Nossas Serras (20/25): Os Pacaás Novos

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Nunca tinha estado na divisa oeste brasileira: Rondônia e Acre, terras distantes que no passado foram Territórios. A caminho do Acre, visitei a Serra de Pacaás Novos, que prossegue o rumo da Chapada dos Parecis do capítulo anterior, no sentido de nossa fronteira. E, de novo, a imensidão amazônica foi para mim uma experiência impactante.

Esboço do Relevo de Rondônia

Embora Rondônia tivesse sido visitada por bandeirantes e jesuítas, sua colonização foi muito recente. O Estado começou a ser ocupado a partir dos anos de 1960. Sua população cresceu aceleradamente, com o avanço da fronteira agrícola.

A penetração agropecuária acarretou o desmatamento, a grilagem e o extrativismo. Regiões protegidas foram criadas como uma defesa contra esta devastação. O Parque Nacional de Pacaás Novos funciona exatamente como uma área tampão relativa à BR 364, principal rota de penetração do agronegócio.

Mapa do PN Pacaás Novos, RO

A Serra contida no Parque está no centro de Rondônia, um território bastante plano. Ela abriga as maiores elevações do Estado. Esta região é muito importante – é ao mesmo tempo a espinha dorsal e o manancial de águas de Rondônia.

O PNPN é enorme, com 765 mil ha, sendo seu principal acesso pela estrada até a vila de Campo Novo de Rondônia, a 300 km da capital. Lá fica sua sede – serão mais 20 km por uma estrada de terra até a divisa do Parque.

Mapa do Relevo da Serra de Pacaás Novos (Fonte: IBGE)

O Parque é fundamental para a conservação da região, por duas razões principais: sua riqueza hídrica e sua integração ao mosaico de áreas protegidas. Ele está a leste do gigantesco Corredor Guaporé-Mamoré, que é fronteiriço com a Bolívia.

Na região do PNPN, há duas reservas importantes: dos Rios Guaporé e Jaru. A do Guaporé corresponde à planície de inundação do rio, com presença de inúmeras palmeiras e de fauna aquática. A do Jaru é recoberta pela floresta aberta e sobreposta a importantes aquíferos. As duas ocupam terras baixas de grande biodiversidade, com rios preguiçosos, muitas palmeiras, solos pobres e arenosos, sujeitos a um incrível calor.

O Parque está inserido dentro da enorme Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, que o contorna completamente. Ela é escassamente povoada, com uma população indígena muito jovem, pois os mais velhos foram mortos nos primeiros contatos com os brancos, quando da colonização recente. A morte da geração antiga acarretou a perda de quase toda a cultura do povo.

Serra de Pacaás Novos, PN Pacaás Novos, RO

A maior porção da região é recoberta pela floresta perene chamada de aberta, que convive com madeiras de lei. Grande parte do restante é composto pelo cerrado e pelo contato entre a floresta e a savana.

fauna é diversificada, com elementos característicos da Amazônia e do Cerrado. Encontram-se aves variadas (mutuns, araras, nhambus), mamíferos (felinos, canídeos, veados, macacos), répteis e uma multidão de peixes. O gavião real, o cachorro vinagre, o urubu rei e o jacamim podem ser encontrados.

Esta região contém as três principais bacias de Rondônia: Guaporé, Mamoré e Madeira, cada qual afluente do outro. São rios largos e lentos, com uma coloração bege, de aspecto bastante monótono. O Mamoré nasce na Bolívia e o perigoso Madeira é o maior afluente do Amazonas. Este é um curso que se transforma em mar no período das chuvas.

Mas, na realidade, nenhum desses três gigantes atravessa a região da Serra. São seus afluentes que assim fazem. Segundo se diz, existem lá dois mil rios, dos quais 500 cada nas bacias do Cautário e do Jamari. Além destes, os principais cursos são o Pacaás Novos e o Jaci-Paraná – eles contêm cânions, corredeiras e cachoeiras, em cenários de muita beleza.

Visual da Serra de Pacaás Novos, RO (Fonte: Edmir Santos)

Os geólogos dizem que a bacia amazônica é homogênea apenas na sua aparência, devido à sua recente cobertura sedimentar. Na realidade, ela é muito complexa. Existem nos Pacaás Novos substratos muito antigos da Era Arqueana (3 bilhões de anos), de topografia plana e suavemente ondulada, rebaixada a altitudes abaixo de 200 metros.

Nas áreas de granitos mais recentes da Era Proterozoica (cerca de 1½ bilhões de anos) aparecem cristas, colinas ou mesas alongadas em altitudes acima de 350m. Já os relevos recentes são mais baixos, compostos por sucessivas colinas, que decoram com muita graça todo o interior do Estado.

A Serra dos Pacaás Novos é constituída por arenitos e conglomerados, sujeitos a um conjunto de falhas e fraturas que resultaram do soerguimento do relevo, influenciado pela formação dos Andes. A região dos Pacaás Novos está situada entre a depressão amazônica sul e o pediplano oeste do planalto brasileiro. Pertence ao chamado Planalto do Guaporé.

Contém morros tabulares, o principal dos quais é o Pico do Tracoá (1.126m), ponto culminante de Rondônia. Outra formação importante é a Serra dos Uopianes (600m). O Tracoá é não é um pico e sim uma plataforma elevada, talvez 50m acima do platô da serra. A rocha é o arenito, com aspecto bastante irregular.

Pico do Tracoá, Serra de Pacaás Novos, RO (Fonte: Edmir Santos)

Sua altitude é surpreendente, pois Rondônia é baixa, na altitude de 250m, e a serra não é elevada, em geral não ultrapassando os 650m. A vista alcança o mar verde da vegetação, sem acidentes notáveis.

A Serra tem um percurso caprichoso, ao longo de 220 km. Seu ponto culminante está a leste, em um de seus braços, onde ela encontra a Serra da Fortaleza. Ao sul existe um amplo antiteatro, quando a Serra descreve um grande arco. Mas sua maior extensão forma uma extensa curvatura no sentido oeste, até Guajará Mirim e a fronteira boliviana.

Mapa da Serra de Pacaás Novos

Embora bonita e extensa, confesso que a Serra dos Pacaás Novos não é atraente para ascensões ou escaladas. Apresenta poucas paredes rochosas, estando quase sempre cobertas por vegetação. A Amazônia é um imenso manto vegetal que reveste seus afloramentos, da mesma forma que o mar recobre seus acidentes.

Cânion do Rio Pacaás Novos, PN Pacaás Novos, RO (Fonte: Edmir Santos)

Como acontece com infeliz frequência no Brasil, esta região é exposta a depredações ambientais. Sua situação é complexa, devido aos enormes tamanhos, aos acessos difíceis, à sobreposição com terras indígenas e, sobretudo, às invasões à busca do corte de madeira e da criação de gado. Foi impressionante assistir a uma grande área cortada e queimada no interior do Parque, o solo calcinado ainda fumegando do fogo recente.

Cachoeira Rio Jaci, PN de Pacaás Novos, RO (Fonte: Divulgação)

Não será surpresa notar que não existem grandes vilas no entorno da Serra – são todos povoados pobres e pequenos. Também a história é limitada – os pequenos garimpos de cassiterita, a expansão do gado bovino, as invasões predatórias na mata nativa, a difícil sobrevivência das tribos indígenas.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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