Logo se iniciará mais uma temporada de escaladas ao Everest, e na última, dois brasileiros chegaram até o cume. Como tem muita gente de olho, buscando juntar os recursos financeiros necessários para custear as suas escaladas, resolvemos escrever algumas dicas e números para ajudar na planificação financeira.
Everest – Foto de Manoel Morgado
ESCALAR O EVEREST É CARO?
Sem rodeios:
Não é uma escalada acessível aos bolsos da esmagadora maioria das pessoas.
Mesmo para aqueles que conseguem reunir o montante necessário, é preciso planejamento financeiro minucioso para concretizar o sonho de pisar no topo do mundo.
Custos com a escalada (que são normalmente absolvidos pela empresa escolhida)
Eventualidades/Custos Extraordinários
Vamos analisar cada um desses componentes individualmente.
PASSAGENS AÉREAS
Para se ter uma ideia do custo envolvido, procurando promoções no Submarino, verifica-se que as passagens aéreas de ida e volta até Kathmandu, partindo do Aeroporto Internacional de Guarulhos, saem:
R$ 5.412,00 pela Qatar Airlines
R$ 5.421,00 pela Turkish Airlines
R$ 7.131,00 pela Emirates
R$ 7.417,00 pela Air China
Partindo do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, as opções diminuem, e o preço das passagens fica:
R$ 6.137,00 pela Qatar Airlines
Os preços, obviamente, oscilam ao longo do ano, os valores acima são exemplificativos.
Para a maior parte dos brasileiros, ainda é necessário computar vôo de seu aeroporto mais próximo até São Paulo ou o Rio de Janeiro, para fazer a conexão internacional.
GASTOS EM KATHMANDU
Grande parte dos pacotes fornecidos pelas empresas de excursão incluem a hospedagem em Kathmandu, que é o ponto de chegada e de partida das expedições ao Everest.
Campo base do Everest – Google
Algumas fornecem inclusive a alimentação durante a estadia na capital do Nepal. Mas, depende do pacote (bom ler com atenção o que está ou não incluso na companhia escolhida).
Partindo do princípio que a hospedagem está incluída no pacote escolhido, ainda há outros gastos em Kathmandu que precisam ser sopesados. Alguns deles incluem passeios extras que não estão no pacote, alimentação, eventuais compras de souvernirs ou suprimentos de última hora para a escalada etc. Portanto, é bom incluir alguns dólares a mais para cobrir essas eventualidades.
COMPRA/ALUGUEL DE EQUIPAMENTOS
A maior parte dos montanhistas leva consigo praticamente todos os equipamentos básicos, mas há aqueles que esquecem de levar alguma coisa ou optam por levar menos itens para não pagar excesso de bagagem.
No distrito de Thamel, na capital nepalesa, há uma quantidade absurda de lojinhas (muitas esculhambadas, diga-se de passagem) de aluguel e venda de equipamentos. A maior parte delas são armadilhas para turistas, vendendo falsificações e produtos de segunda linha, recondicionados e de qualidade duvidosa.
Assim, melhor seguir as orientações dos guias de expedição para não entrar em roubada, se precisar comprar ou alugar alguma coisa. O ideal mesmo é, se possível, já sair do Brasil com os equipamentos comprados e testados. A Loja AltaMontanha oferece uma variedade grande de produtos que serão úteis para escalar o Everest. Vale a pena consultar!
Há produtos de todos os tipos e todos os preços, e a quantidade e o valor a ser utilizado dependem de suas necessidades e do valor que está disposto a gastar.
CUSTOS DA EXPEDIÇÃO
1) Aumento recente nas despesas das expedições
Os custos aumentaram muito nos últimos anos por muitos motivos.
Primeiro, os guias de escalada e o pessoal de apoio nepalês estão cada vez mais qualificados e experientes e, portanto, são cada vez melhor agraciados.
Rota entre o acampamento 1 e 2 – Everest a direita – Fonte: Arquivo pessoal – Autor: Axel Cezar
Por exemplo, os sherpas costumam ganhar entre 2.000 e 4.000 dólares, ao passo que os sherpas de elite (aqueles com muitos cumes no EV e os sirdars) podem fazer entre 4.000 e 5.000 dólares por temporada, com direito a bônus no caso de cume, que pode variar entre 300 e 3.000 dólares. Já os guias ocidentais das grandes companhias podem chegar a fazer US$ 50.000 por expedição. Esses valores eram bem menores há 10 ou 15 anos, mas têm crescido desde então.
Também a estrutura das empresas foi melhorando. As principais companhias têm barracas confortáveis e incontáveis luxos, com alimentação de primeira qualidade.
Ainda pesa o fato de o valor das licenças de escalada (permits) ter subido recentemente. Desde os anos 90, era US$ 10.000 por alpinista, mas a partir de 2015 aumentou para US$ 11.000.
2) Novo ônus imposto pelo Governo do Nepal
A partir de 2016, começaram a pipocar notícias de que o Governo do Nepal passaria a exigir experiência para aqueles que querem escalar o Everest. Assim, passaria a ser necessário comprovar a escalada de uma montanha de 7000 ou 8000 metros para passar a ter direito de tentar o Everest. Por exemplo: https://thehimalayantimes.com/nepal/govt-sets-new-rules-mountaineers/.
O pretexto para essa medida é evitar os engarrafamentos na rota nepalesa e impedir que escaladores inexperientes se aventurem, aumentando com isso a segurança. Todavia, nas entrelinhas, está a possibilidade de aumentar a arrecadação (o turismo e os permits são a principal fonte de renda para a combalida economia nepalesa).
Waldemar Niclevicz no Everest em 1991. – Fonte: Site do Waldemar Niclevicz
Para se ter uma ideia do impacto dessa medida, verificando-se algumas das mais populares opções, o escalador gastará a mais, por exemplo:
29.950 dólares (R$ 98.935,00) – se optar pelo Cho Oyu [pela Adventure Consultants]
18.000 dólares (R$ 72.600,00) – se optar pelo Manaslu [pela Soul Outdoor]
10.000 dólares (R$ 27.600,00) – se optar pelo Baruntse (7129m) [pela Soul Outdoor]
6.400 dólares (R$ 21.100,00) – se optar pelo Tilicho (7135m) [pela Climb High Himalaya]
5.900 dólares (R$ 17.700,00) – se optar pelo Khan Tengri (7010m) [pela Ak Sai Travel]
5.050 dólares (R$ 16.666,00) – se optar pelo Pik Lenin (7126m) [pela Ak Sai Travel]
2.950 dólares (R$ 9.735,00) – se optar pelo Muztagh Ata (7546m) [pela ClimberCA]
Do “outro lado da montanha”, Tibete/China, não há essa exigência de experiência prévia, o que barateia o orçamento. Todavia, os permits são bem escassos e mais controlados pelo Governo de Pequim, de tal sorte que é um cenário um pouco mais instável (por exemplo, neste ano foram proibidos de escalar, sem aviso prévio, o Cho Oyu, o Shishapangma e o Everest alpinistas estrangeiros que tinham estado no Paquistão nos dois anos anteriores). As regras mudam o tempo todo.
3) Quanto as Companhias Estrangeiras estão cobrando?
As companhias mais renomadas cobram na faixa de 50 a 70 mil dólares.
Há vários operadores alternativos, normalmente empresas nepalesas, ofertando serviços mais simples na faixa dos 35 a 45 mil dólares.
Existem, ainda, opções mais em conta ainda.
É necessário alertar, contudo, como tem sido noticiado mundo afora, que selecionar operadores mais em conta pode aumentar o risco de acidentes, morte e de insucesso. O importante é se informar bastante sobre a qualidade dos serviços prestados, a taxa de sucesso e a confiabilidade, antes de fechar contrato.
4) E as Companhias Brasileiras?
A Grade 6 organiza expedições ao Everest, utilizando-se de logística nepalesa, tendo já levado ao cume vários brasileiros, em expedições lideradas por Rodrigo Raineri e Carlos Santalena. No sítio há informações básicas sobre o pacote oferecido, mas o preço é unicamente sob consulta: http://www.grade6viagens.com.br/expedicao/nepal/monte-everest/.
Já a Morgado Expedições é especializada em trekkings até o campo-base do Everest, sendo que Manoel já realizou mais de 60 caminhadas até o Everest, levando literalmente centenas de brasileiros a ter contato com as belezas do Khumbu. No site não há informações sobre expedições propriamente, mas não custa entrar em contato: http://morgadoexpedicoes.com.br/.
Da mesma forma, a empresa Soul Outdoor, de Maria Tereza Ulbrich e Pedro Hauck, também passou a operar no Everest e outras montanhas de 8 mil metros em 2018, assim como preparação com cursos e treinamentos em montanhas andinas, como o Curso de Alta Montanha, realizado todos os anos na Bolívia. Pedro acompanha seus clientes, oferecendo roteiros para que os mesmos ganham experiência e cheguem com mais chances de fazer cume no Everest.
III – Acomodações em pousadas na marcha de aproximação ao campo-base
IV – Transporte de equipamentos pessoais até o campo-base
V – Taxa de permit (licença de escalada)
VI – Taxas dos sherpas (excetuando os bônus e gratificações por ter feito cume)
VII – Alimentação e despesas ao longo da expedição
VIII – Gastos com os cilindros de oxigênio
IX – um Sherpa por cliente durante o ataque ao cume, com supervisão de guias
Não estão incluídos, via de regra, bebidas, almoço e janta em Kathmandu, passeios fora do pacote, gastos pessoais, compras, valor de bônus/gratificação aos sherpas e guias pela ascensão bem sucedida ao cume, gastos com ligações telefônicas desde o Everest (as companhias providenciam ligações via satélite, que custam entre 5 e 10 dólares por minuto), utilização de internet etc.
Mas, para todos os itens acima há exceções (por exemplo, na Kobler&Partner, dez e-mail estão incluídos no pacote, sem custo extra). Assim, reforço, é necessário olhar quais itens são disponibilizados ou têm de ser pagos à parte.
b) Pacote Reduzido
As pequenas companhias e os pacotes mais baratos são bem mais simples e oferecem menos itens, sendo necessário pagar quase tudo à parte. Além disso, as condições são mais precárias, as chances de atingir o cume diminuem e o risco de acidentes ou morte disparam, sobretudo para os alpinistas menos experientes.
c) Mimos das Grandes Companhias
Algumas companhias têm estruturas incríveis, como tendas gigantes climatizadas com temperatura agradável o tempo todo (IMG, Himex, Altitude Junkies, Alpine Ascents), chão acarpetado (Adventure Consultants), home theather/cineminha (IMG, Himex, Jagged Globe), banhos quentes no campo-base (Alpine Ascents), mesas de sinuca e de pingue-pongue (7 Summits Club), além de promoverem festas com música, bebidas e snacks para passar o tempo no campo-base.
Além disso, já houve torneio de mini golfe no campo-base tibetano (pela companhia RMI), jogo de futebol também no campo-base tibetano (Adventure Consultants), e uma rave este ano no campo-base nepalês (com o DJ Paul Oakenfold).
6) Gastos extraordinários/Eventualidades
a) Seguro de Viagem/Evacuação em caso de emergência
Como “é melhor prevenir do que remediar”, é bom consultar a empresa de alpinismo escolhida (pode ser uma das da tabela acima, ou outra qualquer) para verificar qual seguro de viagem é o mais indicado, para cobrir as eventualidades.
Rota para o topo do Everest
Exemplificando, o número de resgates de helicóptero tem tido alarmante aumento nas últimas temporadas (exemplos concretos: a brasileira Cleo Weidlich teve que ser resgatada no Kangchenjunga em 2011. Neste ano, houve inúmeros resgates, incluindo dois argentinos no Everest). Logo, não é algo incomum. O serviço de resgate não é nada barato: pode sair entre 4.000 e 10.000 dólares.
Há apólices de seguro que cobrem este valor, outras não.
Por exemplo, para quem vai escalar pela Himex, eles oferecem “Medical Evacuation Enrollment”, que custa 455 dólares por 30 dias de seguro (plano completo) ou 229 pelo pacote unicamente de evacuação por helicóptero, sem cobrir custos médicos. Outras companhias indicam a Travelex, a Global Rescue ou outras mais.
b) Bonificação aos Sherpas
Na maior parte das companhias, é esperado que o alpinista pague bônus aos sherpas no caso de expedições bem sucedidas, um prêmio pelo desempenho e apoio desses nepaleses. Muitos alpinistas pagam entre 1.000 e 2.000 dólares de gratificação em caso de cume, além de 100 a 300 dólares para o pessoal que cuida da cozinha e da limpeza. Assim, por exemplo, a Seven Summits Treks recomenda “pagar 1.500 dólares a título de Sherpa Summit Bonus, além de um extra para gratificar o pessoal de cozinha e de apoio”. Para os brasileiros, que não estão acostumados com tips, é difícil digerir essa sistemática (além de todo o valor gigantesco dispendido para pagar a expedição, ainda é necessário desembolsar este extra no final).
c) Personal Sherpas
Além disso, muitas companhias oferecem, por um preço extra (variável dependendo da empresa, indo de 4.000 a 10.000 dólares), a possibilidade de escalar com um personal sherpa, que ficará destacado com exclusividade para acompanhar o cliente passo a passo ao longo de toda a expedição. No caso de cume, é usual pagar a este sherpa bônus (10 a 20% do valor acima).
d) Oxigênio Turbinado
Muitas companhias oferecem a possibilidade de dobrar a quantidade de oxigênio a ser utilizado ao longo da expedição, o que facilita a escalada e maximiza a chance de cume. Por exemplo, a Adventure Consultants tem o programa “Max Ox”, que duplica a taxa de fluxo de oxigênio (ao invés do usual 2-3 litros escalando e 0,5 litros dormindo, o cliente recebe 4-5 litros escalando e 1 litro dormindo). Já a 7 Summits Club tem o programa VIP Everest, no qual os clientes recebem o dobro do oxigênio (12 cilindros ao todo), além de estarem acompanhados por dois sherpas.
ALTERNATIVA PARA OS TREKKERS: ESCALADA PARCIAL
Por preços bem mais em conta, algumas companhias estão realizando trekkings bem mais interessantes e radicais. Ao invés de caminhar apenas até o campo-base do Everest, há pacotes para aqueles que querem experimentar a escalada, mas sem ir até o cume.
Por exemplo, a IMG oferece trekking avançado, com possibilidade de experimentar a travessia da cascata de gelo do Khumbu e ir até o campo 2, campo 3 ou até mesmo até o campo 4 (Colo Sul), mas sem tentar o cume, por preços reduzidos.
Do outro lado da montanha, a 7 Summits Club oferece trekkings turbinados por escalada até o Colo Norte do flanco tibetano (por 14.900 dólares).
Há outras alternativas no mercado.
Mas se você quer começar com um trekking mais tranquilo, o ideal é começar com o trekking ao campo base do Everest, um roteiro cênico e muito mais tranquilo. Caso tenha interesse, disponibilizamos um guia de equipamentos e como se preparar para essa expedição, confira abaixo:
FORMAS DE CUSTEAR UMA EXPEDIÇÃO
Como no Brasil é difícil sensibilizar potenciais patrocinadores para o montanhismo, muitos brasileiros acabaram indo ao Everest com dinheiro do próprio bolso, caso por exemplo de Ana Elisa Boscarioli, como confessou em entrevista para a revista Isto É.
Outros têm a sorte de ter apoiadores/patrocinadores. Assim, Waldemar Niclevicz tem longas relações com O Boticário (que o apoia desde longa data), além de ter conseguido patrocínios eventuais para outras empreitadas (por exemplo, Paulista Seguros, Livraria Saraiva, TAM, Net Virtua etc.). Rosier Alexandre, por sua vez, contou com o apoio de Unimed, 3 Corações, Braselco, Sesi, BSPAR e outras na concretização de seu sonho de escalar os 7 Cumes. Mesmo nesses casos, boa parte dos custos da expedição têm que ser complementados com recursos dos próprios escaladores.
Por fim, há aqueles que vão ao Everest por profissão, na qualidade de guias, casos de Manoel Morgado, Rodrigo Raineri e Carlos Santalena.
Ama Dablan, a montanha mais bonito que fica no caminho ao Everest – Fonte: Unsplash
Em todos esses casos, é necessário planejar com calma o custeamento das expedições, pois são muitos detalhes e muitos custos envolvidos.
De se notar que tem se popularizado nos últimos tempos, para sensibilizar as empresas, abraçar “causas sociais” como motivo para a escalada do Everest. Assim, multiplicam-se as expedições para chamar a atenção para o aquecimento global, a discriminação, a violência, algum tipo de doença ou deformidade, a exploração infantil etc. etc. Muitas dessas causas são justas e os escaladores realmente estão imbuídos do espírito de fazer algo em prol dos outros. Por outro lado, infelizmente, tem proliferado o número de charlatães, que usam essas causas sociais como pretexto, abraçando-as de última hora, de forma oportunista, apenas para conseguir o dinheiro e escalar o Everest, sem ter de fato a causa como meta de vida (há vários casos bem chatos que foram divulgados na mídia do exterior). Um verdadeiro “estelionato” para fins pessoais.
Outra forma de conseguir dinheiro que tem se popularizado é o crowdfunding, que é o financiamento coletivo das expedições por meio de sites especializados na internet, ou mesmo por meio de apelo ao público em geral por meio de sites/mídias sociais.
Por exemplo, na expedição ao Pólo Sul de 2012, Manoel Morgado lançou o financiamento coletivo “Adote um Quilômetro”, no qual cada apoiador desembolsava 300 reais, adotando um quilômetro da expedição rumo ao extremo sul do planeta e ganhava incentivos em troca (tickets para a palestra, cópia autografada do DVD etc.). Niclevicz fez o mesmo em sua expedição ao K2 em 2000: entre aqueles que contribuíram, foi realizado sorteio de um para acompanha-lo até o campo-base.
Se você quiser conhecer as dificuldades de uma pessoa real, confira o vídeo com o relato de Gil Piekars sobre sua experiência no Everest:
Enfim, se o seu sonho é, em algum lugar do futuro, escalar o Everest, espero que esse artigo tenha ajudado no seu planejamento financeiro para atingir os seus objetivos. E boa escalada !
Por: Rodrigo Granzotto Peron Finalização do texto: 8 de junho de 2017
Rodrigo Granzoto Peron é o mais importante historiador do montanhismo brasileiro. Ele coleta e compila informações de expedições a grandes montanhas contribuindo para a memória do montanhismo nacional. Já colaborou para diversos meios, como Revista Desnível, Explorer's Web e outros.