A História do Himalaísmo Brasileiro – Parte VI

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Sexta parte do especial sobre o histórico das expedições brasileiras às maiores montanhas do mundo…

::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.

:: Leia a quinta parte da História do Brasil no Himalaia.

Texto: Rodrigo Granzotto Peron

Capítulo 15 – GASHERBRUM I 1999 (8.068m)

Waldemar Niclevicz retornara para casa no ano anterior cansado e com doze quilos a menos, devido ao desgaste físico no K2. Sua vontade de culminar o Chogori, contudo, era inversamente proporcional à perda de peso, incrementada dia após dia, levando-o a organizar rapidamente outra aventura.

Novamente a expedição foi idealizada e organizada em parceria com Abele Blanc. O time foi fechado com o italiano Christian Kuntner, o espanhol José Antonio “Pepe” Garcés (com quem Niclevicz fez boa amizade), e o australiano Andrew Lock (que atualmente detém 12 cumes 8.000). A idéia era subir três cumes em sequência, algo que é chamado de triple header.

Dois dos três picos tentados pela expedição fazem parte do maciço do Gasherbrum, fincado no coração do Karakoram, de onde despontam seis cumes principais: I (8.068m), II (8.035m), III (7.952m), IV (7.952m), V (7.147m), e VI (6.979m). Optaram por começar a “Trilogia do Paquistão” pelo Gasherbrum I, também chamado de Hidden Peak (Pico Escondido, pois ele fica encoberto pelos outros cumes do maciço, só sendo visível a partir do Glaciar Abruzzi ou do Glaciar Gasherbrum Sul). Com seus 8.068 metros (alguns sites dão para ele 8.080m), é a décima primeira montanha do planeta, tendo sido debutada pelos norte-americanos Pete Schoening e Andy Kauffman em 1958 a partir da Aresta Sudeste, uma rota pouco utilizada. A via padrão ao cume é por intermédio do corredor japonês na face noroeste, caminho eleito pela expedição do brasileiro.

Chegaram ao acampamento-base em 12 de junho. O acampamento 1 foi instalado a 5.950m, o campo 2 a 6.500m, e o campo 3 a 7.100m. Waldemar relatou alguns problemas de relacionamento entre os membros da equipe no livro Um Sonho Chamado K2 (recém lançado e muito interessante): “Fiquei totalmente desapontado pelo egoísmo de nossos companheiros” (p. 214). Enquanto fez ótima parceria com Pepe Garcés, viu os outros membros da expedição passarem a atuar de forma autônoma e atacarem o cume sem o brasileiro. Abele Blanc e Christian Kuntner pisaram no cimo no dia 4 de julho de 1999. Waldemar foi apenas até os 7.100m.

Capítulo 16 – GASHERBRUM II 1999 (8.035m)

Apesar do estranhamento no Hidden Peak, partiram logo em seguida ao Gasherbrum II. Esta montanha, com 8.035 metros, é o décimo terceiro ponto mais alto da Terra. Sua primeira ascensão foi em 1956, pelos austríacos Fritz Moravec, Josef Larch e Hans Willenpart, através da Aresta Sudoeste, uma via segura e de poucas complexidades, que virou hoje a rota padrão. Por causa da facilidade de escalada é a montanha paquistanesa mais culminada: por volta de 850 vezes.

A estrutura montada para o Hidden Peak continuava válida, já que os dois Gasherbrum são vizinhos e compartilham o mesmo acampamento-base. Acometido por forte tosse, Waldemar Niclevicz partiu no dia 10 de julho, à meia noite, sem oxigênio suplementar, rumo ao cume, alcançado por volta da uma da tarde. Imediatamente principiou a descida pois o tempo mudara e trouxera neve, que perdurou a madrugada toda, com rajadas fortes de vento e temperaturas baixas.

O ânimo do paranaense se renovou com esta sua quarta montanha 8.000, a primeira no Paquistão. Antes dele somente outros sete sulamericanos atingiram este cume.

Capítulo 17 – K2 1999 (8.611m)

Evitando perder tempo, Waldemar Niclevicz seguiu com Abele Blanc para o K2 (os demais membros da expedição dispersaram). O acampamento-base foi montado no dia 20 de julho de 1999. Novamente a tentativa seria por intermédio da rota padrão no Esporão de Abruzzi.

Por azar chegaram bem no meio do luto pela morte de um alpinista (o romeno Mihai Cioroianu) e pela informação de que a rota estava impraticável, com neve pela cintura e risco extremo de avalanche, causas que levaram até o grande mestre italiano Hans Kammerlander (12 cumes 8.000) a largar mão e voltar para casa.

Esse conjunto de maus agouros somado às previsões nada animadoras da meteorologia fizeram com que Abele desistisse da escalada logo no dia seguinte à chegada ao K2.

Com o experiente Abele indo embora para a Itália, Waldemar viu seu sonho se esfumaçar, mas resolveu insistir. No dia 23 de julho Pepe Garcés se juntou ao brasileiro e eles combinaram de empreender tentativa. Aguardaram dez dias dentro de suas barracas uma janela que lhes permitisse tentar subir. Mas o clima foi piorando e as previsões tornando-se cada vez mais sombrias, com o Chogori novamente se apresentando fugidio.

No final de julho teve de retornar para casa, sem nem sequer iniciar a escalada. Não foi um fracasso, na verdade a montanha repeliu todos os escaladores que a tentaram e – pelo segundo ano consecutivo – ninguém fez cume.

Capítulo 18 – CHO OYU 2000 (8.188m)

Paulo Coelho e Helena Coelho resolveram diversificar seus objetivos alpinísticos e foram ao Cho Oyu em 2000, tentar a Rota Tichy na face oeste (rota padrão). Instalaram o acampamento-base no dia 6 de abril e colocaram um acampamento de altitude a 7.100m, no dia 28.

Compartilhavam o permit para essa expedição com o romeno Lucian Vasile Bogdan (que havia tentado o Dhaulagiri em 1996) e seu sherpa Nima. Os brasileiros e o romeno conseguiram alcançar 7.100m em duas ocasiões, mas não lhes foi possível prosseguir até o cume devido a fortes nevascas e – novamente – pela falta de tempo, pois despenderam 32 dias na montanha e tinham que retornar ao trabalho no Brasil. Deram por finalizadas as atividades no dia 3 de maio e vieram embora. O Cho Oyu representou o terceiro pico 8.000 diferente do Himalaya tentado pel o casal.

Capítulo 19 – K2 2000 (8.611m)

Waldemar Niclevicz teve que se desdobrar para poder retornar ao K2, realizando diversas promoções para angariar os fundos necessários para bancar esse seu terceiro intento. Os esforços valeram a pena e no verão de 2000 estava outra vez a caminho do Chogori, desta vez sem nenhum outro objetivo a não ser a Montanha da Morte.

O trekking de aproximação foi feito na companhia do carioca Alexandre Mello (que ganhara uma das promoção de Niclevicz) e de Carlos Eduardo “Cadu” Salgueiro e Alcir “Quito” Fillus, repórteres da Rede Globo de televisão, que acompanhariam a caminhada até o acampamento-base fazendo uma série de reportagens para o programa dominical O Fantástico. O grupo alcançou o campo-base no dia 16 de junho de 2000, de onde os três trekkers retornaram ao Brasil.

Novamente escalando pela Aresta Sudeste (Esporão de Abruzzi), rota já bem conhecida das tentativas anteriores, e de novo tendo por parceiros de cordada Abele Blanc e Marco Camandona, Niclevicz estava animado e motivado.

Logo no primeiro dia de escalada progrediram bastante, aprontando o acampamento I (6.050m) e o II inferior (6.500m), sucesso conseguido com o auxílio de três alpinistas baltis (Hassan, Mohammad Sadiq e Mohammad Ali) e de um hunza muito famoso (Mehrban Shah, que entre 92 e 98 subira ambos os Gasherbrum e também o K2). Os escaladores baltis e hunza são para o Paquistão o que os alpinistas tibetanos são para a China e os sherpas e tamangs são para o Nepal. O acampamento II superior (6.700m) foi montado poucos dias após.

Como sempre ocorre no Paquistão, o tempo é totalmente movediço, instável, alternando raros dias bons com uma sequência de nevascas e ventanias. Muito embora as condições climáticas estivessem bem melhores do que nos anos anteriores, ainda assim ficaram presos 28 dias no acampamento-base (até 24 de julho), em uma sucessão de tempestades.

O bom tempo voltou a partir do dia 27 de julho e o ataque ao cume começou. Neste mesmo dia ocorreu um acidente com Ali, acertado por uma pedra que caiu das encostas e teve de ser evacuado. Contornado o problema, continuaram a ascensão até 7.450m, onde foi postado o campo III, após vencida uma das partes mais técnicas da escalada, chamada de Pirâmide Negra (um paredão vertical de 400 metros de desnível). Prosseguiram no dia seguinte diretamente ao campo IV inferior (7.700m).

A idéia inicial de Niclevicz era fazer o cume com oxigênio suplementar em parte da rota, “pretendíamos usá-lo naqueles trechos mais difíceis, em que a neve profunda nos obriga a um esforço descomunal e a um consumo maior de oxigênio” (Um Sonho Chamado K2, p. 307). Todavia, as garrafas de oxigênio haviam desaparecido do campo IV, de tal forma que toda a escalada dali em diante teria de ser feita sem oxigênio engarrafado. O último acampamento – IV superior – foi situado logo acima do “Ombro”, um platô inclinado de neve por volta dos 7.900 metros. A noite que antecedeu o ataque, apesar de curta (na última noite antes de ir ao cimo do K2 dorme-se tarde e acorda-se bem cedo, pois a escalada no dia seguinte é duríssima e prolongada) e geladíssima (-27ºC), custou a passar, com o brasileiro muito ansioso. Acordou às 23:00h e partiu sozinho 1 hora e meia após. Os italianos somente iniciaram sua jornada mais tarde, conjuntamente com Mehrbah que, sentindo muito frio, resolveu não prosseguir.

Por volta das 4:00h venceram o Pescoço da Garrafa (Bottleneck), uma das partes mais difíceis e notórias na zona da morte do K2. Trata-se de um corredor de 100 metros de desnível, por volta dos 8.200 metros, que tem inclinações de até 80º e é varrido constantemente pelo vento. É um dos trechos mais perigosos do Chogori, onde pelo menos 12 pessoas já perderam a vida.

Acima do Pescoço da Garrafa encontraram excesso de neve que os atrapalhou consideravelmente, tanto que só atingiram a quota de 8.450 metros às 16:00h, bem tarde, portanto. Reunindo suas últimas forças, Niclevicz chegou ao ponto mais alto do K2 às 18:30h do dia 29 de julho de 2000. Apesar do triunfo, não era momento para comemorar, o adiantado do horário exigia pressa na descida, pois logo escureceria e o caminho é muito difícil e perigoso à noite.

E a descida acabou mesmo sendo complicada. Apresentando os primeiros sintomas do mal agudo da montanha (edema cerebral e pulmonar), o paranaense ficou para trás, pois não conseguia acompanhar o ritmo dos italianos. Impossibilitados de o socorrer, deixaram-no sozinho. Camandona relata esse episódio dramático: “Waldemar, por razões técnicas, não conseguia progredir mais e Abele, depois de várias tentativas de ajudá-lo naquelas condições extremas de sobrevivência, tomou a difícil decisão de continuar…” (Planet Mountain, entrevista com os italianos).

Niclevicz foi forçado a fazer um bivaque suicida por volta dos 8.300m, exposto ao frio congelante, já que desorientado não conseguia encontrar sozinho a rota montanha abaixo. Passou uma angustiante noite de delírios, temores, penumbra, gritos, gemidos e muito frio. No amanhecer do dia 30 conseguiu retomar a descida, galgando o acampamento mais elevado por volta das 8 horas da manhã, desidratado e com hipotermia, mas a salvo. Resume Waldemar: “Vivi no K2 os momentos mais felizes da minha vida, e logo depois os piores” (revista Os Caminhos da Terra, edição 186, de 2007, p. 56).

Com todas as dificuldades impostas havia se tornado o primeiro brasileiro a subir o K2, e o sexto sulamericano. Além disso transformava-se no primeiro sulamericano a culminar cinco picos 8.000 diferentes. E o segundo, após o chileno Cristán Garcia-Huidobro, a fazer Everest + K2.

Este é o segundo grande marco do nosso montanhismo e uma das histórias mais surpreendentes e épicas do himalaísmo brasileiro.

NOTAS FINAIS

O período após a conquista do Everest (1995) e até a conquista do K2 (2000) foi tempo de consolidação do himalaísmo nacional. Waldemar e o Casal Coelho seguiram fortes à frente, abrindo a senda de nosso montanhismo em alta altitude e mantendo a chama da aventura acesa. Também deve ser destacada a força feminina, com Helena Artmann e Helena Coelho mostrando às mulheres que é possível a elas escalar os cumes do Himalaya.

::Continua….

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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