A conquista do Nanga Parbat no inverno no dia 26/02/2016 é fato histórico no montanhismo mundial. Neste artigo de Rodrigo Granzotto Perón ele comenta o contexto desta grande escalada e seu significado.
Foram 30 expedições anteriores (desde 1988), integradas por muitos dos melhores e mais fortes alpinistas extremos de todos os tempos, e o Nanga Parbat derrotou-as todas, uma a uma, sem piedade.
No entanto, dois times conseguiram furar a defesa do gigante paquistanês e na base da paciência, da união de esforços e da raça atingiram o ponto mais alto do Nanga Parbat em 26.02.2016, escrevendo um dos capítulos mais bonitos de toda a corrida invernal na Alta Ásia.
A primeira das expedições que uniu esforços foi a internacional de Alex Txikón que, originalmente, era integrada por Ferrán Latorre (que deu para trás em novembro de 2015), Janusz Golab (que não participou) e Daniele Nardi (que abandonou o time após brigas e desentendimentos com o líder espanhol). Sobraram, então, apenas Txikón e seu fiel escudeiro Mohammad Ali III.
A segunda das expedições era composta por Simone Moro, o mais experiente alpinista invernal de todos os tempos, e Tamara Lunger.
O ataque decisivo ao cume – que começou na manhã de 22 de fevereiro (um dia com fortes ventos e muita neve) – estava envolto em dúvidas, considerando que nenhum dos quatros alpinistas estava devidamente aclimatizado (ninguém havia estado acima dos 6600 metros até então). Não obstante, no primeiro dia escalaram 1600 metros de desnível e aportaram no Campo 2 (6200 metros), deixando para trás várias das partes mais técnicas e complexas da Rota Kinshofer.
No dia 23 não puderam escalar e ficaram presos dentro da barraca no Campo 2 devido às péssimas condições climáticas.
No dia seguinte, apesar do clima ruim e de muito frio (sensação térmica de -35ºC) continuaram escalando e chegaram ao Campo 3 (6700 metros) e se colocaram em boas condições para a investida final (a previsão meteorológica animou os montanhistas, pois uma janela de bom tempo estava para se abrir em 26 de fevereiro e duraria 2 ou 3 dias).
No dia 25, venceram o tramo técnico final, deixaram a Kinshofer Wall para trás e atingiram o Campo 4 (7200 metros).
No dia 26, com clima bom e condições favoráveis, fizeram história e pisaram no cume as 15:37, hora local.
Em 2012, Simone Moro disse que “ter tempo e paciência é a chave para o alpinismo invernal extremo”. E foi justamente a paciência de esperar mais de 50 dias dentro de uma barraca, em condições precárias, com muito frio, em meio às nevascas e ventanias, que foi a chave do sucesso em 2016. E a paciência foi muito bem recompensada, diga-se de passagem.
Tamara Lunger – único integrante da equipe que não fez cume – também fez bonito. Ela foi até quase 8000 metros e é a mulher que mais alto foi num 8000 invernal no Paquistão.
CURIOSIDADES:
I – Simone Moro, o “Sr Inverno”
O italiano Simone Moro sempre foi conhecido por um alpinismo de vanguarda, com seus speed ascents no Lhotse (1994, em 17 horas), Cho Oyu (2002, em 11 horas) e Broad Peak (2003, em 29 horas), e tentativas de novas rotas em vários 8000ers.
A partir dos anos 2000, Simone passou a focar no alpinismo invernal.
Em 2005, veio o primeiro sucesso, com cume no Shishapangma, na companhia de Piotr Morawski. Em 2009, o segundo êxito, no Makalu, com Denis Urubko. Em 2011, conquistou invernalmente o primeiro dos gigantes paquistaneses, o Gasherbrum II, de novo com Urubko e Corey Richards. Neste ano, com o Nanga Parbat, seu quarto sucesso, Simone Moro galgou o olimpo dos montanhistas invernais, com mais conquistas do que qualquer outra pessoa, o que faz jus ao seu apelido de “Mr Winter” (“Sr Inverno”).
Lista das expedições invernais de Simone Moro:
1997/1998 – Annapurna
2004/2005 – Shishapangma – CUME
2006/2007 – Broad Peak
2007/2008 – Broad Peak
2008/2009 – Makalu – CUME
2010/2011 – Gasherbrum II – CUME
2011/2012 – Nanga Parbat
2013/2014 – Nanga Parbat
2014/2015 – Manaslu
2015/2016 – Nanga Parbat – CUME
Com dez expedições para sete montanhas distintas e quatro cumes, não há quem o supere no inverno.
II – Quem é “Ali Sadpara”?
O menos festejado dos integrantes do time que fez a primeira invernal do Nanga Parbat é Mohammad Ali III (chamado erroneamente em muitos sites de “Ali Sadpara”), montanhista e porteador da vila de Sadpara, na região de Gilgit, Baltistão, Paquistão.
Já participou de múltiplas expedições a todos os cinco 8000ers paquistaneses. Sua primeira conquista foi o Gasherbrum II em 2006, em expedição da Amical, empresa alemã. Também ascendeu o Gasherbrum I em 2010, expedição de Cleo Weidlich. Além disso, culminou três vezes o Nanga Parbat. A primeira em 2008, também pela Amical. A segunda em 2009, com o famoso português João Garcia. Por fim, o terceiro cimo veio neste ano, em pleno inverno, onde ele bateu alguns recordes.
Mohammad Ali III é o primeiro paquistanês a culminar um 8000 no inverno.
Além disso, Mohammad é a primeira e única pessoa a culminar o Nanga Parbat 3x, tornando-se recordista isolado nesse quesito.
III – Brasil vs Nanga Parbat
O Brasil tem poucas relações com o Nanga Parbat, e todas por intermédio de alpinistas com dupla cidadania.
No final dos anos 90, o franco-brasileiro Michel Vincent, para comemorar seus 50 anos, escalou com sucesso o Nanga Parbat, atingindo o cume em 02.07.1999, em expedição internacional de Peter Guggemos, que incluía também André Tremouliere, Allan Christensen e Mads Granlien.
Além desta conquista, houve duas outras tentativas por parte da americano-brasileira Cleonice Wedlich recentemente. Em 2010, ela alegou ter chegado a 7000 metros na rota normal com Mohammad Ali III. Em 2016, ela chegou no campo-base da rota Schell com muito atraso, o que gerou polêmica e “críticas de oportunista e aproveitadora por tentar uma rota que os poloneses haviam trabalhado e que ela podia levar vantagem das cordas fixas etc. colocadas pelos polacos” (site Desnivel, notícia de 23 de fevereiro). Nessa segunda tentativa, na companhia de Pemba Tshering Sherpa, Temba Bhote e Dawa Sherpa, não passou do C1 (5100 metros).
IV – K2: O Capítulo Final
Eis a lista dos 8000 conquistados no inverno até os dias de hoje:
01 – 1980 – Everest – Wielicki & Cichy (POL)
02 – 1984 – Manaslu – Berbeka & Gojewski (POL)
03 – 1985 – Dhaulagiri – Kukuczka & Czok (POL)
04 – 1985 – Cho Oyu – Berbeka & Pawlikowski (POL)
05 – 1986 – Kangchenjunga – Kukuczka & Wielicki (POL)
06 – 1987 – Annapurna – Kukuczka & Hajzer (POL)
07 – 1988 – Lhotse – Wilicki (POL)
08 – 2005 – Shishapangma – Moro (ITA) & Morawski (POL)
09 – 2009 – Makalu – Moro (ITA) & Urubko (KAZ)
10 – 2011 – Gasherbrum II – Moro (ITA), Urubko (KAZ) & Richards (EUA)
11 – 2012 – Gasherbrum I – Golab & Bielecki (POL)
12 – 2013 – Broad Peak – Bielecki, Berbeka, Malek & Kowalski (POL)
13 – 2016 – Nanga Parbat – Moro (ITA), Txikon (ESP) & Mohammad (PAQ)
A mais difícil de todas as montanhas de 8000 metros, o K2, ficou por último e agora é a única não culminada no inverno.
A tarefa é tão complicada que muitos analistas sustentam que não é possível culminar no inverno o K2 em expedição pequena, e que seria necessário uma grande expedição com muitos alpinistas para a empreitada. Também se diz que não é possível submeter o K2 nesta estação do ano sem oxigênio engarrafado. A resposta a esses dilemas vamos ver em breve, pois agora é provável que várias expedições se dirijam “à caça do último 8000 virgem no inverno”.
Uma única coisa é certa. O rei do inverno – Simone Moro – não vai estar presente em nenhuma delas. Sua esposa sonhou que ele morreria tentando o K2 no inverno e o fez prometer que nunca tentaria. E ele prometeu!
Histórico do K2 no Inverno até hoje:
01 – 1987/1988 – Expedição polonesa – 7300 metros
02 – 2002/2003 – Expedição internacional – 6500 metros
03 – 2011/2012 – Expedição russa – 7200 metros
04 – 2014/2015 – Expedição internacional – cancelada (permit não concedido)
por Rodrigo Granzotto Peron
texto finalizado em 28.02.2016
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