O Cassino

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O litoral do Rio Grande do Sul é muito peculiar, acho que por três razões principais. A primeira é sua extensão: 620 km absolutamente planos, uma extensão sempre igual que desconheço existir em qualquer outro local do Brasil.

Mapa da Praia do Cassino, RGS

A segunda é a presença das maiores lagoas brasileiras, Patos, Mirim e Mangueira – imagine, têm entre 240 e 120 km, sempre com formatos alongados. E a terceira são as estranhas praias de ventos constantes e mares agitados que, mesmo no verão, nunca convidam à sua visitação ociosa – e que sequer permitem avistar barcos distantes.

Como isso aconteceu? Na realidade, a planície costeira gaúcha é muito antiga, tendo se formado a partir da separação entre a placas onde repousavam a América e a África.

Sofreu inúmeras ações do mar, à medida em que este avançava ou recuava, seguindo os ciclos de degelo ou de glaciação. O mar depositou barreiras arenosas no litoral, que foram formando as lagoas.

A dos Patos é salobra, por apresentar uma saída para o mar. Inversamente, a saída da Lagoa Mirim foi fechada, permitindo formar o Banhado do Taim e sua continuação na Lagoa Mangueira. Esta última não é abastecida por rios e sim pela água das chuvas, diferentemente da Lagoa Mirim. Assim, cada qual tem uma origem diferente.

Existem duas regiões interessantes associadas ao litoral. A primeira são os chamados Campos Neutrais. O Tratado de Santo Ildefonso, celebrado entre Espanha e Portugal, estabelecia a posse da Colônia do Sacramento para os espanhóis, mas reconhecia a soberania portuguesa sobre a margem esquerda do Rio da Prata.

Capela de Na Sa da Conceição nos Campos Neutrais da Capilha às Margens da Lagoa Mirim no RGS (Fonte: Walter Hasenack)

Entre estes dois territórios ficaram os Campos Neutrais, que nenhum dos países poderia colonizar, como se fosse uma Faixa de Gaza. Esta estranha região acabou sendo ocupada por desterrados, náufragos, fugitivos e assaltantes. Até hoje é chamada de Campos Neutrais pelos gaúchos e permanece vazia como antes.

A segunda região é o Taim, um banhado propício à cultura do arroz, logo a oeste do litoral. Sua drenagem nunca funcionou e obstinados ambientalistas conseguiram nele aprovar uma reserva.

Quando estive lá, soube que finalmente a Estação Ecológica foi ampliada para 33 mil hectares. Ela é deslumbrante, recoberta por gramíneas sempre verdes, sobrevoada por aves pernaltas como cisnes, coscorobas, tarrãs e jaburus, e percorrida por capivaras, mãos peladas (guaxinins) e raposinhas graxains.

O Céu e o Mar na Travessia do Cassino

A Praia do Cassino é assim chamada devido a um cassino que de fato lá existiu, quando foi implantado nos fins do século XIX o primeiro balneário marítimo brasileiro. Ficava ao sul de Rio Grande, uma cidade de porte médio a 300 km ao sul de Porto Alegre. Ele foi criado por empresários europeus, que quiseram imitar as estações de cura e lazer, como Deauville e Biarritz que haviam visitado.

O balneário fracassou, mas lá existe um bem-sucedido bairro à beira mar. Sua população aumenta cinco vezes quando chega o verão.

É nos seus molhes que começa uma praia gigantesca, que só irá acabar 250 km depois, onde também o Brasil termina, às margens do Arroio Chuí. Os Molhes da Barra têm as funções de controlar a profundidade do canal de navegação entre eles e de funcionar como quebra-mar. São a maior atração do Cassino.

Molhes da Praia do Cassino, RGS (Fonte: Divulgação)

Mais além, se você caminhar por uma semana, irá encontrando a outra atração: os faróis, dos quais há quatro ao longo da praia. O elegante Sarita recebeu este nome de um navio naufragado, o pequeno Verga foi desativado, o Albardão é o maior e mais isolado deles e o Chuí sinaliza o fim de nosso território.

O Farol Sarita no Início da Travessia do Cassino (Fonte: wikimedia)

Faróis são criaturas estranhas. De dia, eles são um prêmio cobiçado, parecendo tão arrogantes e remotos, até que você vença os longos tempos para chegar até eles. Por mais cênicos que pareçam, são a rigor inúteis.

Pois é de noite que eles acordam, à semelhança dos vampiros, para indicar o litoral às embarcações nos mares traiçoeiros. Não são águas fáceis, você quase nunca as verá sendo navegadas, pois os navios só passam bem longe.

Pode ser complicado percorrer a Praia do Cassino, mesmo em versões menores de 220 km, que partem ao sul dos Molhes (em Capilha, um vilarejo às margens da Lagoa Mirim) e chegam ao norte do Chuí (na estranha vila do Hermenegildo, ocupada por aposentados).

Revoada de Gaivotas no Cassino (Fonte: Eduardo Wickboldt)

Entrar na praia é uma decisão irreversível, pois só existe uma saída dela entre estes pontos extremos. Estou supondo que o Cassino seja percorrido do norte para o sul, como é usual, embora possa ser igualmente feito no sentido contrário.

Quando o atravessei entre fevereiro e março, encontrei amenos ventos de NW, dias quentes e secos, nenhuma chuva e areias sempre firmes. Mas o cenário nem sempre é este. Fernando Souza, que organizou a travessia, conta que já ficou retido por dois dias no Farol Albardão, devido à tempestade de areia que derrubava barracas e impedia a visão.

Fernando relatou também que certa vez o mar virado soergueu os concheiros, mostrando surpreendentes paredes de mais de metro. Note ainda que ressacas podem avançar sobre a areia, tornando-a estreita e fofa, dificultando o seu avanço. E que tempestades repentinas podem ser ameaçadoras. Quando você perder a orientação, lembre-se de que, se vai para o sul, o mar deve ficar à esquerda, dizem os maratonistas que às vezes competem por lá.

A menos que tenha um bom preparo físico, você precisará de apoio durante o trajeto. Particularmente quanto ao peso da comida, pois dificilmente conseguirá atravessar em menos de uma semana.

E também quanto à provável presença de bolhas, pois o movimento sempre igual as fará aparecer. Raramente tive o desprazer de sua companhia e logo ao segundo dia ganhei uma coleção delas.

E como é a experiência de atravessar por dias seguidas um mundo igual? Estranhamente, nada monótona, pois a areia não é um deserto.

Ela é cheia de vida, com o voo dos grupos de gaivotas, as famílias dos cavalos selvagens, o passeio das garças mouras, o galope dos graxains assustados e a presença das tímidas capivaras. E também cheia de morte, com as carcaças das baleias, dos barcos, das tartarugas, das embalagens e até de um hotel fracassado.

A Figura Isolada da Figueira, Próximo à Lagoa Mangueira (Fonte: Divulgação)

E há ainda a vegetação, no começo os grandes pinheiros dos reflorestamentos que terminam onde começa a Lagoa Mangueira. E, depois, as dunas do Albardão.

No fundo, perto da Lagoa Mangueira, você encontrará uma magnífica figueira, com sombra e vida à sua volta. E mais as moitas de capim salgado açoitadas pelo vento, as modestas gramíneas dos poucos fazendeiros e as ramas das flores rasteiras. É nessa região que talvez surja um novo Parque Nacional.

Imagem do Relevo das Dunas do Albardão (Fonte: geoexpedicoes.blogspot.com)

E, se você voltar lá, notará que a paisagem não é imóvel. Os ventos sulinos terão erodido as dunas, criando as barreiras frontais a partir do verão. Sua direção poderá ter mudado de norte para sul, empurrando sua caminhada. A desertificação dos terrenos do Albardão poderá ter avançado, continuando a engolir as poucas árvores. O mar poderá ter desenterrado as conchas ou lambido as areias. E as rústicas casas de pescadores ao fim da caminhada poderão ter novas formas e cores.

Arroio e Farol do Chuí, onde o Cassino Termina

Já escrevi antes que o Cassino permite um encontro, senão com a verdade, pelo menos com o silêncio. Quase como se não fosse preciso pensar. Mas, se tive algum pensamento, foi o pesar pela morte na praia dos animais marinhos, que os mares e os homens forçaram ao descanso final.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

1 comentário

  1. Decepcionante seu Alberto, acho que o senhor poderia pesquisar mais sobre a região, no que toca o balneário do Hermenegildo, nossa praia pertence a Santa Vitória do Palmar, que tem seu início de faixa de praia iniciando no farol do Sarita e terminando no balneário da Barra do Chuí que também pertence a Santa Vitória do Palmar, sendo a maior.
    Temos um povo orgulhoso de sua terra não e justo que divulgar inverdades

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