Nossas Serras (21/25): O Divisor

2

Se, partindo da Chapada dos Parecis no MT, próximo à Bolívia, você continuar percorrendo o bordo oeste do Brasil, encontrará uma formação que nos separa do Peru: é a Serra do Divisor no Acre, assunto desta coluna.

Parte do bordo ocidental do Acre, na divisa com o Peru, é ocupado por uma fina e sinuosa faixa onde foi criado o Parque Nacional da Serra do Divisor. Na realidade, tem um formato curioso, com dois bolsões a norte e a sul, separados por uma estreita cintura central, por onde corre um afluente do Rio Juruá.

Localização do PN Serra do Divisor, AC

O PNSD acompanha aproximadamente a Serra de mesmo nome (também conhecida por seu nome peruano de Contamana), ao longo de cerca de 350 km. Estão nela os locais mais elevados do Estado, a exemplo do seu ponto culminante em torno de 600m.

Os parques naturais amazônicos são gigantescos, pelo menos para o padrão do Sudeste. Pois o PNSD atinge 838 mil ha, uma área comparável ao Líbano ou à Jamaica. Existe no Peru outro Parque de mesmo nome, porém muito maior, com 1.354 mil ha, que abriga os índios isolados (ou seja, sem contato) Isconahuas.

A Serra do Divisor tem este curioso nome não por causa da matemática, mas da geografia. Um divisor é um acidente, tipicamente uma crista mais elevada do que os terrenos adjacentes, que separa duas bacias. De cada lado do divisor, as águas escoam em direções opostas.

Serra do Divisor, Fronteira Brasil-Peru

Nem sempre na matemática um divisor produz resultados aceitáveis, por exemplo na presença das indigestas frações ou dízimas. Assim também na geografia, pois às vezes as águas divididas podem correr ora numa ora noutra direção, dependendo do regime de chuvas – são as chamadas águas emendadas.

Mas não há risco desta ocorrência no Parque. A cumeeira da Serra separa as bacias do Ucayali peruano do Juruá brasileiro. O primeiro é um dos formadores do Rio Amazonas, pois suas águas confluem depois de 1.500 km para o Marañon, que abastece o Solimões, nome dado ao alto Amazonas.

O segundo é um afluente direto da margem direita do Amazonas, onde deságua após de 3.000 km. É curioso como ambos nascem no Peru, morrem no Amazonas e contornam cada qual um dos lados da Serra do Divisor. Os rios da região são típicos cursos de planície, lentos, sinuosos e barrentos.

Vista do Rio Moa, ao Norte do PN Serra do Divisor, AC

Esta é uma região peculiar, pois as movimentações do relevo foram afetadas pelo soerguimento dos Andes. Ele inclinou a região para o leste, invertendo o sentido anterior, quando o declive era ocidental. Os dobramentos e falhamentos originaram a Serra do Divisor, que foi recoberta por sedimentos areníticos relativamente contemporâneos.

Considere que o Escudo das Guianas a norte da depressão amazônica tem uma origem antiquíssima, de 3 bilhões de anos, tendo sido suas rochas retrabalhadas a partir de 2 bilhões de anos. Já a Serra do Divisor apresenta um substrato datado de menos de ½ bilhão de anos, retrabalhado a partir de 200 milhões de anos.

Macaco no PN Serra do Divisor, AC (Fonte: Araquém Alcântara)

A Serra é dividida em quatro blocos principalnente ao norte, separados entre si por colinas. Além da Serra do Divisor, a região conta com a Serra do Moa, da Jaquirana e do Rio Branco. Visualmente, a segunda deve ser a mais interessante, devido aos afloramentos de antigas rochas de gnaisse.

Destas, pude apenas visitar a Serra do Moa (410m), que é um contraforte do Divisor. Dela, é possível perceber os blocos descontínuos do Divisor. O ponto culminante pode ser avistado – é um curioso pontão, localmente chamado de Peito de Moça, provavelmente já na divisa com o Peru

A Serra não possui um visual interessante, devido aos pequenos desníveis e à limitada presença de paredes rochosas. As encostas serranas costumam, ao contrário, ser recobertas pela floresta.

Têm às vezes o formato de cuesta, com um lado abrupto e outro suave. Seu relevo se apresenta um tanto confusamente sob a forma de espigões, colinas e tabuleiros. A leste da Serra aparecem os terraços, os vales e as planícies.

Serra do Divisor, PN Serra do Divisor, AC (Fonte: Jezaflu Jesus)

Evidentemente, esta é uma região com forte influência indígena. A população dos índios no Acre deve ser próxima de 10 mil indivíduos. Pertencem a uma dúzia de etnias, como Nukini, Nawa, Katurini e Kampa, algumas das quais contempladas com áreas indígenas. Os Nukini dispõem de sua reserva e os Nawa lutam por ela há 20 anos.

O acesso à região é horroroso, pois parte de Cruzeiro do Sul, a mais de 600 km rumo norte da capital Rio Branco. Pela rodovia você pode levar de nove horas a mais de um dia: buracos, pontes, lama, barreiras. Prefira voar, existem voos comerciais regulares.

Avance por asfato até a vila próxima de Mâncio Lima e, se o seu bolso e a estação permitirem, contrate uma lancha rápida: serão de 6 a 8 horas pelo Moa a norte ou Juruá a sul.

Como o PNSD não possui estrutura ou sinalização, você dependerá dos moradores para conhecer os locais. Evidentemente, a floresta amazônica não é um ambiente propício para treks ou travessias.

Trilha do Mirante da Serra do Moa, PN Serra do Divisor, AC

A vegetação é também peculiar, pela existência de espécies andinas. A Serra é recoberta por uma vegetação mais frondosa do que a do Parque a que pertence. Trata-se da floresta densa montana. Aparecem também matas anãs nos topos serranos.

A fauna é abundante, especialmente na sua variedade. Mas não é propriamente endêmica, a não ser talvez em espécies de tamanho reduzido – aves ou anfíbios, aranhas ou morcegos.

Os principais rios são o Juruá, com seu afluente Juruá Mirim, e o Moa, com seu afluente Azul. Exceto o Juruá e o Moa, são cursos curtos, não ultrapassando 150 km. O Moa apresenta várias cachoeiras pequenas á sua volta. O Juruá tem algumas corredeiras.

Rio Moa, PN Serra do Divisor, AC

A vazão destes rios é fortemente variável na estação úmida – cresce de 2 para 6 km/h. Na seca, alguns podem não ser navegáveis, em especial por lancha.

O clima é tropical úmido, com chuvas torrenciais durante o chamado inverno, que vai de outubro a junho. Mesmo durante a estação seca, a precipitação mensal chega a 60mm. Então, é quase impossível você não se molhar, num ambiente em que chove de 2 a 3.000 mm por ano. O calor é absurdo, nunca abaixo de 30⁰C , mesmo no inverno.

O único Parque vizinho é o da própria Serra do Divisor. Não há cidades próximas. Toda a história regional é recente, pois o Acre só se tornou conhecido devido à exploração da seringueira em fins do século XIX. Naquela ocasião, pertencia à Bolívia, mas acabou sendo comprado pelo Brasil – dizem que por pouco mais do que o preço de dois cavalos.

Compartilhar

Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

2 Comentários

  1. Legal. Faltou conhecer as cachoeiras? Faltou foto.

    Outra matéria sobre a Serra do Divisor tem uma foto de Cânion que com certeza não é Serra do Divisor, é do Rio Grande do Sul.

    Eu fui aí em 2016, com meu primo que é mateiro. Muita coisa bacana

Deixe seu comentário