O PN do Cabo Orange fica no fim do Brasil, numa região única, uma enorme planície com uma flora de enorme variedade, banhada por um estranho mar gentil e visitada pela migração de belas aves coloridas.
O Cabo Orange é o equivalente ao Chuí: o local onde termina o nosso litoral – no caso, ao norte. O Brasil pode até ter sido descoberto lá, e não na Bahia, pois o português Duarte Pacheco teria explorado a costa das Guianas, dois anos antes de Cabral aqui aportar. Ou o espanhol Vicente Pinzón teria chegado à foz do Oiapoque no mesmo ano da nossa descoberta oficial.
Seja como for, o Brasil era uma grande selva à beira mar, as florestas opulentas do norte sendo tão ambicionadas pelas potências europeias quanto as do sul. Mas, durante os séculos XVI e XVII quando se aventuraram no Amapá, os espanhóis mal sabiam navegar a nossa costa, os ingleses foram vencidos pelos franceses e os holandeses, pelos portugueses. Restaram enfim os franceses, com uma grande confusão sobre qual seria o rio da divisa com a Guiana que lhes pertencia: se o Araguari ao sul ou o Oiapoque ao norte.
Duzentos anos de disputa com os franceses só foram resolvidos no começo do século XX por arbitragem internacional. Ganhamos a causa e o Amapá foi então incorporado ao Pará, passando em meados do século a Território e, em 1988, a Estado. A região foi sendo ocupada por garimpeiros, quilombolas, seringalistas e finalmente agricultores. É até hoje um Estado essencialmente extrativista. De todas as regiões do Brasil, é aquela onde menos atividade encontrei: costumo pensar que o Amapá vive da arrecadação, não a produção.
Entretanto, dispõe de uma situação única, dada sua escassa população. É o mais bem preservado Estado do país com 95% de sua cobertura vegetal ainda nativa. Neste sentido, conta com 10 milhões de ha (ou 70% de sua área) protegidos através de cerca de 20 Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Elas integram o Corredor de Biodiversidade do Amapá, que inclui as terras do Parque.
O Parque Nacional do Cabo Orange foi criado em 1980, com área de 619 mil ha. Ocupa o extremo norte do Estado, na fronteira com a Guiana Francesa, junto à foz do Rio Oiapoque. Abrange parte dos municípios de Calçoene e Oiapoque, muito próximo do Equador: fica entre 2⁰ e 4⁰ de latitude norte. É limítrofe com a Terra Indígena de Uaçá, habitada por quatro etnias: Karipuna, Palikur e duas tribos Galibi, com mais de 6 mil indivíduos. Sua área é quase equivalente à do Parque.
O PNCO possui uma faixa de cerca de 200 km de extensão adentrando 10 km mar adentro. Seu litoral é reto, sem a presença de baías, o que não facilitou a sua ocupação. É percorrido pela Corrente das Guianas, que corre rumo norte, e carrega os resíduos da foz do Rio Amazonas, que está logo ao sul. Esta deposição de sedimentos foi e continua sendo responsável pelo grande depósito flúvio-marinho que é o litoral do Amapá.
O Parque não é voltado à visitação, carecendo de estrutura adequada. Sua sede está na remota Vila Taperebá, às margens do Cassiporé. Seus acessos são bem difíceis. Você pode chegar nele pelo norte, a partir de navegação pelo Rio Oiapoque, quando você observará os manguezais costeiros – o farol não é avistável. Ou então pelo centro, navegando pelas águas perigosas do Rio Cassiporé, até a base de Taperebá. E também pelo sul, percorrendo a BR-156 até Calçoene e depois uma estrada rural até Cunami.
O relevo é plano, dominado pela planície fluvial e marinha. Esta área sofre influência do mar, sendo inundada parcialmente nas marés na estação seca e totalmente durante o período de cheias. Nela aparecem extensos cordões arenosos, formando um sistema complexo de calhas e cristas. Mais ao sul e a oeste aparecem terraços um pouco mais elevados. O relevo foi formado por depósitos recentes (no Quaternário), datando de apenas 10 mil anos.
A enorme planície do Parque é recoberta por vegetação arbustiva ou herbácea. As áreas mais baixas dos campos naturais abrigam lagos permanentes, como o Lago Maruani. Nas várzeas dos rios aparecem matas ciliares e, nos campos, manchas de cerrado. Os terraços do sudoeste são recobertos por florestas perenes com palmáceas. Não visitei seu interior, que dizem ser muito bonito.
Mas aparecem também vegetações associadas ao ambiente marinho. A flora de restinga recobre os cordões arenosos. E, ao longo de todo litoral, ocorrem os manguezais que encontram no Amapá as suas mais propícias condições. Assim, a planície do Cabo Orange exibe uma grande variedade vegetal, que contrasta com sua pobreza econômica e seu vazio social. Mas esta riqueza natural se esconde num visual talvez monótono, na planura sempre igual do mar e do campo.
Os manguezais são conhecidos como berçários da vida marinha, pelos nutrientes que fornecem. Além de peixes e crustáceos, acolhem os peixes boi, os jacarés-açus e as tartarugas verdes. O Parque recebe aves migratórias como maçaricos, guarás e flamingos, que fogem no inverno dos climas frios do norte e lá aparecem entre setembro e dezembro. Ele também funciona como refúgio de mamíferos como a suçuarana, o gato maracajá, o veado campeiro e os inúmeros macacos.
As águas do mar são quentes e pouco salinas, devido à influência da água doce do Amazonas. Os ventos são moderados, com ondas pequenas, de até 1½ m. Ou seja, não é um mar agressivo. O clima é naturalmente quente e terrivelmente úmido, com precipitações entre 3 e 4 mil mm, as mais elevadas de que tive notícia. O período mais seco é de set-out e o mais úmido, de dez-jul.
Existem três rios de grande importância para o Parque. O principal deles é o Cassiporé, que funciona como sua espinha dorsal, ao cortá-lo diagonalmente de sul a norte. Há dois vilarejos nas suas margens, Vila Velha e Taperebá, este no interior do Parque.
O Cassiporé é devastado pelos rejeitos do garimpo, realizado pelo desbarrancamento das margens. É impressionante comparar suas águas barrentas com o curso cristalino dos demais rios. O Garimpo do Lourenço nele existente é o mais antigo em atividade no país, datando do século XIX.
O Rio Cunani faz a divisa sul e o Oiapoque, a fronteira norte do Parque. A vila de Cunani, de origem quilombola, está também dentro da reserva. Todos estes vilarejos são mínimos, com talvez 20 famílias cada. Mas é grande a população de garimpeiros dispersos.
As populações no entorno e no interior do PNCO desenvolvem atividades consideradas conflitantes: a pesca na área marinha, a abertura de roças de subsistência, o extrativismo vegetal e o pisoteio dos campos pelos búfalos. Neste mundo parado, isto dificilmente irá mudar.