Nunca tinha estado na fronteira oeste brasileira: Rondônia e Acre, terras distantes que no passado foram Territórios. A caminho do Acre, visitei o PN de Pacaás Novos, uma experiência impactante, no meio da grande floresta, dos grandes rios e dos grandes horizontes.
Embora Rondônia tivesse sido visitada por bandeirantes e jesuítas, sua colonização foi muito recente. O Estado começou a ser ocupado a partir dos anos de 1960.
Na década seguinte, sua população cresceu à incrível taxa de 15% ao ano e, na seguinte, a 8% anuais. Inicialmente, houve atividades ainda tímidas de garimpo de ouro e de mineração de cassiterita (estanho), antes do grande avanço da fronteira agrícola a partir de 1980.
A ocupação agropecuária acarretou o desmatamento, a grilagem e o extrativismo. Durante a primeira década do século XX, algo como 3 mil ha foram desmatados a cada ano. As áreas protegidas de Rondônia foram criadas como uma defesa contra esta devastação – cerca de 40% do território total do Estado é protegido, mas 30% já foi devastado.
O Parque Nacional de Pacaás Novos funciona exatamente como uma área tampão relativa à BR 364, principal rota de penetração do agronegócio no Estado. Aliás, ela seguiu o traçado das linhas telegráficas implantadas pelo Marechal Rondon.
Gostaria de fazer um comentário sobre o povo do Centro-Oeste. Os Estados de MT, RO e AC atraíram brasileiros de variadas regiões, desde gaúchos e cearenses até mineiros e paranaenses. Então, houve uma miscigenação e um branqueamento da população, que diluíram as etnias indígenas.
Não espere encontrar um povo moreno com feições índias – este só existe nas muitas Terras Indígenas. Exceto nos assentamentos ribeirinhos, o antigo costume de consumo de peixe cedeu aos hábitos carnívoros. Os poucos índios que nos restam estão se isolando ou aculturando.
O Parque está no centro de Rondônia, um território bastante plano. Entretanto, a serra à volta da qual o Parque foi estabelecido abriga as maiores elevações do Estado. Esta região é muito importante – é a espinha dorsal e o manancial de águas de Rondônia.
O PNPN tem um formato alongado, com um comprimento de 165 km e uma largura média de 45 km. Ele é enorme, com 765 mil ha, formado com terras de sete municípios. Seu principal acesso é pela estrada até a vila de Campo Novo de Rondônia, a 300 km da capital, que acaba de ser praticamente toda pavimentada. Lá fica sua sede – serão mais 20 km por uma estrada de terra até a divisa do Parque.
Campo Novo se refere a um campo de aviação, que substituiu o anterior, que era mais baixo. A região era no passado acessível principalmente pelo ar, não por terra. Eram tempos violentos, de garimpo da cassiterita – que ainda continua, mesmo depois que as grandes mineradoras abandonaram a atividade, devido à exaustão das jazidas.
O PNPN é fundamental para a conservação da região, por duas razões principais: sua riqueza hídrica e sua integração ao mosaico de áreas protegidas. Ele está a leste do Corredor Guaporé-Itenez/Mamoré, que é fronteiriço com a Bolívia (Itenez é o nome boliviano do Rio Guaporé). Este mosaico é gigantesco, com 50 reservas e quase 20 milhões de ha, divididos quase igualmente entre Brasil e Bolívia.
Existem duas áreas de proteção de certa forma associadas ao Parque: o PN da Serra da Cutia (830 mil ha) e a Rebio Traçadal (20 mil ha), a primeira atravessada pelos Rios Pacaás Novos e Cautário e a segunda, pelos afluentes do Pacaás – como você verá, estas são bacias do Parque. São rios de bom porte, de águas limpas e escuras.
Na região do PNPN, há duas Reservas Biológicas importantes: dos Rios Guaporé e Jaru. A do Guaporé (600 mil ha) corresponde à planície de inundação do rio, com presença de inúmeras palmeiras e de fauna aquática, habitada também pelo escasso cervo do pantanal. A do Jaru (350 mil ha) é recoberta pela floresta aberta e sobreposta a importantes aquíferos. As duas ocupam terras baixas de grande biodiversidade, com rios preguiçosos, muitas palmeiras, solos pobres e arenosos, sujeitos a um incrível calor.
O Parque está inserido na enorme Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, que o contorna completamente, pois possui quase 2 milhões de ha. Ela é escassamente povoada, talvez com menos de 200 indivíduos.
Vivem nesta reserva índios das etnias Jupaú, Amondawa e Uru-Pa-In, do tronco tupi-guarani. É uma população muito jovem, pois os mais velhos foram mortos nos primeiros contatos com os brancos, quando da colonização recente. A morte da geração antiga acarretou a perda de quase toda a cultura do povo.
Os geólogos dizem que a bacia amazônica é homogênea apenas na sua aparência, devido à sua recente cobertura sedimentar. Na realidade, ela é muito complexa. Existem nos Pacaás Novos substratos muito antigos da Era Arqueana (3 bilhões de anos), de topografia plana e suavemente ondulada, rebaixada a altitudes abaixo de 200 metros.
Nas áreas de granitos mais recentes da Era Proterozoica (cerca de 1½ bilhões de anos) aparecem cristas, colinas ou mesas alongadas em altitudes acima de 350m. Já os relevos recentes são mais baixos, compostos por sucessivas colinas, que decoram com muita graça todo o interior do Estado.
A Serra dos Pacaás Novos é constituída por arenitos e conglomerados, sujeitos a um conjunto de falhas e fraturas que resultaram do soerguimento do relevo, influenciado pela formação dos Andes. A região dos Pacaás Novos está situada entre a depressão amazônica sul e o pediplano oeste do planalto brasileiro. Pertence ao chamado Planalto do Guaporé.
Contém morros tabulares, o principal dos quais é o Pico do Tracoá (1.126m), ponto culminante de Rondônia. A serra descreve um arco alongado no sentido leste-oeste, seu ponto culminante ficando na extremidade leste. Outra formação importante é a Serra dos Uopianes (600m).
A maior porção do Parque é recoberta pela floresta perene chamada de aberta, contendo sororocas e palmáceas como o açaí e principalnente o babaçu. Mas há também madeiras valiosas: cerejeira, cedro, mogno, castanheira. Grande parte do restante é composto pelo cerrado (arbóreo, lenhoso ou campestre) e pelo contato entre a floresta e a savana.
A fauna é diversificada, com elementos característicos da Amazônia e do Cerrado. Encontram-se aves variadas (araras, mutuns, tucanos, nhambus), mamíferos (felinos, canídeos, veados, macacos, tamanduás), répteis (crocodilos, lagartos, cobras) e uma multidão de peixes. O gavião real, o cachorro vinagre, o urubu rei e o jacamim podem ser encontrados.
O Parque contém as três principais bacias de Rondônia: Guaporé, Mamoré e Madeira, cada qual afluente do outro. O Guaporé (1.750 km) nasce na Chapada dos Parecis e deságua no Mamoré (1.900 km), quando este ingressa em território brasileiro. São rios largos e lentos, com uma coloração bege, de aspecto bastante monótono.
O perigoso Mamoré nasce na Bolívia e sua confluência com o Beni forma o Rio Madeira (3.300 km), o maior afluente do Amazonas. Este é um curso que se transforma em mar no período das chuvas. Invadido mais ao norte pelas águas do Amazonas, ele inunda a floresta, recobre suas praias e alaga suas corredeiras, formando um gigantesco remanso que funciona como canal de navegação.
Mas, na realidade, nenhum desses três gigantes atravessa o Parque. São seus afluentes que assim fazem. Segundo se diz, existem dois mil rios no Parque, dos quais 500 cada nas bacias do Cautário e do Jamari. Além destes, os principais cursos são o Pacaás Novos e o Jaci-Paraná. Alguns deles correm em leitos de granito ou gnaisse e apresentam águas transparentes. Em especial, o Pacaás Novos e o Jaci Paraná contêm cânions, corredeiras e cachoeiras, em cenários de muita beleza.
O Tracoá é o principal atrativo do Parque, ponto culminante da Serra e do Estado. Seu acesso é bem difícil: após 20 km por razoável estrada de terra, você terá de percorrer 15 km por um precário carreador, já no interior da reserva, que talvez nem seja transitável durante as chuvas. Você chegará à Sede Candeias, uma das duas existentes, onde encontrará um abrigo.
Serão agora 6 km por trilha no interior da mata ao longo do curso do Candeias. Depois, serão mais 5 km pela íngreme encosta da serra, com exposição a pedras quebradiças, sempre dentro da mata que irá se tornando mais rala. Normalmente a ascensão é feita em dois dias. No primeiro, convém acampar após o trecho inicial, pois só o acesso até a Sede pode demandar 2½ hrs. No segundo, você chegará ao cume e retornará à Sede, onde terá deixado seu veículo.
O Tracoá não é um pico e sim uma plataforma elevada, talvez 50m acima do platô da serra. A rocha é o arenito, com aspecto bastante irregular. Sua altitude é surpreendente, pois Rondônia é baixa, na altitude de 250m, e a serra não é elevada, em geral não ultrapassando os 650m. A vista alcança o mar verde da vegetação, sem acidentes notáveis.
O Rio Pacaás Novos é muito interessante, correndo inicialmente por um cânion e apresentando várias quedas, variando de 10 a 40m.
Existe uma segunda Sede, bonita e ampla, chamada de Jaci, que é alcançada por uma estrada a 56 km da vila, neste caso um acesso razoável. O Rio Jaci também apresenta quedas, sua corredeira principal contando com sucessivos poços para banhos. Acredito que outras cachoeiras possam ser conhecidas, quando o Parque for mais visitado. Minha visita foi superficial e não pude conhecê-las.
Como acontece com infeliz frequência no Brasil, este Parque é exposto a depredações ambientais. Sua situação é complexa, devido ao enorme tamanho, aos acessos difíceis, à sobreposição com terras indígenas e, sobretudo, às invasões à busca do corte de madeira e da criação de gado. Foi impressionante assistir a uma grande área cortada e queimada no interior do Parque, o solo calcinado ainda fumegando do fogo recente.
Quero fazer um comentário sobre uma situação pouco conhecida da floresta amazônica. A mata é muito diversificada, cada hectare contendo em geral 200 espécies. E 1/3 das árvores de grande porte é representada por um único exemplar. Isto obriga as madereiras a penetrarem profundamente na floresta, à busca das espécies cobiçadas. O que acarreta a abertura de trilhas, o corte de galhos e a limpeza de clareiras, degradando ainda mais a floresta.
Curiosamente, os atrativos do PNPN – a serra, os rios e as cachoeiras – se concentram na sua parte noroeste. Os restantes 2/3 de sua área a leste são aparentemente recobertos por uma floresta densa, sem acidentes de interesse. A gestão do Parque chegou a propor sua divisão entre PN e FLONA, porém sem resultado.
Como os poucos recursos existentes são dedicados à fiscalização, não existe preocupação com a visitação, que é pequena e irregular, normalmente restrita a atividades de ensino e de pesquisa.
1 comentário
Alberto, vc esteve em Pacaa em qual epoca do ano? Demanda fazer contato antes com a direçao do parque?