazer a trilha inca. Estava obesa com problemas hepáticos e por sorte a minha gastro pediu para que eu fizesse um exame para saber se se resistência a insulina. Mesmo com a glicemia normal tenho resistência a insulina e com o tratamento, o plano alimentar e os exercícios estou com o meu IMC normal e no próximo ano vou para o Pilates me preparar para fazer a trilha inca. Já comprei a bota para ir amaciando. Amei o seu relato.
Sou Teresa Santos de Mato Grossi
que historia linda.. ja fiz o caminho de compostela eu 46 e meu esposo 66.. aprendemos como voce q precisamos pouco oara ser feliz.. so o essencial .. parabéns pela tomada de drcisao e pela reportagem encorajaforas..
Marise é mt bom ver você achando seu caminho nesta vida. e inspirando outros a fazer o mesmo!
Marise ao ler o seu relato me emocionei muito… parabéns pela vida, história, descobertas. . quanto ensinamento… desejo que você continue aventurando por este mundo e continue dividindo convosco suas descobertas.
Sucesso!!!
Tenho orgulho de tê-la como amiga, a Marise é pessoa do bem e me ajudou em muito nas minhas caminhadas e montanhas. Fiquei emocionado quando a convidei para escrever o prefácio do meu livro e ela aceitou de pronto. Que o Universo a abençoe sempre. Namastê !
Marise fico feliz do Universo ter conspirado que nos conhecêssemos nos caminhos e montanhas e mais ainda desfrutando do seu senso de humor. GratidOmmm !!!
Parabéns! Atividades física é uma otima terapia, por sorte tbm descobri isso a tempo. Sou adepto a caminhadas e montanhismo. Já fiz o Caminho de Santiago de Compostela Português, Caminho dos Incas, Caminho da Fé e Caminho do Sol. Este ano agosto de 2018, subi o Monte Fuji no Japao, mais um sonho realizado.
Pretendo subir o Monte Roraima, procurando companhia…RS, já está programado para fazer em 2019.
Muito lindo sua historia, que serve reflexão para aqueles que um dia decidirão pelas aventuras do ttekking.
Um grande abraço.