Como os britânicos criaram o montanhismo moderno- Parte 1

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Montanhismo, caminhadas e escaladas na montanha ou simplesmente estar nas montanhas exerce para muitos de nós um papel importante em nossas vidas. Os sites e outras publicações de montanhismo, além de inúmeras outras contribuições ilustram isso muito bem. Durante cerca de dois séculos as pessoas foram atraídas pelas montanhas, assim como nós vivemos isto hoje.

Texto: Parte de trabalho científico para mestrado desenvolvido por Koen Van Loocke (Bélgica), membro do summitpost.org.

Trabalho completo original com devidas citações e referências bibliográficas.

Tradução – Paulo Roberto Parofes

No entanto, nem sempre foi assim. Pelo contrário, na maior parte do tempo na história as pessoas se demonstraram hostis em relação às montanhas e tentaram evitá-las a todo custo. Mas, no final do século XVIII, essa imagem hostil das montanhas começou a mudar gradualmente.

As pessoas (principalmente das classes sociais mais favorecidas) começaram a olhar diferentemente para as montanhas e começaram a visitá-las ocasionalmente. Visitavam as montanhas, mas sempre a uma distância considerada segura, em seus vales. Neste momento certamente não as escalavam. Apenas alguns cientistas e algum “romântico solitário” subiu esta ou outra montanha durante este período (a partir do final do século XVIII até meados da década de 1850).

Não é portanto possível, neste período, falar do “montanhismo” como conhecemos hoje. Montanhismo moderno não existia ainda. No entanto, a partir do 1850, vemos o montanhismo aparecendo nos Alpes. Mas então a pergunta vem à mente, de onde vem o montanhismo moderno? Quem começou e por que começam a escalar? É sobre este ponto que o artigo trata. É sobre quem e principalmente, porque o montanhismo moderno foi criado. É uma questão importante, como no passado, as pessoas que sempre pareceram muito negativas em relação às montanhas, o motivo pelo qual isto mudou e o que veio com a ideia do montanhismo.

Os Britânicos entram em cena

A partir da década de 1850 cada vez mais britânicos foram para os Alpes e começaram a escalar explorando e conquistando as altas montanhas alpinas. Antes da década de 1850 os britânicos raramente visitaram os Alpes, e quando o fizeram era ainda mais raro ver um deles subindo uma ou outra montanha. Mas isso não foi apenas o caso de britânicos, montanhismo em geral era raro, algo que foi reservado a um pequeno grupo de cientistas que escalava para explorar os Alpes e fazer várias pesquisas científicas sobre temas como a glaciologia, botânica, geologia, cartografia, etc.

A característica principal deste período era que as pessoas que subiam as montanhas, não escalavam por prazer, por esporte ou em busca de aventura (embora estes possam e certamente ter sido outras razões), mas que eles escalavam em nome da ciência. Entre cientistas os britânicos eram  poucos, como por exemplo John Ball ou James Forbes.

Louis de Agassiz. Também desenvolveu trabalhos científicos no Brasil.

A partir do final do século XVIII até meados do século XIX eram principalmente suíços, italianos e alguns cientistas franceses que dominaram o “montanhismo científico”, homens como Gottlieb Studer, Louis Agassiz, a família Meyer, Desor, F. J. Hugi, P. Giordani, G. Gnifetti, João Vicente… A presença desses italianos ainda pode ser vista em vários nomes da cadeia de Monte Rosa, na fronteira suíço-italiana.

Mas, em meados do século XIX, algo muito estranho aconteceu nos Alpes. Desse momento em diante alpinistas britânicos da classe média começaram a viajar para os Alpes. Não apenas por viajar, ou para estar nas montanhas com objetivo de apreciar a vista, mas sim para escalá-las. Por si só isso não pode realmente ser chamado de estranho ou notável, porque durante décadas antes outras pessoas (cientistas, principalmente) também subiram algumas montanhas. A chegada de montanhistas britânicos certamente pode ser chamado de notável devido ao seu número e sua motivação para o alpinismo. Primeiro, o número de alpinistas britânicos excedeu o número de alpinistas no início de longe (de antes da década de 1850), e segundo, porque não escalaram somente para fins científicos, mas por razões completamente diferentes.

Muito rapidamente e por várias razões, estes alpinistas britânicos ganharam uma posição dominante nos Alpes. No período de 1850-1860 a maioria dos escaladores era inglesa. Vamos voltar no tempo e estaremos olhando como alpinistas britânicos conseguiram tornar-se tão dominantes na Europa durante os anos 1850 e 1860 e, em primeiro lugar, porque passaram a explorar, a escalar, e de uma certa forma conquistar os Alpes. Por que ´inventar´ montanhismo moderno?

Turistas no inicio do seculo XX no Mont Blanc.

 

Por que foram pros Alpes?

Para começar, é importante salientar o que se entende quando se fala de montanhistas britânicos. Isto porque estes alpinistas não vieram de todos os estratos da sociedade britânica. Ao olhar para o contexto social destes alpinistas, fica claro que nenhum membro da classe inferior ou superior era alpinista, mas que todos eles eram membros da classe média, mais especificamente da classe média alta.

Esta classe (superior) média foi crescendo rapidamente durante a primeira metade do século XIX. Principalmente graças à Revolução Industrial, que tornou possível para o setor terciário se desenvolver fortemente, com o crescimento de uma classe média relativamente nova como conseqüência.

Alpinistas ingleses na base do Matterhorn na Suíça.

O fato de que a maioria dos alpinistas britânicos serem desta classe pode ser facilmente demonstrado quando se olha para a composição do Clube Alpino (fundado em 1857). Importante dizer que nem todos os alpinistas eram membros do Clube Alpino. No entanto, parece claro que quase todos os montanhistas foram membros da classe média alta. Esta observação sobre a composição social do Clube Alpino e do montanhismo britânico em geral é importante porque o contexto social destes alpinistas significou uma grande motivação para eles irem aos Alpes, escalarem muitas montanhas e, de certa forma, inventarem o montanhismo moderno como será explicado mais tarde.

Em alguns outros países a mesma tendência pode ser vista, apesar desta tendência só acontecer muito tempo depois (1870, 1880). Em outros países como por exemplo a Áustria e a Alemanha não era esse o caso. As associações alpinas alemã e austríaca continham membros com diferentes origens sociais. Não eram membros da classe média, mas havia membros de classe inferior e superior também. Isso foi possível porque os membros não precisavam ter grandes façanhas. Todo mundo foi capaz de se associar, não houve qualquer restrição relacionada a esporte ou classe social. Graças a isso, essas associações alpinas poderiam se transformar em um movimento de massas. Isso, no entanto, não poderia ser dito sobre o Clube Alpino britânico.

É importante salientar que o Clube Alpino britânico (ao contrário de outras associações alpinas) foi uma associação muito estrita e elitista (como era comum com a maioria da sociedade britânica). Era um grupo muito seleto e se tornar um membro não era nada fácil. Ao contrário de outras associações alpinas, o Clube Alpino usou várias regras que um candidato a membro tinha de cumprir. Regras como “um candidato não é elegível a menos que ele tenha subido ao topo de uma montanha de 13.000 pés (3.962 metros) de altura.

Regras como essas tornaram impossível para homens que não tinham escalado nos Alpes se tornar membro. Além disso, o fundo social de um futuro membro era pelo menos igualmente importante relacionado com essas regras do montanhismo. A importância do contexto social é representada por uma série de regras de admissão. Não só montanhistas atuantes poderiam ser eleitos para integrar o Clube Alpino, mas também aqueles que “mostravam a sua devoção aos alpes…se por atividade literária, científica ou artística“, excluindo, portanto, de antemão, ambos os membros de classes inferiores e superiores. Como foi frequentemente o caso na Grã-Bretanha com muitas associações. Esta exclusividade social do Clube Alpino era, como veremos mais adiante, muito importante. Em suma, a razão para isso era que “ao contrário dos clubes continentais, o seu objetivo era em grande parte, social.

A “invenção” do montanhismo por britânicos não surgiu do nada. Agora vamos analisar as razões dos britânicos em começar a escalar montanhas de uma forma que era muito diferente da comunidade científica e romântica do “pré-alpinismo”, como existia desde o final do século XVIII até meados do século XIX.

As primeiras razões, embora muito importantes têm a ver com a posição social da classe média alta e mais especificamente com a exclusividade do Clube Alpino. Outras razões têm de estar situadas dentro de uma espécie de Revolução Atlética (crescente importância dos esportes em geral), ou estão relacionados com a Revolução Industrial ou motivos pessoais.

John Tyndall.

Como foi dito a maioria dos montanhistas pioneiros (como Leslie Stephen, John Tyndall, Tuckett FF, Kennedy ES, a família Mathews, Hudson C., Hinchcliff TW, AW Moore, Wills Alfred, Albert Smith, etc) foram da classe média alta. Esta classe era uma classe relativamente nova. A fim de ampliar e reforçar a sua posição social era importante para eles distingui-se não só das classes mais baixas, mas de classes mais altas também.

Para fazer isso, eles criaram uma nova identidade de classe. Não é baseada na identidade e cultura das classes mais altas, como os industriais e nobres, mas uma nova identidade completamente diferente. Essa identidade parece ser a força motriz por trás de montanhismo. Importante notar que havia uma interação contínua entre montanhismo e essa nova identidade de classe média. Sem essa identidade, o montanhismo provavelmente nunca teria sido criado pelos britânicos. Então, graças a esta, um “solo fértil” foi feito para o alpinismo se desenvolver. Por outro lado, montanhismo desempenhou um papel bastante importante dentro desta. Foi simplesmente uma perfeita encarnação dessa identidade, uma relação simbiótica.

Império britânico em 1886.

Resumindo, essa identidade foi baseada principalmente em dois conceitos: masculinidade e  imperialismo (combinado com a exploração). Dois conceitos que não podem ser vistos separados um do outro. A ênfase na masculinidade tem que ser vista principalmente de uma maneira que os ingleses queriam: “defender o sentido imaginado do poder imperial da Grã-Bretanha”.

O imperialismo com certeza foi proeminente visto que a Grã-Bretanha tinha o maior império colonial do mundo, e os membros da classe média queriam manter sua imagem, e queriam expandi-la para além de suas colônias. As montanhas seriam o lugar perfeito para colocar esta identidade em prática. O Alpinismo ajudou a legitimar a exploração e a ampla expansão imperial, transformando o imperialismo de uma abstração em algo tangível e de fácil acesso para homens profissionais e ambiciosos. A importância da exploração e do imperialismo pode ser facilmente exemplificada durante a leitura de alguns livros de viagem de montanha da época. Palavras como “conquistar” ou “vitória” ou “derrota” dentre outras palavras de façanhas militares eram muito comuns nos relatos de escaladas.

Por exemplo, James Forbes: “Uma viagem aos Alpes é talvez a maior aproximação a uma campanha em que o cidadão comum tem uma chance de reunião. Ele tem algumas das excitações, e muitas das dificuldades e privações da guerra, sem nenhuma das suas características repugnantes e terríveis. Ele combate apenas os elementos, as tempestades, só as fortalezas da natureza, mas ele tem sempre em sua mente a consciência do poder pelo qual ele está cercado, e às vezes fica intimidado”.

Montanhistas ingleses nos Alpes no século XIX.

Os Alpes tornaram possível para os homens normais começar a explorar e até mesmo conquistar-se. Os Alpes, como terra incógnita, ainda tinha que ser explorado e conquistado. “Viagens alpinas nos meus dias [de 1850]era particularmente excitante porque os Alpes estavam sendo explorados pela primeira vez. Seguimos a conquista dos picos e de novos passos assim como agora seguimos os passos de Shackelton no Pólo Sul e Nansen no Pólo Norte.” Esse seria o impulso para a exploração que levou os britânicos, antes de outras nações, rumo a outras cadeias montanhosas que não as europeias no final do século XIX.

O Montanhismo era baseado na masculinidade e do imperialismo, e isso tem que ser visto dentro da identidade de classe média recém-criada. Alpinismo era uma perfeita encarnação dessa identidade. Uma identidade utilizada para se distinguir das outras classes sociais na Grã-Bretanha, e assim o mesmo pode ser dito para o montanhismo. Montanhismo como uma forma de criar barreiras sociais fortes. As barreiras sociais que eram necessárias para a classe média construir e conservar a sua forte posição social na sociedade britânica. Por várias razões o montanhismo conseguiu ser uma atividade quase que exclusivamente de classe média alta. Mas deve ser registrado que o montanhismo não foi na verdade criado com o objetivo direto de se distinguir das outras classes sociais na Grã-Bretanha.

Charge imperialista britânica.

Muitos dos pioneiros do montanhismo começaram a escalar por causa deste imperialismo e da masculinidade, que foram amplamente presentes no alpinismo. O montanhismo foi preservado para a classe média por várias razões, a consequência indireta do montanhismo é que ele ajudou a criar fortes barreiras sociais entre a classe média e as outras classes. Ele ajudou a classe média (mais especificamente da classe média alta) a construir uma forte identidade, que foi utilizada para uma melhor distinção entre ela e as outras, e assim reforçar a sua posição dentro da sociedade britânica.

As pessoas não escalavam com o objetivo de se distinguirem dos outros, mas eles escalavam por causa dessa masculinidade e do imperialismo, e algumas outras razões que serão discutidas posteriormente, e como conseqüência eles se distinguiam dos demais. Portanto o montanhismo ajudou a construir esta identidade de classe média e da exclusividade social associada, que pode facilmente ser vista quando se olha para a composição social do Clube Alpino e a política para aceitação de membros já citados.

Como acabamos de ver, de certa forma o montanhismo surgiu como uma ferramenta para a classe média alta se distinguir das outras classes sociais na Inglaterra vitoriana (embora essa distinção social não era realmente o propósito do montanhismo, foi uma conseqüência muito importante).

No entanto, o montanhismo também pode ser visto de uma maneira completamente diferente, totalmente oposta à forma como temos observado até agora. Alpinismo não como uma forma de criar fortes barreiras sociais, ou para enfatizar as diferenças entre classes, mas simplesmente como uma forma de escapar do rigoroso sistema social. Nos Alpes, montanhistas britânicos de classe média alta podiam desfrutar de uma liberdade que não havia na Grã-Bretanha. Graças a esta rota de escape, o rigoroso sistema social na Grã-Bretanha tornou-se mais habitável para (alguns) membros da classe média alta britânica. Como eles poderiam eventualmente fugir dele, foram capazes de dar mais ênfase a essas diferenças sociais quando voltavam à Grã-Bretanha.

Esta teoria pode ser comprovada em como montanhistas britânicos se misturavam com os guias de montanha que frequentemente contratavam quando escalavam nos Alpes. Estes guias de montanha eram principalmente (se não todos) das classes mais baixas. Ciente agora das primeiras razões seria de esperar que alpinistas britânicos olhassem para eles de forma semelhante à maneira como olharam e agiram com as classes mais baixas em seu país. No entanto, não parecia ser assim.

Muitos montanhistas viam seus guias de montanha como iguais e, em suma, as barreiras sociais foram, em grande parte, destruídas por dentro do mundo do montanhismo. O fato é que nos Alpes essas barreiras sociais não teriam sido tão presentes como na Grã-Bretanha, poderíamos concluir que de uma forma alpinismo foi criado como uma forma de escapar do rigoroso, vigoroso sistema social na Grã-Bretanha.

Estas primeiras razões foram estritamente relacionadas a motivos sociais para muitos membros da classe média começarem a “conquistar” os Alpes e, portanto, iniciando com algo que acabaria por levar ao montanhismo moderno como hoje é hoje. A próxima razão é ainda relacionada ao aspecto social da vida na Inglaterra vitoriana, mas não tão restrita como as razões apresentadas até então. Esta é sobre a importância do esporte e lazer na Grã-Bretanha no século XIX. Logo, precisamos salientar que a importância do esporte não era realmente uma razão para alguns homens começarem a escalar, mas que a importância para o montanhismo está no fato de que muitos membros da classe média britânica eram muito preocupados com esporte, como parte de um tipo de “Revolução Desportiva” que aconteceu no século XIX na Grã-Bretanha. Seu interesse no esporte tornou possível para algo como montanhismo surgir. O mesmo pode ser dito para lazer e férias.

Guy Mannering e Marmaduke Dixon escalando o Glaciar Onslow na década de 1890, usando piolets e cordas de gelo, mas nenhum outro equipamento. Sem crampons, esses primeiros alpinistas tiveram que cortar degraus para fazer escadas.

Além da importância do esporte e lazer também pode ser visto o ponto de vista mais social. Mesmo que os homens (e mulheres, embora em menor quantidade) de todas as diferentes classes na Grã-Bretanha praticassem um ou outro esporte, o esporte prevaleceu. Certamente esportes como montanhismo (muitos montanhistas viram o alpinismo como um simples esporte: ´Ainda que seja simplesmente um esporte como cricket, remo ou knurr e mágica, não tenho vontade de colocá-lo em bases diferentes”, diz Leslie Stephen) poderiam ser unificadores de classes, assim como as possibilidades financeiras e a quantidade de tempo livre desempenharam um grande papel para as pessoas serem capazes de praticar este tipo de atividade.

A possibilidade de criação de barreiras sociais através do esporte poderia ser vista como uma razão para a alta classe média começar a escalar nos Alpes. No entanto, isso não teve um grande papel para a “invenção” do montanhismo, pelo contrário, esta foi mais uma consequência da escalada do que uma real motivação para começar a escalar montanhas. A importância do esporte e lazer tinha mais a ver com o ideal de classe média alta, e o alpinismo ofereceu grandes oportunidades para tentar alcançar esse objetivo.

Agora, no final deste pequeno pedaço sobre história social, é importante retomar a parte anterior. O montanhismo moderno foi de certa forma “criado” por membros britânicos da classe média alta, a burguesia, como parte de sua criação de uma identidade de classe média alta, que foi criada para distinguir-se das menos favorecidas bem como das classes altas, e para reivindicar um papel importante na sociedade britânica (e que aconteceu já que se tornaram o grupo mais importante em meados do século XIX na Grã-Bretanha). Dentro desse imperialismo a identidade e masculinidade tomaram um lugar central, enquanto esporte e lazer apenas desempenharam um papel menor para a criação de montanhismo. Montanhismo tem de ser visto como algo em que masculinidade, imperialismo, lazer e esporte, e todos juntos formam um conjunto perfeito e simbiótico.

As próximas razões não podem ser vistas como razões que realmente contribuem para a “invenção” ou o início do montanhismo moderno como o motivo anteriormente apresentado  (razões sociais) teve. Devem ser vistos como coisas que prepararam o terreno para que estas pessoas da classe média fossem escalar quase todas as altas montanhas dos Alpes. Alpinismo já existia, já tinha sido ´criado´, mas graças a razões como as apresentadas a seguir, o montanhismo poderia crescer e desenvolver-se rapidamente. Como eles não contribuíram, como tal, para o nascimento do montanhismo moderno, esses fatores serão tratados mais superficialmente.

Uma das razões mais importantes para o alpinismo se difundir foi o crescente poder econômico e financeiro da classe média alta. Assim como cresceu em importância a sociedade britânica durante o século XIX, seu poder financeiro cresceu também. Este crescente poder financeiro tornou possível para muitos membros da alta classe média gastar dinheiro em esportes, lazer e férias. Ao mesmo tempo, a quantidade de tempo livre cresceu também. Assim, a combinação de um crescente poder financeiro e um aumento da quantidade de tempo livre fez com que muitos destes viajassem para os Alpes, e em muitos casos escalar montanhas. Um dos pioneiros da escalada de montanha, John Ball, poderia servir como um exemplo perfeito:”…[John Ball], um cavalheiro de lazer, trilhando o caminho familiar da universidade ao Bar e, em seguida, se dedicar às atividades úteis em que os homens de menos tempo e menos dinheiro não podem participar.

Outra razão importante pela qual alpinismo poderia desenvolver-se de 1850 em diante tinha a ver com o desenvolvimento e crescimento do transporte ferroviário. Melhores ferrovias possibilitaram a viagem rápida e confortável para os Alpes (e outros lugares). Considerando que uma viagem da Grã-Bretanha para os Alpes no início do século XIX levava muito tempo (cerca de cinco dias eram necessários para chegar à Suíça), levava-se apenas cerca de 20 horas para chegar lá na década de 1870.

Esta melhoria permitiu enorme quantidade de pessoas viajar para os Alpes por um curto período de tempo, e, portanto, um grande grupo de britânicos foram capazes de fazê-lo. Não é apenas a velocidade melhorou, o mesmo pode ser dito do custo, que caiu tão rapidamente quanto a velocidade em que se desenvolvia. Graças ao número crescente de empresas de transporte ferroviário passageiros conseguiram comprar seus bilhetes de viagem a um preço mais em conta. É claro, isto possibilitou que mais e mais pessoas começassem a viajar e, novamente alguma parcela destas pessoas começou também a escalar.

Ingleses em geleira em Chamonix, nos Alpes Savoia, França, 1867

Além disso, houve o aumento da quantidade de livros de viagens e guias. Estas informações representavam dados muito úteis para britânicos viajarem para os Alpes. Perto da informação “eles podiam também dar o empurrão final para empreender a viagem.” Este era o caso especialmente com o montanhismo, diante de numerosos livros de viagens escritos por montanhistas, livros que foram publicados durante os anos 1850 e 1860.

Para muitos homens a leitura desses livros poderia dar o empurrão final para o fato de viajar para os Alpes e escalar esta ou aquela montanha. O mesmo efeito veio de vários shows e palestras ministradas por alpinistas. O exemplo mais conhecido é Albert Smith e o show que ele havia criado em torno de sua ascensão do Mont Blanc, em 1851 (que era, na verdade, a única escalada que fez em sua vida, mas que não o impediu de criar o seu show). Passou dez anos realizando seu show atraindo numerosos espectadores, e assim tornando muitos homens entusiasmados com o montanhismo.

Isso foi muito importante porque a maioria das pessoas eram muito hostis em relação ao montanhismo, alpinismo para a maioria das pessoas era algo que simplesmente não se devia fazer, na maior parte do pensamento o alpinismo era viso como algo estúpido e perigoso:

Enquanto ele estava na Suíça, descobriu que havia entre os nossos conterrâneos um Clube Alpino, a qualificação para a admissão no clube determinava que um homem   deveria ter colocado sua vida em risco com o maior perigo possível. E destes somente aqueles que tivessem algum grande feito no montanhismo poderiam pertencer ao clube, como se pendurar sobre os precipícios mais perigosos e escalar rochas perpendiculares. Já o Clube dos Trabalhadores era completamente diferente, pois seu objetivo era manter seus membros longe de todo perigo possível, dando-lhes     luz, salas quentes, uma sociedade aconchegante, e um monte de papéis para ler” (trecho retirado do livro A London Club for Working Men”, Em: Jornal do Reynolds, Londres, 28 de outubro de 1860, página 533.)

Muitos destes primeiros alpinistas foram recebidos com esta hostilidade como por exemplo Hudson e kennedy depois da sua ascensão sem guia de montanha no Mont Blanc, em 1856: “Eles nos culpam por ter arriscado nossas próprias vidas numa empreitada sem objetivo ou propósito, e agora estendendo para os outros qualquer incentivo para trilhar nossos passos;. Sarcasticamente dizem que temos de estar preparados para nos defender no Tribunal Penal contra uma acusação de homicídio” (trecho retirado do relato: Hudson C. e Kennedy E. S., “Onde há vontade há um caminho: uma escalada ao Mont Blanc por uma nova rota e sem guias”, Londres, Spottiswoode & Co., 1856, p. VII). Shows e palestras, como por exemplo o de Albert Smith, eram muito importantes por esse motivo. Eles precisavam fazer o montanhismo ser bem visto. O mesmo propósito pode ser atribuído ao grande número de viagens e de guias de viagem escritos durante a “Idade de Ouro de Montanhismo”.

Antigo hotel em Chamonix com a Aiguile du Midi ao fundo.

Antes de 1850, durante o tempo do chamado pré-alpinismo, a ciência era uma se não a mais importante razão para subir montanhas. Portanto, não seria incoerente supor que a ciência continuaria a ser uma razão importante para a classe média britânica começar a escalar. Certamente porque a ciência foi muito importante na sociedade britânica e, mais especificamente entre a classe média alta. No entanto, este não era o caso.

A ciência foi importante no mundo do montanhismo, mas para quase nenhum alpinista britânico a partir de 1850, a ciência era a força motriz por trás de suas façanhas do montanhismo. O papel da ciência era outro. Em suma, a ciência foi usada para dar um propósito socialmente aceito para o montanhismo. Como vimos, a maioria das pessoas estava bastante hostil contra montanhismo porque era perigoso e simplesmente não tinha utilidade. Só o alpinismo em nome da ciência poderia gerar alguma aprovação, já que muitas pessoas pensavam que “qualquer falha que registrasse uma infinidade de fatos, números e datas, seria um passo para trás no dever social e moral”.

Assim sendo, muitos dos montanhistas pioneiros alegavam que  escalavam para a ciência, embora tivessem realmente razões completamente diferentes para fazê-lo. A ciência foi mais um sofismo do que um motivo real. O fato de que a maioria destes alpinistas fez algumas experiências científicas enquanto escalava tinha que ser visto de um ponto de vista diferente, como um dos companheiros de Albert Smith testemunhou em sua ascensão ao Mont Blanc: “Eu recomendo fortemente qualquer pessoa que tenha ambição de escalar o Mont Blanc a considerar bem antes de tentar uma expedição que pode não produzir bem algum para si próprio ou para os outros, e que a escalada é acompanhada de terrível risco…

Continua na parte 2…

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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