A primeira montanha do meu neto.

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Era início da madrugada de domingo quando recebi a confirmação do meu filho Rafael que o Miguel, também conhecido como Minininho do Vô, estava liberado para ir para a montanha comigo.

Sua primeira de várias montanhas. (Miguel e Natan)

Miguel antes mesmo de nascer passou por uma cirurgia dentro da barriga da mãe, uma coisa que eu nem sabia que era possível. Nasceu prematuro, teve uma parada respiratória, mais 4 cirurgias depois que nasceu e passou seus primeiros 3 meses de vida dentro de um hospital com pequenas chances de sobreviver. Estive ao lado do meu filho e da minha nora Laryssa durante todo esse período. Não foi nada fácil estar de mãos atadas, sem poder fazer muita coisa diretamente para aquele bebê tão pequeno. Ajudar o jovem casal e apoiá-los nos piores dias de saúde do Miguel.

O dia seguinte de sua saída do hospital, foi o tão esperado momento para conhecer meu primeiro neto. Tão pequeno, parecia tão frágil, mas com um olhar que nunca vi em bebê nenhum até hoje. Não chorava, não se distraia com nada, só prestava atenção fixamente naquele barbudo careca que lhe falava coisas.

Desde esse primeiro encontro até os dias de hoje tenho feito meu papel de avô babão. Sempre que solicitado ou até quando não sou, estou presente. Mostrar aos pais, principalmente a mamãe Laryssa, que eu tenho responsabilidade, atenção e todo o cuidado para com o Miguel. É importante para eu poder ter uma convivência e um relacionamento muito próximo com o meu primeiro netinho.

Foram dezenas de passeios sozinho com o Miguel. Mesmo depois de 20 anos sem cuidar de criança, não perdi o jeito. O Minininho do Vô sempre abre um sorriso lindo ao me ver, e segundo minha nora Lary, fica nítido o quanto ele gosta de ficar com o vô.

Todos esses fatores, convivência e a segurança que sempre passei para os pais, me deram o privilégio de poder levar o meu neto para a montanha. Foram meses conversando e mostrando que o Miguel ao meu lado, estaria seguro e tranquilo para ele começar a ir para montanha mesmo tão pequeno. O conhecimento, a experiência, o preparo físico, formam um conjunto de segurança para o cuidado que o Miguel precisa ter enquanto estiver na montanha.

Bem… alvará concedido pelos pais, lá fomos nós para a iniciação ao montanhismo do Minininho do Vô. Uma caminhada só de meninos. Eu (o vô), Rafael meu filho mais novo, pai do Miguel e o Gabriel, meu filho mais velho e padrinho do estreante.

Início da caminhada.

Achei que minha nora tinha o tal do “Canguru” para carregar criança, mas não tinha. A estratégia de colocar ele bem confortável na mochila de ataque, não deu muito certo, pois Miguel acabou não aprovando a engenhoca do vô. Então fui do jeito mais simples, e que não teria erro: no colo.

Por volta das 10:30 da manhã começamos nossa caminhada na chácara que dá acesso ao Morro do Canal. Dia de céu azul, pouco vento e até um certo calor quando expostos ao sol. Só avisei aos meus filhos que minha atenção estaria voltada exclusivamente ao estreante Miguel, não queria me incomodar com os dois marmanjos barbudos que nem cabelo tem mais.

Miguel aprendendo o que é estar no meio da floresta.

Miguel com seu olhar atento, prestava atenção em tudo ao seu redor. Enquanto uma das mãos segurava a gola da minha camiseta, a outra ele mantinha firme a metade do pão de queijo que ganhou no carro. Troquei o lanche que ele segurava por um galho com folhas, avisei que não podia colocar na boca, mas que era para ele cuidar, e assim ele fez até o cume da montanha. Quando perguntei para o Rafael aonde estava o pão de queijo babado e amassado … vi ele terminando de mastigar o resto do lanche sorrindo com uma cara feliz.

Em pouco tempo de caminhada fui questionado pelos marmanjos: “Pai, vc não falou que era uma caminhada fácil e tranquila? Pensei que era parecido com o Cânion da Faxina!”. Delicadamente para não acharem que sou grosso, respondi: “ Falei que queria trazer o Miguel para subir montanha, não para passear no parque e nem passear com dois jovens idosos! Não conheço lugar mais fácil e tranquilo que o Morro do Canal.” (Não foi bem esse termo que usei, mas não posso falar aqui rsrsrs).

Meus filhos, Rafael e Gabriel.

Em um ponto ou outro que as folhas fechavam um pouco mais a trilha, deixava o pequeno tocar onde ele quisesse. Cuidava com o rosto dele, mas ensinava para empurrar as folhas da frente. Revezando os meus braços, fui carregando o pacotinho de 6 kg e ganhando altura rapidamente.

Um ou outro congestionamento de pessoas para atravessar alguns lances de degrau, eram logo vencidos rapidamente com a “prioridade” de crianças à frente. Na verdade, a maioria das vezes era mais tranquilo subir pela aderência da rocha, do que usar os degraus. Para o Miguel tudo era engraçado, uma festa. Ele prestava atenção em tudo.

Caminhar pelas aderencias era mais fácil do que usar degraus ou cordas.

Congestionamento nos degraus da montanha.

Em 1 hora de caminhada estávamos no cume do Morro do Canal. Congratulações ao mais novo montanhista, que mesmo não andando, estava de parabéns pela conquista da sua primeira montanha. Em nenhum momento ameaçou chorar, não incomodou em nada, obedeceu às recomendações do vô em pontos de maior atenção, e o principal, aproveitou tudo que ainda não tinha visto e pegou em tudo que podia.

O cume tinha muita gente. Achamos um cantinho para os cuidados que todo bebê necessita: hidratar, reforçar o protetor, verificar se precisava trocar a fralda, e alimentar o menino.

 

Bastante gente no cume.

Miguel aproveitando o visual.

Hora de cuidar do Minininho.

Cume do Morro do Canal, a primeira montanha.

Miguel no seu primeiro cume de montanha.

Muitas fotos para registrar esse dia memorável, mas estava na hora de descer. Eu tinha prometido para minha nora que na hora do almoço ou, no mais tardar, no início da tarde ele estaria em casa novamente.

A descida foi divertida e rápida, em 25 minutos estávamos na lanchonete onde deixamos o carro. Em um passo firme e constante desci me divertindo com as orientações que eu passava para o Minininho do Vô: “Miguel, segure no vô e se equilibre!”. Cada vez que eu falava isso segurava em suas costas, antecipando um solavanco. Rindo a cada repetição, acho que ao final da descida, ele já entendia o que precisava fazer, pois se inclinava em cima de mim e eu sentia uma das mãozinhas me apertando quando eu avisava: “Se equilibre Piá!!!”.

Momentos como esses não tem preço. Agradeço a Deus por me dar a possibilidade e toda a condição de receber e proporcionar essa experiência com meu primeiro netinho, acompanhado pelos meus dois filhos.

Vô Natan e neto Miguel

Obrigado Rafael e Laryssa pela confiança, o Miguel quando estiver comigo, sempre estará em segurança, aproveitando muito e aprendendo coisas novas e diferentes. Não esqueci meu segundo neto. Matteo não se preocupe, teu momento vai chegar. Rsrsrs.

Para meu neto Miguel:

Miguel, daqui a pouco você vai aprender a ler, e isso é para você.

O fato de eu querer te levar tão cedo para montanha, não foi apenas para registrar uma foto com você no meu colo, isso seria exibicionismo puro, mediocridade, mais do mesmo.

Sei que é pouco provável que você se lembre desse dia, a tua primeira montanha, mas no teu subconsciente estará gravado e, toda experiência que passarmos juntos, vai ser a construção do nosso relacionamento de avô e neto, pois vc é a continuação do meu legado. Quando eu me for, quero que se lembre de mim e possa dizer aos teus filhos: “ Teu bizavô era foda. Teve uma vez … “, e que essa frase inicie uma das nossas várias histórias, que teus filhos vão ficar atentos e curiosos para saber como será o final. Quero que a lembrança mais antiga do teu avô, seja nós dois na montanha fazendo alguma coisa muito legal, ou aproveitando um visual incrível, algo bom que você tenha aprendido e levado para o resto da tua vida.

Pensei que eu apenas contaria historias para os meus netos, mas hoje, vejo que vou ter o privilégio de vivenciar essas histórias ao lado de vocês. Pouco provável que eu deixe riquezas materiais como herança, mas experiência, educação, valores, lugares incríveis e momentos únicos … isso sim é uma herança que valerá a pena.

Não se deixe contaminar por aparências. Seja, não apenas tenha.

Nunca vou te obrigar a ser montanhista, mas vou te incentivar pra caralho.

A montanha é um lugar que não quer saber quem você é. O quanto de dinheiro tem. Que lugar nasceu. Qual é a cor da sua pele. Qual é a sua orientação sexual. Quem são seus amigos. Qual o seu trabalho … ela não quer saber de nada disso.

Para estar lá em cima, vc não tem que superar a montanha, vc tem que superar a você mesmo. Não adianta mentir, fingir, contar história furada, ser simpático ou querer enganar ela. A montanha vai cobrar o quanto você se dedicou a si mesmo … e tem algumas, que cobram um preço bem alto.

Mas em contrapartida, você terá uma experiência, cuja intensidade poderá fazer a tua vida diferente. Você vai aprender e entender o que realmente vale a pena na vida. Dar valor as pequenas coisas, ser grato pelo que tem. Uma coberta, um banho quente, um vaso para dar uma boa cagada, uma comida saborosa no prato … mesmo que todas essas coisas sejam simples.

Quer conhecer de verdade uma pessoa? Entre em uma roubada na montanha com ela! Em poucas horas você vai conhecer a verdadeira essência daquela pessoa. Pode ter certeza que você vai se surpreender, tanto para o bom quanto para o ruim.

Eu poderia passar o dia todo aqui falando dos benefícios e tudo que o montanhismo pode te proporcionar, mas finalizo com um pedido: independente do caminho que você siga ou o que for fazer na vida. Faça com amor, faça com tesão, faça por você e por mais ninguém. Nunca faça apenas para mostrar para outros, faça com intensidade, vontade, força e amor. Faça para Deus. Mesmo nos momentos de medo ou dúvida nessa caminhada, siga com coragem e “sangue no olho”. Se o vô não estiver aqui para te apoiar e incentivar … lembre-se de tudo que te mostrei e te ensinei.

O vô te ama!

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Sobre o autor

Natan Fabrício Loureiro Lima é montanhista e escalador de Curitiba PR. Ele foi por muitos anos presidente da Associação Nas Nuvens Montanhismo e da Federação Paranaense de Montanhismo, atuação que o levou a ser nomeado vice presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada. Se destacando na exploração de trilhas e montanhas afastadas na Serra do Mar, Natan passou a escalar em rocha, onde prefere vias tradicionais e também alta montanha.

7 Comentários

  1. Muito bom. A montanha é um desafio de você para você mesmo. Quando chega ao cume foi uma vitória pessoal sua frente a preguiça, falta de disciplina, falta de foco. Quando você está começando uma trilha você pensa.. O que estou fazendo aqui?
    Quando você está quase lá você fala para seu subconsciente que esta arrependido e nunca mais mais voltar.
    Quando você chega ao cume, monta a barraca, vê o por do sol, confraterniza com o pessoal o jantar simples, o choconhaque…aquele frio de lascar…acordar as 4 da manhã para ver o nascer do sol e depois tomar aquele café preto e pão com queijo mineiro você já se dá conta que quer planejar uma nova trilha para conhecer. Montanha eh isso. Contemplação pura da natureza e nossas belezas naturais.

  2. Sandro Andrioli Bittencourt em

    Que relato lindo e que experiência incrível! Impossível segurar as lágrimas. Parabéns!!! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼❤️

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