A desafiadora Travessia Bairro Alto x Marco 22: 4º Dia

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A travessia Bairro Alto x Marco 22 vai de Antonina até a estrada da Graciosa no Paraná, passando por 10 cumes, trilhas fechadas (e até locais onde ela não existe) e é uma das mais difíceis e bonitas do Brasil. Acompanhe o dia a dia desta pernada perrengosa feita por Luciana e seus amigos.

 
Acordamos assim que começou a clarear o dia. Tomamos o café e arrumamos as coisas na mochila rapidamente. O fato de ter bivacado ajudou muito na questão da agilidade para guardar o equipamento. 
 
Com pressa, saímos a procura da continuação da trilha, que encontramos a uns 90º de desvio de onde estávamos indo na noite anterior. 
 
Descemos mais em direção ao vale do Siri. O mato era bem fechado e começaram a surgir várias fendas bem profundas.
 
Se tivéssemos percorrido essa trilha no escuro, possivelmente alguém cairia em alguma delas, e um resgate ali é bem complicado. No fim, foi uma benção não achar a continuidade da trilha no dia anterior.
 
Assim prosseguíamos com cuidado. O Tiago estava mais a frente abrindo a trilha, e nós três logo atrás, se desvencilhando das taquarinhas e cuidando as gretas ao mesmo tempo. Começamos a brincar com a situação, encarando a dificuldade da travessia com bom humor, pois quem não é habituado à atividade ou aqueles que não conhecem aquela Serra, não imaginam o que passamos. Então ficávamos ironizando, imaginando os comentários inocentes daqueles que depois só veriam as fotos: que lindo o “passeio” de vocês! Ou então: que “caminhada” linda; faço caminhadas nos finais das tardes, tenho condições de fazer uma dessas? Dá para levar o meu filho de 7 anos? E a listagem de frases continuava. O Marcelo ainda criou a classificação de trilha não recomendada para madames.   
 
Haviam trechos em que o mato estava tão cerrado, que não era mais possível enxergava mais o Tiago, nem mesmo descobrir por onde ele havia passado. Então chamava por ele para identificar o lado que ele estava. Quando ainda a dúvida perpetuava, perguntava:
– Direita ou esquerda? 
 
Em uma parte ele dobrou a esquerda e fui seguindo seu rastro. De repente, deparei com uma “rede” de raízes finas que cobriam uma greta. O rasto dele passava por ali, mas será mesmo que passou por cima daquela greta? A rede talvez aguentasse meu peso, mas e os guris que além de serem mais pesados, estavam de cargueira? 
 
Sentei e em uma pedra e fui passando cuidadosamente até que meu pé tocou uma pedra embaixo da rede de raízes. 
 
Achando que nós estávamos demorando para passar o Tiago incentivava: 
– Vamos lá pessoal! É travessia pesada!
E a resposta era uniforme:
– Capaz, nem percebemos…   
 
Ao passo que saímos do vale vimos o Conjunto Marumbi.
 
Em seguida encontramos a ligação da trilha “por baixo” do Ciririca. Fiquei super feliz, pois subir o Ciririca era um sonho antigo. 
 
Começamos a subir o K2 paranaense e num trecho o Tiago foi verificar o GPS e falou que faltavam cerca de 200 metros para o cume. Então logo chegaria a temível rampa.
 
Atingimos um ponto em que havia bastante pedra exposta. O Tiago consultou novamente o GPS e olhou pra mim:
– Lu, isso aqui é a rampa!
– Essa barbada aqui?
Respondi surpresa. 
 
O bicho papão estava desmascarado. A tal rampa que tinha lido em vários que era um terror, era na verdade uma barbada. Subi a rampa rindo e em determinadas partes em pé. 
 
Logo chegamos ao cume do Ciririca (1705 metros), e depois seguimos para as placas, onde a vista estava o caderno do cume e a vista era mais bela. 
 
Muitas pessoas fazem a “caveira” do Ciririca, dizem que é muito difícil, que a rampa é muito perigosa, que é o K2 paranaense. Mas não concordo com nada disso. A trilha, além de não ser tão difícil, é muito bonita. A subida da face leste do Ferraria é mais difícil, merecendo o título de K2 paranaense. 
 
A descidinha era bem lisa, mas bastante divertida. Nada como os arbustos e taquarinhas para dar um apoio. Apesar de bastante lisos, os trechos com corda foram bem tranquilos de descer. 
 
Durante a descida dá para ver o avião do antigo Banco Bamerindus que se chocou na serra em 1989.
 
Chegamos no Colina Verde perto das 12:00 e o Tiago decidiu atacar os Agudos Lontra (1416 metros), e Cotia (1464 metros). Eu e os outros dois guris decidimos espera-lo, pois o ritmo dele de caminhada era mais rápido e tínhamos pressa de chegar ainda na Garganta 235 até o fim do dia. Marcamos o ponto de encontro para o almoço na água mais próxima.
 
Eu, o Fábio e o Marcelo seguimos na direção da água e o Tiago rumou para o Agudo Lontra.
 
Esperamos por ele no ponto combinado por quase uma hora. Enquanto isso, aproveitando a água corrente e limpa, recarregamos os refis de água, passamos água no rosto e ficamos tagarelando. 
 
De repente retorna o Tiago e pergunto como foi de Trilha ao Agudo Lontra.
– Uma   …
Ele responde com cara de poucos amigos. Caímos na risada.   
– Não tinha trilha. Só mato, espinho e um calor terrível para pouca vista.
 
Almoçamos ali mesmo e logo continuamos a descer para atingir o rio Forquilha ainda no início da tarde, passando por uma transição entre os campos de altitude e a mata Atlântica.
 
O rio era muito bonito, com pedras gigantescas tapadas por musgos. Parecia cena de filme. 
 
Logo que começamos a pisar nas pedras inteiriças, eu andava com cautela, pois nas trilhas em leito de arroio daqui da região Central do Rio Grande do Sul, se aprende que não se deve pisar nas pedras inteiras. O basalto, a rocha daqui da região, é liso e quando molha é praticamente impossível ficam em pé nele. Na travessia que estávamos fazendo na Serra do Ibitiraquire, a rocha predominante é o granito, que possui grande aderência.
 
Ganhando confiança no granito, saltava de pedra em pedra, sempre cuidando para não molhar a bota. Havia mais um dia de travessia e o estado dela não era dos melhores, então não estava muito confiante em deixa-la molhada. 
 
Saindo do rio Forquilha, seguimos uma trilha subindo até a Garganta 235, que fica entre os Morros Tangará e Cotoxós. Agora um pouco mais aberto que aqueles que passamos nos últimos dois dias.
 
Primeiro descemos mais um pouco, chegando a uma parte em que teríamos que saltar sobre uma fenda que havia no meio do Caminho. Era uma fenda de mais ou menos um metro de largura e para chegar ao outro lado era necessário saltar para uma pedra que estava no outro lado da fenda, em um plano mais baixo em relação ao outro. O detalhe era que a pedra de aterrisagem era inclinada, então teria que acertar o seu ponto mais alto. Os guris pularam primeiro. Eu fiquei duvidando da minha capacidade, com medo de saltar menos que o necessário e acabar caindo na fenda. 
 
Então o Tiago se posicionou na beira da pedra para me segurar caso desse alguma zebra. Saltei e da beira da pedra de onde estava e cheguei a extremidade daquela do outro lado. Estava duvidando da minha capacidade à toa. Minha impulsão vai muito bem, obrigada. O problema é que o Tiago me segurou mesmo estando tudo sob controle. E segurou justamente o braço esquerdo, aquele lesionado. No momento em que coloquei os pés no chão, senti uma dor muito forte no ombro. Por reflexo, me agachei e levei a mão ao ombro esquerdo. Ele saiu do lugar novamente, se deslocando um pouco para frente. 
 
Fiquei curvada esperando que aliviasse a dor e lentamente empurrava o ombro para o lugar. E ele voltou! Que alívio. A dor diminuiu, mas continuou intensa, limitando um pouco os movimentos do braço esquerdo.
 
Assim começamos a subir para chegar até a Garganta. Eu ia mais para trás, caminhando lentamente e cuidando como me apoiava nas árvores para subir. Acredito que levamos no máximo 20 minutos até a caixa da Garganta 235. 
 
Sentei no tronco em frente à caixa e peguei o caderno, no qual fiz um breve relato de nossa jornada. Havia a assinatura do nosso amigo Sérgio Sampaio. Provavelmente ele tenha passado ali uma hora antes do que nós. 
 
O Tiago e o Fábio foram pra a outra ponta da Garganta para tentar algum sinal de celular, e o Marcelo sentou ao meu lado para também assinar o caderno. 
– Já são 17:40 e lá para baixo o mato está bem fechado além de ser bem inclinado. Acho melhor acamparmos aqui. Anunciou o Tiago.
 
Para mim foi um alívio, pois a dor no meu ombro não deu trégua e descer tentando usar um braço com movimentos limitados seria bem complicados. Como não tinha levado anti-inflamatório, peguei dois comprimidos com o Marcelo, deixando o segundo para tomar antes de dormir. 
 
Começamos a ajeitar outro bivaque. Isso até virou piada! Levamos as barracas para deitar em cima delas. Parecia coisa de quem não sabia armar uma.   
 
Me aconcheguei sentando em cima da barraca, com as costas em uma pedra. Logo preparamos uma panelada de chá para se aquecer antes da janta. 
 
Aquela noite foi longa. O local que acampamos não era muito confortável e por diversas vezes acordei com sons de animais. Um inclusive um chegou bem próximo à minha cabeça. Fiquei imaginando se fosse outra cuíca… Espero que sim.
 
Dados do 4º dia da travessia:
Distância: 10,45 Km a pé.
Altimetria: 1064 metros de aclive acumulado e 1349 metros de declive acumulado.
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Sobre o autor

Luciana Gomes Moro

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