A Fumaça e a Escondida

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A oportuna visita ao Rio Vermelho na semana anterior foi o pontapé inicial pra decidir refazer um tradicional e perrengoso bate-volta, coisa raríssima em se tratando deste q vos fala. A &ldquo,Ferradura da Fumaça&ldquo, é tida como a &ldquo,Petrô-Terê&ldquo, da região serrana de Paranapiacaba (guardadas as devidas proporções, claro!) embora na verdade esteja situada no limite municipal de Rio Gde da Serra com Sto André. Tb conhecida como &ldquo,Trilha do Lamaçal&ldquo,, &ldquo,da Fumaça&ldquo, ou &ldquo,das 7 Cachus&ldquo,, este pequeno circuito c/ formato de &ldquo,U&ldquo, nada mais é q um bate-volta adrenado q percorre o Rio das Areias até se debruçar serra abaixo via a grandiosa Cachu da Fumaça, pra novamente ganhar o planalto através do não menos encachoeirado Rio da Solvay. Enfim, um roteiro informal exclusivo de agencias locais q garante mto suor e altos visus, além de ser aventura contada à exaustão em verso e prosa em mais de uma ocasião.


Pois bem, quem me conhece bem sabe q dificilmente “assisto o mesmo filme duas vezes” e portanto voltar à famosa “Ferradura” deveria ter algum interessante diferencial pra me obrigar novamente a calçar as botas pra chafurdar através de sua enlameada picada. E ele surgiu qdo uma amiga, a Mari, comentou estes dias comigo a respeito de uma tal Cachu Escondida, atração local q julgava ser apenas mais um boato da região. Contudo, com infos mais precisas e localizada discreta e estrategicamente num rio transversal ao caminho da “Ferradura”, imediatamente a exploração ao topo da tal misteriosa queda d´água tornou-se a desculpa ideal pra voltar àquelas bandas sem qq tipo de remorso.

Assim sendo, às 8:10 estávamos eu, Laureci e Gibson saltando do latão de nº “924” no asfalto q interliga Sto André e Paranapiacaba, mais precisamente no km 45, observados atentamente pelas fumegantes chaminés da indústria Elclor. A previsão de mau tempo acabara afastando da empreitada o trio restante de confirmados, o q não deixava de ser oportuno tendo em vista a necessidade de velocidade e agilidade na trip.

Alonga aqui e estica ali, deixamos a estrada então pra adentrar numa larga picada em meio a mata baixa rumo sul, ao lado de uma torre de alta tensão. A sensação de frio matinal era agravada pela densa camada de nuvens acinzentadas pairando sobre a gente. Mas o tempo incerto não nos desanima nem um pouco e lá vamos nós, inicialmente chapinhando pequenas poças pra depois fatalmente ter de obrigar a enfiar a bota inteira na água gelada por terreno alagadiço, jogando uma pá-de-cal na tola esperança de manter o pé seco por mais tempo. É, tem chovido muito ultimamente aqui pela Serra do Mar e torço pra isso não ocorrer naquela manha de sábado, do contrario nossa incursão será mais breve q o previsto. Afinal, rios triplicam seu volume num piscar de olhos e há pelo menos 5 travessias de gdes cursos d´água no caminho.

A caminhada avança aparentemente por terreno menos úmido, sempre no mesmo compasso e rasgando a mata rumo sul. “Chap! Chap! Chap!” era o som natural recorrente de nosso avanço neste trecho inicial. No caminho, qual nossa surpresa ao passar por alguém acampado rente a trilha. Não com uma Nautica, Aztec, North Face ou Trilhas e Rumos, mas acomodado criativamente no interior de um gde plástico amarrado com barbantes na mata. Mas após um tempo chapinhar na água vieram os atoleiros por terreno terrivelmente enlameado, onde dava a impressão q a qq momento seriamos engolidos por legítima areia movediça.

Mas não tardou pra vereda mergulhar de vez na mata fechada, perdendo altitude suavemente, onde a picada deu lugar a uma enorme vala erodida pela qual avançamos bem no meio, espremidos pelo q parecia tb ser um cânion avermelhado em miniatura. Após cruzar um pequeno córrego a picada nivela em meio a mata cada vez mais densa, atravessamos mais um gde lamaçal pra finalmente desembocar no gde e calmo Rio das Areias, q aqui corre placidamente.

A picada cruza o rio e passa a acompanhá-lo pela sua margem esquerda, q logo nos leva a um enorme e bucólico poção, cercado de uma aprazível e simpática prainha arenosa q seria mto melhor aproveitada se o tempo estivesse mais favorável pra banho. São apenas 8:50 e aqui temos uma breve pausa unicamente pra fotos, nada mais. A pernada então prossegue sempre no mesmo compasso por trilha óbvia, acompanhando o rio pela esquerda em suaves sobe-desces, ora próximo ora afastado dele, porém sempre audível. Uma saída pela esquerda nos leva a um pequeno mirante onde infelizmente não temos vislumbre algum por conta do espesso nevoeiro q paira sobre a serra.

Mas após o mirante a picada volta a cruzar o rio, as 9:10, pra a partir dali acompanhá-lo o tempo td através do seu leito pedregoso, ora por um lado ora pelo outro, chapinhando pela água ou saltando de pedra em pedra. Uma bela cachu no caminho é mais um motivo pra breve pausa pra fotos, pra então a caminhada ter continuidade pelo leito rio abaixo, sempre em nível. O tempo passa e logo emergimos da mata agora em terreno mais aberto, porém ainda imersos no mais denso dos nevoeiros. Um vento forte sopra nossos rostos e o rugido de uma queda próxima anuncia a proximidade da beirada de serra.

Dito e feito, subitamente a caminhada termina e não há mais pra onde avançar. A partir dali o manso rio se debruça serra abaixo verticalmente numa impressionante queda, as 9:30. Estamos na Cachoeira da Fumaça. O visual é digno de nota, mesmo ligeiramente anuviado: o rio despenca de mais de 100m numa sucessão de quedas por paredões verticais em vários níveis, c/ poços em cada um deles, ao redor picos se levantam cobertos de mato por td extensão da Serra do Mar p/ depois tombarem abruptamente numa sucessão de escarpas menores ou gargantas rochosas sulcadas pra depois se perderem na planície q forma a baixada santista. Empoleirados numa oportuna rocha e donos absolutos do pedaço, ficamos ali á toa lagarteando naquele mirante privilegiado, curtindo o visual q começava abrir aos poucos descortinando Cubatão, ao longe. Pausa tb pra fotos. Muitas, diga-se de passagem.

As 10hrs retomamos nossa jornada, q agora consistia em acompanhar o rio, cachu abaixo. Do alto da Fumaça tomamos uma picada q sai pelo capim à esquerda da mesma, sobe um pouco pra depois despencar piramba abaixo, quase vertical. E tome descida íngreme, exposta e bem escorregadia! O chão de terra se encontra ligeiramente úmido e os apoios eram poucos, razão pela qual o único jeito é descer sentado, se agarrando no capim em volta. Mas após alguns ziguezagues o terreno arrefece ate dar&nbsp, no 1º poção ao sopé da queda q despencava do topo, onde paramos apenas pra alguns cliques. Ainda descendo pela esquerda, qual nosso susto qdo o Gibson tropeçou e caiu de mau jeito, pra depois afirmar q havia quebrado o dedo. Preocupados, o cabra prosseguiu a pernada assim mesmo pra mais tarde constatar q apenas luxara o dito cujo.

Ao cair no 2º poção o bom senso no fez passar, cuidadosamente por cima de lajotas úmidas, pra margem direita do rio onde a picada se enfiava na mata. O rio aqui despencava vertical afunilado por um imponente paredão, e naturalmente a encosta pela qual perdíamos altitude so foi vencida na base de pura desescalaminhada, nos agarrando fortemente em galhos, pedras e raízes no caminho. Neste trecho faltou perna pra Lau alcançar alguns apoios, mas sua destreza de lagartixa contornou facilmente estes pequenos contratempos.

Caímos então no 3º poção, onde descortinou-se uma bela vista do qto ainda faltava e do vale do Rio Solvay, igualmente encachoeirado nos contrafortes opostos. A íngreme descida tem continuidade pelo mesmo lado, isto é, em meio á mata pela margem direita. A desescalaminhada vertical aqui teve ajuda do “quinto apoio”, principalmente na ausência de agarras ou vegetação, e assim desembocamos no 4º poção, aos pés de uma enorme cachu. Mais fotos num mirante rochoso tão espetacular qto o anterior.

Pois bem, a partir daqui não há mais trilha e a perda de altitude se dá através da desescalaminhada das enormes rochas e lajedos do lado direito do rio. A declividade é considerável e as pedras, escorregadias, portanto a desescalada é sempre feita nos locais mais aderência e com algum apoio mais confiável pra ganhar um degrau mais abaixo. E la vamos nos espremendo através de fendas e gretas rio abaixo ardilosamente. Pra variar eu vou na dianteira buscando o caminho mais seguro, enqto Gibson oferece o apoio necessário qdo falta perna pra Lau descer.

Após o 5º poção e mais um lance de desescalaminhada de enormes pedras desmoronadas, vem um trecho onde não há jeito de descer senão através de uma enorme lajota inclinada. Aqui há de descer sentado ate certo pto pra depois se deixar levar escorregando feito tobogã e frear apoiando os pés numa pedra, no final da laje. Apesar de simples o trecho é meio tenso, pois se não se frear ao final a queda livre é certa. Por pouco a Lau não passa batido, não fosse o Gibson segurá-la bem no final.

Passado este trecho adrenado a escalaminhada arrefece de tal forma q nem nos damos conta dos 6º e 7º poção, q se sucedem quase q consecutivamente logo depois. Outros poços e cachus se sucedem posteriormente, mas pelo visto os mais representativos já foram vencidos, justificando provavelmente o nome de “trilha das 7 cachus”. Mas não demora a tropeçarmos com a confluência do Rio Vermelho e, logo depois, com o Rio da Solvay, as 10:50. Saltando de pedra em pedra nos acomodamos no alto de uma imponente pedra onde tínhamos uma privilegiada panorâmica daquele anfiteatro rochoso no qual estávamos bem no miolo: o rio seguia vale abaixo num estreito cânion q se afunilava cada vez mais, culminando na Garganta do Diabo e Vale da Morte, poucos kms adiante, à esquerda tínhamos um visu privilegiado de toda trajeto percorrido, emoldurado pelo verde sombrio da serra, e atrás nosso, vindo de uma pequena garganta rochosa c/ formato em “V”, víamos perfeitamente td o q teríamos q subir ate alcançar novamente o alto da serra, 300m acima!!! E foi naquele domo rochoso q nos regateamos com um delicioso lanche, aquecidos por um agradável sol q ameaçava surgir, espiando nossa conquista atraves de nuvens q começavam a se dissipar.

Ao meio-dia em pto retomamos a pernada, agora subindo o Rio da Solvay pelo seu leito igualmente pedregoso, sempre na base da escalaminhada. Por incrível q possa parecer, este trecho foi bem mais fácil e rápido q o previsto. E assim, fomos ziguezagueando as margens conforme dava e ganhando altitude rapidamente, em meio a uma sucessão de belas cachus e gdes poços. Algumas poucas paradas foram efetuadas, mas apenas pra olhar pra trás e apreciar o terreno q ficou lá embaixo, no caso, uma enorme parede avermelhada cortada a prumo separando os vales da confluência de rio do Vale da Morte.

O tempo passou e logo deixamos o trecho aberto do vale pra trás, pra então adentrar num encachoeirado rio em meio a farta vegetação. Costurando as margens não tardou a ter de escalaminhar uma encosta íngreme pra depois cair num setor onde a declividade arrefece e o rio amansa. Até q subitamente notamos um rio desaguando no principal, as 12:50, q correspondia aproximadamente às descrições q havia conseguido. Dito e feito, foi só deixar o curso principal e adentrar um pouco pelo mesmo q avistamos uma enorme queda despencando da encosta. Era a tal Cachu Escondida! Com tempo de sobra, pq não ir dar uma espiada no seu topo?

A Lau aqui preferiu nos aguardar sentada nas pedras do encontro dos rios, enqto eu e o Gibson fuxicamos pela margem esquerda do córrego e encontramos uma discreta picada subindo forte piramba acima. A ascensão foi na base “sobe um passo e retrocede dois” devido ao chão íngreme e escorregadio, mas num piscar de olhos nos vimos já a meio caminho do topo da cachu. Mas foi aí q a trilha sumiu de vez e a gente, meio q na intuição, começou a varar mato pela encosta menos íngreme, claro. Rasgando lentamente mato no peito e deixando marcações pra auxiliar a volta, uma vez confirmado q estávamos acima do topo da cachu buscamos nos manter em nível e tentar descer pro rio.

Nesse vai e volta, contorna mata espinhenta aqui e ali, desembocamos numa trilha bem batida q vinha detrás da montanha e q nos deixou no topo da Cachu Escondida sem muitas dificuldades, um quarto de hora após iniciada a ascensão. O local é bem peculiar: um enorme patamar lajotado dominado por uma cachu menor por onde o rio cai, e de onde a agua despenca de uma altura de quase 50m de altura! Mirante privilegiado, daqui há uma vista impressionante do verdejante vale do Rio Solvay, cavado no meio de outros contrafortes serranos. De fato, esta linda cachu está bem “escondida” do resto.

Trilhas sugerem subir rio acima, mas nossa exploração vai somente até ali. Fica pruma próxima ocasião. Entretanto, uma picada desce forte a íngreme piramba q é o paredão direito da cachu. Por incrível q pareça as condições desta vereda são bem melhores q aquela pela qual viéramos e em menos de 5 min já estávamos junto a Lau, após a picada cair num córrego próximo. Missão cumprida.

Retomamos a subida íngreme do Rio da Solvay agora por meio de picadas bem batidas pela margem esquerda e após bordejar a encosta da serra desembocamos no famoso Mirante, onde paramos pra retomar o fôlego e nos limpar da lama tanto nas mãos como nos traseiros. O Mirante assinala o marco divisor onde o rio se debruça furioso serra abaixo, portanto a partir daqui a caminhada transcorreu tranqüila e desimpedida, costurando as margens do mesmo após passar pelo Lago Cristal e decrépitas zonas de acampamento repletas de lixo.

Antes das 14hrs cruzamos pela ultima vez o manso Rio da Solvay pra então emergir na planície de arbustos dominada pelo zunido eletrostático das torres de alta tensão. E tomando duas bifurcações consecutivas, sendo uma á esquerda e outra á direita, as 14:50 emergimos no km 43 do asfalto. Com disposição mais q de sobra, nosso intrépido trio ainda andarilhou os modorrentos 3km restantes rumo Rio Grande da Serra, onde chegamos somente as 15:30.

Como não devia deixar de ser e famintos a pto de devorar um boi inteiro, estacionamos no bar da simpática Rosana (próximo da estação) doidos por uma feijuca q eu já degustara a semana anterior e deixara tanto a Lau e Gibson com água na boca doidos pra experimentar. Mas infelizmente a feijuca havia terminado, o q nos deixou totalmente desconsolados. No entanto, a Rosana se compadeceu tanto do nosso aspecto e semblante de dar inveja a qq vira-lata de rua, q resolveu preparar um prato farto com as sobras daquele dia. Refeição esta q nunca esteve tão deliciosa, diga-se de passagem.

E com essa suculenta refeição regada a muita cerveja coroamos nosso magnífico e adrenado bate-volta pela região serrana de Rio Grande da Serra. “Trilha das Sete Cachoeiras”, “do Lamaçal” ou “da Ferradura”. Não importa como td mundo a nomina, mas basta saber q é uma dos mais espetaculares roteiros pauleiras da Serra do Mar paulistana, ideal prum bate-volta com perrengue garantidos. Contudo, a proximidade da Cachu Escondida e tantas outras picadas avistadas sugere novas explorações e , quem sabe, novos roteiros e variantes dessa incrível pernada.&nbsp, Dessa forma pela proximidade à urbe, segurança e pela exuberância de Mata Atlântica q cerca suas inúmeras picadas levando a nascentes, mirantes, poços e cachus, não deve demorar muito tempo pra retornar àquela região q, repleta de panoramas espetaculares, corta o estado mais poluído do pais.

Texto e fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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