Um pouco de história

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Montanhismo de fim de semana

As montanhas
do Garumby desde sempre dominam a paisagem da Villa do Menino Deus dos Três
Morretes e ainda hoje são vistas de qualquer esquina da cidade, mas é provável
que numa tarde modorrenta do ano de 1872, um cabloco conhecido por Carmeliano
deixou sobre o balcão as cambucas em que triturava ervas e se dirigiu a porta
da pharmácia. De lá, enquanto esticava um fio de fumo sobre a folha de palha de
milho já cortada em retângulo, olhava as nuvens passarem ligeiras por detrás do
cume na montanha azul. Sentado na soleira de pedra, passou a língua úmida pela
lateral da folha, terminou de enrolar e o acendeu com um tranco na pedra do
isqueiro. Distraía-se com os vapores quando seu devaneio foi interrompido pela
voz do compadre Bento que parava ao lado do boticário para um dedo de prosa.

– Boa tarde
compadre! Tá amuado perscrutando chuva por detrás dos morros?

– Não compadre
Bento, o tempo tá bom. – e continuou depois de atingir o sapo , que  saía de fininho, com uma cusparada
certeira – tava pensando em subir naquela pedra pra ver o mar.

– Pois vou
contigo compadre, mas quando?

– Domingo, depois
da missa!

De bobo nem a
cara o matuto tinha, pois através dos engenheiros que construíam a estrada de
ferro, estava muito bem informado do nascente alpinismo europeu e suas mais
recentes conquistas, mas muitos domingos e missas se passariam antes que os compadres
Bento, Carmeliano, Mecias e Antonio Silva desfraldassem o estandarte branco, na
ponta duma vara de bambu, sobre o monólito mais alto da serra enquanto os fogos
riscavam os céus da vila aos seus pés. Até imagino Carmeliano riscando a
pederneira para depois de duas ou três baforadas procurar, com os olhos, por um
sapo.

Nascia assim o
montanhismo esportivo no Brasil e a tradição paranaense de subir o Marumbi nos
finais de semana. A mania contagiou as levas de imigrantes que o seguiram
aproveitando a comodidade oferecida pela estação Taquaral e no meio século
seguinte, muitos sobrenomes sonoros desceram dos vagões puxados pela Maria
fumaça, damas e crianças se divertiram em alegres pickniks espalhados pelas
colinas nuas do morro da cruz enquanto pais e maridos galgavam os contra fortes
da montanha, depois elas também resolveram ver o mar do alto dos rochedos.

Carmeliano nos
mostrou o caminho das pedras e esta prática foi crescendo e se espalhando com
os anos e séculos até subirem em tudo que é pedra, nos cinco continentes. Muitos
povos cresceram a sombra das montanhas, mas os paranaenses desde muito cedo
aprenderam a escalar o colosso.  Assim se
fez a história e posso jurar que é quase tudo verdade.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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