Continuo nesta coluna meus comentários sobre a natureza, que percorreram a geografia próxima e a geologia antiga e chegam agora à distante astronomia.
Em astronomia, o conceito de zona habitável de um planeta é um tanto decepcionante. Significa apenas a região à volta de uma estrela onde seu nível de radiação permitiria a existência de água líquida na superfície de um planeta em sua órbita – sem que ela ferva pela proximidade ou congele pela distância do astro.
A zona habitável estaria então entre 100° e 0°C. De acordo com a luminosidade do Sol, astrônomos inteligentes conseguiram definir para a Terra as distâncias da borda interna e externa da faixa, onde a temperatura estaria no intervalo correto. Seriam respectivamente 120 e 220 milhões de km. E a que distância a Terra está do Sol? Confortavelmente no meio, a 150 milhões de km (ver figura).
Apenas uma ressalva: os astros se movem e, com eles, a faixa habitável. No futuro, Terra migrará para uma zona mais quente, quando seus mares evaporarão. Ou seja, nós temos um prazo de validade (ver figura). Ao mesmo tempo, Marte entrará nesta zona favorável, deixará de ser frio e poderá então ter água líquida.
Mas a escala de tempo é grandiosa: não antes de 1.8 bilhões de anos. A escala da vida também é: ela começou há 3.6 bilhões de anos, o dobro daquele tempo.
Sempre que este assunto aparece, fico com a impressão de que os cientistas não conseguem extrapolar a experiência da vida na Terra, apenas replicá-la: água, oxigênio, temperatura, carbono. Como se a vida não fosse possível em outros ambientes de amônia, sílica ou metano, sob diferentes temperaturas ou radiações, em condições subterrâneas ou subaquáticas e, enfim, sob novas bases biológicas ou físicas.
Mas sempre tem alguém como o astrônomo Frank Drake. Ele criou a fórmula segundo a qual dentre as muitas galáxias que abrigam planetas potencialmente portadores de vida inteligente, capazes de se comunicarem conosco, haveria dois casos de possível contato. Mas ele estava apenas fazendo um exercício hipotético, pouco além de um palpite calculado. Apliquei sua equação e cheguei a seis contatos potenciais. Se você tentar, pode encontrar desde zero a mais de dez.
Mas voltemos à Terra. Uma das razões para sermos habitáveis é a proteção que o campo magnético nos confere (ver imagem: o campo é comprimido do lado diurno e estendido do lado noturno). Ele se origina de correntes no interior ferroso do planeta que formam dois polos magnéticos – o polo magnético sul sendo próximo do polo geográfico norte e vice-versa (é isso mesmo, ao contrário).
Este bondoso campo é capaz de defletir a radiação solar, que danificaria nossa atmosfera e varreria nossos oceanos. Este escudo é quase tão antigo quanto a Terra, pois teria 90% de sua idade: foi sob sua proteção que a vida começou. Antes dele, ela seria impossível.
Existe uma estrela chamada Kapa Ceti que replica as condições do Sol quando a vida surgiu – e seu bombardeio estelar é 50 vezes maior do que o do Sol atual. Foi um bombardeio como este que a vida nascente teve de suportar.
Mas a Terra não é só habitável por condições astronômicas, existem fatores químicos e biológicos. Uma razão mais acessível é a existência de água na forma líquida. Ela teria sido gerada por reação química no interior do planeta e escapado sob a forma de vapor pelas fendas da crosta. Quando a Terra esfriou, o vapor se liquefez como chuva e encheu as depressões do planeta.
A água permitiu algo muito importante, que as proteínas primitivas pudessem flutuar e interagir. Ela é um ótimo solvente, favorecendo as reações químicas. Veja o detalhe milagroso: ela flutua por baixo do gelo, que funciona como um isolamento térmico. Se a água afundasse e solidificasse no frio, as reações necessárias à vida não teriam sido possíveis (ver figura).
E, naturalmente, foi fundamental a presença de energia e oxigênio suficientes para impulsionar a fotossíntese. Os seres vivos inspiram oxigênio, que é o combustível da vida, e expiram gás carbônico. E, você sabe disso, as plantas funcionam ao contrário, liberando o precioso oxigênio (ver esquema).
Mas o gás carbônico é também fundamental à vida, pois seu efeito estufa ajudou a aquecer o planeta. Desta forma, o ciclo exato entre estes dois gases sustentou a existência da vida. Adicionalmente, a rotação da Terra de apenas 24 horas permitiu luz e calor a intervalos moderados. Compare com Vênus, com uma rotação destrutiva de 243 dias!
Outra condição importante foi a abundância de carbono. Ele é considerado o átomo central na química da vida. A vantagem do carbono, que o distingue de todos os demais elementos, é sua condição de partilhar seus quatro elétrons livres seja consigo mesmo ou com outros átomos.
Isto permitiu formar cadeias longas, cíclicas e ramificadas com outros elementos como O², H² e N². É o átomo ideal para a construção molecular, fazendo dele o centro a partir do qual o metabolismo dos seres vivos se desenvolveu. Assim, a química orgânica é a química do carbono.
Outro átomo fundamental é o oxigênio. No início não havia oxigênio livre na atmosfera – todo ele estava contido na água e no dióxido de enxofre. Mas, há 3 bilhões de anos, as primeiras bactérias começaram a produzi-lo por fotossíntese. Isto levou a uma extinção em massa, pois o O² era tóxico para quase toda a vida então existente. Só organismos resistentes puderam se adaptar e sobreviver – como você e eu.
Ele está presente na atmosfera, a camada protetora de nosso planeta. É a gravidade da Terra que atrai os gases da atmosfera, impedindo que migrem para o espaço. Dentre os planetas sólidos, Mercúrio é pequeno demais para manter uma atmosfera. A de Marte é tão delgada que ele se tornou um deserto frio. Em Vênus, ao contrário, o gás carbônico atmosférico criou um mundo absurdamente enevoado e quente.
Na realidade, a atmosfera é apenas 20% oxigênio – praticamente todo o restante é nitrogênio. Ele é um gás inerte e, por isso, vem se acumulando na atmosfera desde a formação da Terra. Porém, uma vez fixado pelas bactérias, torna-se absorvível e participa da composição de todas as células vegetais. Sem ele, a fotossíntese não seria possível. O N² também integra os ácidos nucleicos, que são as proteínas básicas da vida.
Mas pode-se dizer que a Terra tem a sorte de desfrutar da companhia conveniente de outros astros. A começar pelo Sol: os astrônomos concluíram que planetas que orbitam estrelas de menor massa (como a solar) têm zonas habitáveis mais longas. Além disto, o Sol é razoavelmente estável, sem grandes explosões.
E a continuar pela Lua: ela é grande o suficiente para estabilizar a oscilação da Terra – se esta não existisse, não haveria as estações e, se fosse excessiva, as estações seriam exageradas – e para criar as marés, que empurraram a vida para o solo. E Júpiter: seu imenso tamanho protegeu a Terra do risco da colisão dos asteroides.
Por fim, há uma outra razão bastante óbvia: o tempo. A vida como a conhecemos foi tardia, com 1.0 bilhão de anos para surgir desde a formação da Terra, e teve uma lenta evolução, a partir de 3.6 bilhões de anos atrás. O primeiro organismo multicelular só existiu há 600 milhões de anos. Assim, como o Sol e a Terra foram muito longevos, houve tempo suficiente para desenvolver formas sofisticadas de vida (ver tempo geológico).
Voltarei a este assunto numa próxima coluna: a busca de vida em outros planetas. Corpos com belos nomes seguidos de numerais como Gliese, Kepler, Upsilon ou Wolf podem ter condições temperadas, núcleos sólidos e água líquida – podendo ser ou vir a ser habitáveis (ver figura).
Mas alguns astrônomos, talvez pessimistas e poéticos, abraçam a tese de que a Terra é uma anomalia, um acaso feliz e único num universo desprovido de vida.
3 Comentários
Melhor coluna que encontrei no meu celular, do lamento não ter feito isso antes. Ganhou um leitor conterrâneo.
Os sistema solar, a distância entre a Terra e o Sol, a gravidade, a fluidez da água, tudo milimetricamente perfeito pra poder gerar vida.
As chances disso acontecer sem querer e ao mesmo tempo é tão improvável que a lógica indica que existe sim um Criador.
Excelente coluna…parabens..