A reserva do morro grande

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Situada entre Cotia e Itapecirica, a Reserva Florestal do Morro Grande responde pela enorme mancha verde que circunda a represa do mesmo nome. Criada em 1979, é detentora de extensa área de mata nativa, bichos silvestres e rios importantes para o abastecimento de Sampa que nascem dentro dela, como o Capivari, Cotia, dos Peixes e da Graça.

Por conta destes mananciais, sua jurisdição fica a cargo da Sabesp e qualquer visitação demanda agendamento prévio. Contudo, eis aqui uma caminhada que dispensa burocracia, rasga o miolo da reserva e nos dá uma noção deste paraíso ecológico que compõe o cinturão verde da Grande São Paulo, a apenas 30km da capital. Um “ferrotrekking” de 20kms sussas (e repletos de tchibuns) q começou em Caucaia do Alto e foi até Aldeinha, no município de São Lourenço da Serra.
Após tomar o intermunicipal “297 Cotia – Caucaia do Alto” no terminal do Metrô Butantã, eu e a Natachi pudemos colocar toda a conversa em dia durante td viagem, onde o latão azul praticamente rodou a contento pela Rod. Raposo Tavares (SP-270) numa manhã de céu limpo e promessa de muito sol. Por incrível q possa parecer, o rolê durou pouco mais de uma hora e num piscar de olhos a janela mudou radicalmente de paisagem emoldurada. Da geometria acizentada da urbe paulistana o panorama encheu-se do verde composto de chácaras e sítios, sinal q já estávamos no município de Cotia.
Assim e mais cedo q o previsto, pisávamos as 7:45hr no pto final do latão, ou seja, em Caucaia do Alto. O lugar transpira roça e detém o charme de qq lugarejo do interior paulista. Assim como Cotia, Caucaia do Alto nasceu a margem da tropeiragem e seu nome significa em dialeto indígena “mata queimada”. Já o “do alto” foi incorporado bem depois, em 1931 durante a construção da EF Sorocabana, e se deve ao fato de sua estação é a mais alta do ramal ferroviário. Além de chácaras, sítios e algum comercio, Caucaia do Alto é principalmente um “distrito-dormitório” pois a maioria de seus habitantes labuta em outra cidade.
Do terminal então retrocedemos coisa de dois quarteirões pela Av. Roque Celestino Pires e tomamos a primeira ramificação á direita, q finalmente desembocou na Estrada da Estação. O asfalto deu lugar ao chão batido, e logo caímos na Estação Caucaia do Alto, q por sinal tava tomada de obras dos funcionários da atual concessionaria da linha férrea. Daqui foi so acompanhar a linha do trem, q nada mais é o trecho Mairinque/Santos da EF Sorocabana, no sentido sudeste indefinidamente. Durante o sinuoso trajeto inicial em meio a baixa morraria, não demorou pras residências do Jd  São Luiz começar a rarear e a paisagem se encher inicialmente com bosques de reflorestamentos e depois com mata nativa. Detalhe recorrente no caminho é o mau cheiro dos grãos e farelo q o trem deixa cair a beira da linha e termina apodrecendo ali mesmo.
Uma placa decrépita reforça o fato de estar adentrando na reserva. O borburinho de Caucaia ficou pra trás e agora o silêncio paira durante todo trajeto, rompido somente pelo apito dalgum trem ao longe ou do chiado dum gavião reclamando nossa presença. A vegetação farta e exuberante oferece alguma sombra neste trecho inicial, basicamente uma reta interminável, onde até os trilhos ficam lindamente  ornados de flores em diversos pontos. Samambaias, canelas-de-ema, araucárias e quaresmeiras coexistem harmoniosamente nas encostas da morraria q nos envolve, eventualmente revelando trechos mais abertos das bacias q integram a reserva, ao longe.
Mas após uma curva q desvia dum morrote  florestado o caminho desemboca num enorme descampado onde as vistas se alargam consideravelmente. Pela carta identifico o lugar como um dos gdes braços da represa Pedro Beicht, no caso, a bacia do Rio Capivari, q marulha silenciosamente pelo capim a nossa direita embora sua foz se localize a nossa esquerda. O espelho dágua da represa mesmo só é vista ao longe, ao norte. Os trens (enormes composições da American Latin Logistica) passam com frequência, razão pela qual a pernada se dá alternando o par de trilhos como eventuais veredas q surgem a margem da linha férrea.
A pernada prossegue inexoravelmente pra sudeste, quase sempre em linha reta e com poucas curvas. Neste trecho somos beneficiados por uma discreta picada na margem direita da via q a acompanha ora junto, ora afastada no meio dos arbustos. As vezes ela se afasta demais dos trilhos mas termina sempre voltando, inclusive elevando-se além do nível dos mesmos até dar num improvável mirante sobre um pequeno morrote q descortina bela vista da verdejante reserva. Destaque é q após quase 10kms palmilhados  é qdo as linhas férreas se entrecruzam, e é sinal de se estar na antiga Estação Linfá. Mas olhando ao redor não se vê nada a não ser uma área desmatada a direita. Isto pq a outrora estação Linfá (q significava “Parada Limpa”) foi demolida a muito tempo e servia apenas de parada pra troca de staff.
Mas logo adiante, cerca de 2kms depois, a pernada novamente aflora em mais um vasto descampado, outra área bem ampla e aberta q corresponde a outro braço da represa. No caso, a bacia do Alto Cotia, q corre mansamente em meio ao baixo capinzal a nossa volta. Este braço revela um espelho dágua maior, mas mesmo assim percebe-se q até aqui foi sentida a longa estiagem q vem assolando a região sudeste. Como eram apenas 10:45hr nos presenteamos com uma breve parada pra relax e tchibum. No caso, nos pirulitamos por uma vereda entre a mata rala q ia de encontro um bucólico braço do ribeirão Cotia, q formava um convidativo remanso de banho. E no extremo leste, antes de abandonar a represa havia outro pequeno afluente q desaguava na mesma onde era possível bebericar seu precioso liquido. Como indicativo disto era um copo plástico ali disposto pra essa finalidade, além de sachês de suco espalhados no entorno.
Dando continuidade ao rolê, a caminhada tomou rumo leste e praticamente numa longa reta só. A sombra novamente tomou conta do trajeto por conta da densa e espessa mata a nossa volta, sempre nos prestigiando com belos exemplares de vistosas e imponentes araucárias. Contudo, ao contrário dos trechos anteriores aqui não havia nenhuma vereda ou vestígio de caminho q desse pra acompanhar. Por este motivo a pernada se deu pelos trilhos mesmo ou pelos pedregulhos q envolviam os mesmos, onde não raramente “sambávamos”, nos obrigando a ter mais cautela reduzindo a velocidade do avanço. Apesar disso, a presença de vida animal era constante fosse no chiado dos pássaros na mata, vestígios de pegadas ao longo da via férrea ou até mesmo restos de aves devoradas entre os dormentes.
Um tempo depois surge o primeiro túnel do dia, no caso o “Túnel 31”, que era precedido por uma interessante construção cimentada cuja finalidade presumo q fosse conter a encosta do enorme morro q o túnel atravessaria. Uma vez dentro do mesmo  fomos obrigados a avançar sob fachos de hedlamps, pois era impossível avistar onde se pisava. Em tempo, ali dentro os dormentes eram mais espaçados entre si, tinham enormes buracos e o risco de tropeçar feio era grande. Mas devagar e sempre, conseguimos cortar o bendito até o outra extremidade, cujo interior gotejava bastante por conta da água acumulada no morro.
Uma vez do outro lado a rota desviou forte pro sul, agora bordejando a encosta do morro anterior. A paisagem abriu-se de tal modo a nossa esquerda q deu pra ver os contrafortes abruptos dos verdejantes vales a leste. Mas o “Túnel 30”, na base de outro pequeno morrote com sinais de deslizamentos de terra, não tardou em dar as caras na sequencia. Menor em extensão q o anterior, ele foi vencido nos mesmos moldes do outro e sem necessidade de acionar qq espécie de luz artificial.
Mas não deu nem 5min de chinelada no aberto pra tropeçar com nosso último túnel, o “29”. Menor de todos, ainda assim tivemos o perrengue de no momento de estar quase no meio dele ouvir o apito do trem! A Natachi sugeriu a gente se mocozar num buraco de “refugio” no interior do mesmo, mas eu ainda assim botei fé de q dava tempo pra sair. O q fizemos a seguir provavelmente lembre o delicioso filme da “Sessão da Tarde”,“Conta Comigo”, mais precisamente a cena onde o trem surge aos pequenos protagonistas no meio duma ponte. E foi exatamente o mesmo q eu e a Natachi fizemos, ou seja, pusemos “sebo nas canelas” até finalmente alcançar a “luz no fim do túnel” antes mesmo da composição se dar conta da nossa presença na via.
Respirando aliviados prosseguimos nossa jornada numa boa,  mas não deu nem alguns minutos q nos deparamos com uma trilha bem marcada mergulhando na mata da encosta, a nossa direita. Ao ouvir o murmúrio de água logo deduzi onde a vereda devia dar e movidos mais pela curiosidade fomos fuxicar a mesma, o q se mostrou uma boa pedida. A picada entrava na mata e em menos de 1 minuto desembocava numa aprazível clareirinha bucolicamente sombreada, coroada por uma linda cascatinha q despejava água cristalina duma altura de dois metros. Logicamente q foi ali mesmo, no calor das 13:20hr, nos brindamos com mais um pit-stop. Além de lanchar, descansar e nos deliciar num banho refrescante, a pequena queda inclusive abasteceu a contento nossos cantis q já minguavam do precioso liquido.
Daqui em diante a presença cada vez maior de chácaras era sinal q a reserva já havia ficado pra trás e, ainda tocando pro sul, o caminho perdia altitude de forma imperceptível. Antes da última curva dos trilhos em direção ao kilometro final até Aldeinha, abandonamos a via férrea em prol de uma poeirenta via de chão q a cortava. O nome desta via era Estrada Fabio Pires Cintra e praticamente ia na mesma direção q a via férrea, porém fazia o trajeto pela íngreme encosta do último morrote. Assim, após perder quase 200m de altitude caímos num bairro vicinal de Aldeinha pouco antes das 15hr. Ali nos informamos de condução pra retornar e nos abastecemos de breja no mercadinho local.
Dali pro asfalto da Rod. Regis Bitencourt (BR-116) foi um piscar de olhos, e como q td conspirando pro nosso rápido retorno á Sampa, logo embarcamos num buso q nos deixasse na avenida principal de Itapecirica da Serra. Uma vez lá embarcamos noutro intermunicipal q nos deixasse em Pinheiros, decisão bem mais acertada pois esta condução é muito mais rápida que as q vão pra Santo Amaro, cujo destino seria a Estação Capão do Metrô. Antes mesmo de chegar em Pinheiros, me despedi da minha simpática parceira de rolê e saltei na Av. Francisco Morato, onde fiz o resto do trajeto até minha casa a pé.
Aos interessados em refazer esta pernada devo frisar que a oportuna condução pra Caucaia do Alto a partir do Metrô Butantã mencionada no relato não circula aos finais de semana. Nesse caso é preciso ir até o Largo da Batata (Pinheiros) e tomar condução ao Terminal de Cotia, e lá embarcar noutra condução até Caucaia do Alto, dilatando o tempo de transporte em uma hora a mais q o descrito aqui. Independente disso, dada a rapidez de translado cheguei a feliz conclusão q a Reserva Florestal do Morro Grande é o lugarejo natureba mais próximo de casa! Mais próximo até q Mogi e Paranapiacaba, motivo pelo qual devo investir mais nessa grata surpresa natureba. E não é pra menos, pois a enorme mancha verde q a carta de Osasco ostenta no quadrante inferior esquerdo é prova de q há muito o q conhecer. E esta caminhada por trilhos foi apenas o aperitivo pras possibilidades q a Reserva Florestal do Morro Grande oferece. E isso a apenas 1hora  da Grande São Paulo.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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