Esta é a única montanha diretamente acessível pela parte baixa do Parque Nacional do Itatiaia. Embora difícil, será uma caminhada compensadora pelas belas vistas do Vale do Paraíba e pela floresta exuberante que irá acompanhá-lo todo o tempo. Aviso que nada tem a ver com o esplêndido Parque Estadual de mesmo nome, que é hoje o maior do Rio de Janeiro.
O Morro dos Três Picos
O Parque Nacional do Itatiaia apresenta duas partes muito diferentes, chamadas de alta e baixa. Os montanhistas certamente frequentam a alta, mas pelo menos no meu caso foi a baixa que conheci primeiro, e ela tem seus encantos. A área alta só foi completamente integrada ao PNI muito depois da sua criação, quando o Parque foi ampliado, e apresenta problemas fundiários parecidos com os da parte mais antiga.
A região baixa é coberta pela mata atlântica e apresenta belas cachoeiras. Sua altitude é moderada, oscilando no entorno dos mil metros. É conhecida pela variedade da fauna e exuberância da flora. É sombreada e úmida, convivendo com o clima do Vale do Paraíba. Ela concentra a maior parte da estrutura do PNI, construída na década de 1950 por seu mais ativo gestor, Wanderbilt de Barros.
A Véu da Noiva é a maior cachoeira da parte baixa do PNI, recoberta por densa vegetação e atravessada por vários rios (Fonte-Divulgação).
Foi nesta região que o Governo Federal iniciou no início do século XX um malogrado projeto de colonização para europeus. Dele resultou a instalação de uma Estação Biológica, que foi o embrião do Parque, fundado dez anos depois. Porém dele também decorreu um excesso de construções, que não são mais compatíveis com a reserva natural lá existente.
Chegar à parte baixa do PNI é fácil, pois seu acesso é pela cidade de Itatiaia, às margens da Via Dutra. Como a implantação desta parte do Parque foi tardia, existem no seu interior vários hotéis, que podem tornar mais agradável a sua estadia. O mais antigo deles é o Donani, ainda em operação.
Estes locais têm alguns detalhes em comum: são caros (devido à sua localização exclusiva), antigos (há quase 30 anos nada de privado se constrói lá) e precários (devido à dificuldade de conservação imposta pelo Governo). Esta é a meu ver uma situação insolúvel, pois os proprietários são impedidos de melhorar seus imóveis e o Governo não se propõe a indenizá-los.
Mas você também pode ficar nas imediações, seja fora do Parque em Itatiaia ou mesmo na vizinha Penedo, que sempre me parece ter mais pousadas do que residências.
A trilha do Morro dos Três Picos é bem peculiar e nem tanto conhecida, por não pertencer aos elevados maciços rochosos que fazem a glória do PNI. Tampouco a altitude é expressiva, diante do enorme planalto mais alto às suas costas. E suas vistas debruçam-se sobre o Vale do Paraíba, não sobre o maravilhoso cenário de montanhas e campos de altitude da parte alta. Entretanto, do ponto de vista botânico, é a mais esplêndida das trilhas de Itatiaia.
O Hotel Simon, numa das várias cores que sua fachada teve, desde que começou a operar no início da década de 1930. Quando estive lá, a cor era vermelha (Fonte – Divulgação).
Eu fiz o caminho dos Três Picos pelo Hotel Simon – infelizmente chamado quando lá estive de Itatiaia Park Hotel – onde me hospedei, pois ele é uma história à parte. O hotel foi iniciado em 1929, portanto antes do Parque, por um alemão chamado Joseph Simon, e é difícil imaginar porque ele foi escolher aquele local então tão distante.
Na realidade, foi uma história de amor, seja pelo local (um bonito platô), seja pela moça que morava lá, e com quem ele se casou (espero que uma bonita moça). O fato é que, após a ampliação décadas depois, o Simon tornou-se um local elegante, com sua localização importante, suas amplas instalações e seus jantares engravatados.
Hoje, Haroldo, um dos filhos de Simon, vive com dificuldades após ter vendido o hotel. Seus novos donos tentaram recuperá-lo, lutando contra as intransigências do Governo e as realidades do mercado. Acabaram entretanto vendendo-o para o próprio PNI. Este local cheio de tantas histórias encontra-se abandonado. Detesto a negligência do abandono, mas os antigos hotéis turísticos desta época passam todos por dificuldades.
Se você estiver no Simon, vá inicialmente até a piscina, ela é (ou era) um dos atrativos do hotel, onde você só mergulhará se for louco. Suba então pela escadinha de pedra que vai dar na clareira onde começa a trilha.
Vista de dois dos três picos do Morro. Note a verticalidade e a vegetação da encosta (Fonte – ICMBio).
A partir daí, você encontrará um caminho de meia encosta, hoje não mais bem cuidado, cercado de vegetação expressiva e envolta pela algazarra dos pássaros. Gradualmente ascendente, o caminho passará pela Cachoeira do Rio Bonito, que você deverá atravessar pela laje. Curiosamente, o caminho torna-se depois quase plano, até a íngreme rampa final do cume.
Talvez o aspecto mais notável desta trilha seja a sua vegetação, ainda que grandemente secundária. Na sua exuberância, ela me lembrou as encostas da Serra dos Órgãos. São grandes árvores, com raízes salientes, folhas largas e muito verdes, grossos cipós cadentes, densas sombras que tornam a floresta misteriosa e se alternam com os raios de sol ofuscantes que lá conseguem penetrar.
Visão do Vale do Paraíba a partir da trilha do Morro dos Três Picos (Fonte – Divulgação).
Você terá atingido o mais elevado dos três cumes, com 1.660 metros de altitude. O outro cume fica à direita, 40 metros mais baixo. Do ângulo onde você está, o terceiro parece ser simplesmente o ombro da montanha. Mas, visto lá de baixo de Penedo, ele realmente representa ser a terceira elevação.
A ascensão desde o Simon terá sido de 600 metros, num longo terreno irregular, com trechos escorregadios e vegetação interferente. O cume é bem simpático, embora restrito, dotado de uma pequena área plana com algumas pedras. De lá você avistará as cidades ao longo do Vale do Paraíba – Itatiaia, Penedo e Resende. Na direção oposta, ficam as áreas mais elevadas do Parque, com encostas envolvidas no verde e cercadas de expectativa.
Alessandra no pequeno cume do Morro dos Três Picos (1.660 metros), com o Vale do Paraíba às costas.
Esta não é uma trilha trivial, é longa e acidentada, com quase 15 km, dependendo de onde você partiu. Mas, se você sair bem cedo, poderá retornar ainda à tardinha. Conheça as cachoeiras e a antiga sede do Parque e, se ainda tiver forças, descubra que nem tudo é repouso nas noites de Penedo.
