A Terra e a Lua foram abordadas em colunas anteriores. Elas existem na companhia dos planetas do Sistema Solar, assunto desta coluna.
Vocês sabem que, antigamente, o sol e a lua eram considerados planetas, estes só sendo conhecidos até Saturno. Emissários dos deuses e alvos de profecias, os planetas eram chamados pelos gregos de estrelas errantes (asteres planetes).
Corpos sem luz, pareciam brilhantes por refletirem a luz alheia. E, como giravam em torno do sol, suas órbitas pareciam estranhas, ora aproximando-se ora afastando-se da Terra. Daí a razão de serem vistos como errantes, diferentemente das distantes estrelas fixas.
Só puderam ser melhor observados a partir da invenção do telescópio, nos primeiros anos do século XVII. Pela primeira vez, os pequenos instrumentos da época revelaram luas orbitando Júpiter e anéis à volta de Saturno. Quase duzentos anos depois, Urano foi descoberto.
Ceres, entre Marte e Júpiter, foi avistado no início do século XIX e considerado um planeta. Mas logo outro corpo foi detectado na mesma órbita – e nenhum deles tinha a forma de um disco, atribuída aos planetas pela sua força gravitacional. Foram então chamados de asteroides e hoje se sabe existirem mais de cem mil deles. Depois, Netuno foi revelado em meados daquele século e, finalmente, o pequenino Plutão em 1930.
E nada mais aconteceu até a primeira década do atual século. Foram então descobertos em rápida sucessão meia dúzia de corpos gelados parecidos com Plutão. Eles ocupavam um espaço em forma de rosca, o Cinturão de Kuiper, além da órbita de Netuno – ou seja, eram transnetunianos. Foram chamados de KBOs (e não eram sanduíches!).
Assim como Ceres só fez sentido como um dentre milhares de asteroides, naquele espaço orbital de Júpiter, Plutão só se encaixou como um dos muitos KBOs, naquela vastidão transnetuniana. Se ele era um planeta, então muitos KBOs seriam. Em particular, um dos corpos recém descobertos chamado Eris, que era ainda maior do que ele.
Aceitar que os KBOs fossem planetas criaria uma série de problemas, e por duas razões principais: eram potencialmente muitíssimos e tão distantes que nem sempre sua forma esférica poderia ser atestada. Ou seja, poderíamos ter uma multidão de planetas ambíguos. Era necessário em critério sólido para classificá-los.
Foi considerado que havia no sistema solar corpos suficientemente maciços para atrair ou repelir os menores ou para estabilizar as órbitas daqueles outros que remanescessem à sua volta. Portanto, os planetas seriam corpos capazes de dominar suas órbitas.
Este critério tinha um forte apelo histórico. Os corpos celestes em nosso sistema solar foram formados por acreção (ou aglutinação por colisão), a partir de um disco de gás e poeira orbitando o sol primitivo. A concentração do material em torno de um dado corpo reforçou o seu tamanho e o fez ir absorvendo seus vizinhos.
Essa concentração tornou-se cada vez mais densa, até que ela colapsou para dentro, formando um protoplaneta. Quando este atingiu um certo tamanho, pôde formar uma atmosfera. Protoplanetas que evitaram a absorção ou a colisão puderam então tornar-se satélites dos planetas maiores ou então integrarem cinturões de asteroides e KBOs. Em resumo, o planeta resultou da consolidação da matéria orbital.
Assim resumiu o astrônomo Steven Soter: os corpos menores foram atraídos pelos maiores, ejetados do sistema solar ou engolidos pelo sol, e os sobreviventes se tornaram os planetas de hoje. Asteroides e cometas, incluindo KBOs, são os detritos que sobraram. Concluindo, um planeta foi o resultado da acreção de um disco ao redor de uma estrela.
Então em 2006 a união dos astrônomos chegou finalmente à momentosa definição oficial de um planeta: um corpo com massa suficiente para que a gravidade o tornasse esférico, que circunda uma estrela e que é capaz de dominar seu espaço, removendo os detritos e estabilizando as órbitas dos corpos menores.
Assim, cada um dos quatro planetas gasosos depois de Marte – de Júpiter a Netuno – foi capaz de comandar um conjunto de satélites e administrar uma série de KBOs em sincronia. Esses planetas gigantes claramente dominavam as órbitas exteriores, fazendo com que se mantivessem estáveis. Esses são os planetas jovianos: enormes, leves e gasosos.
Mercúrio e Marte, apesar de pequenos, conseguem afastar ou defletir os corpos em trânsito por suas órbitas (no último caso, com certa ajuda de Júpiter). A Terra compartilha sua zona orbital com mais de mil asteroides relativamente grandes, mas é terrivelmente mais maciça que todos eles juntos – e, portanto, dominante. Esses quatro primeiros planetas, chamados de telúricos, são pequenos, sólidos e rochosos.
De todos os planetas, Marte é o menos dominante: sua massa é apenas 5 mil vezes a dos corpos na sua zona orbital (vs. quase 2 milhões para a Terra). Já Ceres e Plutão têm baixíssimos coeficientes de 0.3 e menos de 0.1. Assim, os planetas estão num campeonato diferente dos asteroides e Plutão é claramente um KBO, diz Soter.
Foi por isto que o pequenino, distante e gelado Plutão só permaneceu como um planeta por ¾ de século. Junto com Ceres, Eris, Haumaea e Makemake – finalmente dois nomes que não vieram da antiguidade, e sim do Havaí e da Ilha de Páscoa – e futuramente outros 50 corpos, Plutão foi humilhado à categoria de planeta anão, uma classificação que acho deprimente. Ela concedeu a eles uma nobre condição, rebaixada entretanto pela constatação de seu minúsculo tamanho.
Entretanto, se perdemos Plutão, talvez venhamos a recuperar o nono planeta, pois existe a suspeita sobre um corpo massivo o suficiente para alinhar as órbitas de vários pequenos corpos celestes no Cinturão de Kuiper. Sua força gravitacional sugere que este hipotético planeta teria dez vezes a massa da Terra – e sua órbita seria de inacreditáveis 10 a 20 mil anos.
Mas, além da área de Kuiper, fica a Nuvem de Oort, uma região a quase um ano luz do Sol, repleta de micro planetas e cometas, de onde costumam emergir os cometas. Está a um quarto da distância do Sol à Centauri, a estrela mais próxima, e é nela que termina o nosso sistema solar. Quando esta nuvem puder ser finalmente observável, que outras surpresas não trará?