A trilha da Palmeira

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Não deu nem dois meses do rolê numa vereda a margem da antiga “E.F. Sorocabana” que lá estou novamente afim de fuxicar outro caminho que se embrenha dentro da “Reserva Florestal do Morro Grande”, região de Cotia (SP). Disposto a aproveitar mais um dia claro de calor e sol, de preferencia com um refrescante tchibum, desta vez andamos um pouco mais pela ferrovia até a “Trilha das Palmeiras”, também conhecida como “Picada do 106”. Um rolezinho de menos de 20kms que emenda asfalto, estrada de chão, trilho, trilha e muito brejo, mas que nos leva a isolados balneários naturebas do espelho d’água da Represa Pedro Beicht.

Saltamos eu e a Lau no terminal rodoviário de Caucaia do Alto pouco depois das 8hrs após uma rápida viagem no latão. Trip esta que passou despercebida, onde a paisagem emoldurada na janela dos horizontes a margem da Rod Raposo Tavares (SP-270) e da “Estrada de Caucaia do Alto” foram substituídos por ininterruptos cochilos. Desta vez, sendo dia de semana, havia possibilidade de chegar até o inicio da pernada mediante transporte público, coisa que não ocorre aos finais de semana. Noutras, um repeteco daquela ocasião do ferrotrekking “Caucaia-Aldeinha”.
Pois bem, mal pisamos no pacato vilarejo q recém acordava pusemo-nos a andar, desta vez fazendo diferente da vez anterior. Ao invés de começar pelos trilhos partindo da Estação Caucaia decidi interceptar a ferrovia mais ao sul, cortando ruas naquela direção de modo a adiantar o trecho de trilha e minimizar o percurso (desnecessário e enfadonho no seu trecho urbano) por via férrea. Sendo assim nos pirulitamos pela via a esquerda da simpática Igreja Nossa Sra Imaculada Conceição, que no caso responde por Gertrudes  Maria de Camargo, embora o mais difícil seja encontrar sinalização devida nas ruas.
Assim fomos por esta via na direção sul, deixando o burburinho de Caucaia pra trás, mas logo a abandonamos por outra nascendo pela esquerda, a Rua Luiz Ferreira Gil. Pronto, basta se manter nesta via por um bom tempo, sempre na direção sudeste. Após passar por uma escola e até um campo de baseball, nossa pernada mergulha no pacato Jd São Luiz, onde se destaca a charmosa capelinha São Luiz Gonzaga. Só depois é que o verde toma conta de a nossa volta com mais intensidade, e é onde se deve prestar atenção a uma discreta estrada de chão q deriva a esquerda e q toca pro norte. Uma placa tão velha qto enferrujada assinala esta via como “Rua Natalia” e é por ela q seguimos em suave ascensão, ladeando uma baixa colina de eucaliptos.
Não deu hora de pernada e já nos vemos nos trilhos da “E.F. Sorocabana”, e daqui o sentido é óbvio, isto é sempre pra sudeste. Trajeto tranquilo e desimpedido, permeado de reflorestamentos e matacões pipocando as colinas vizinhas, mas q depois dão lugar a exuberante mata nativa. Detalhe recorrente no caminho é o mau cheiro dos grãos e farelo q o trem deixa cair a beira da linha e termina apodrecendo ali mesmo; além de enorme qtidade de abelhas orbitando o açúcar que igualmente cai dos vagões das enormes e intermináveis composições.
Logo a frente não foi nem necessário atentar á placa que reforça o fato de já se estar na reserva, pois a farta e exuberante vegetação se encarrega disso, além de oferecer alguma sombra neste trecho inicial. Samambaias, canelas-de-ema, araucárias e quaresmeiras coexistem harmoniosamente nas encostas da morraria q nos envolve, eventualmente revelando trechos mais abertos das bacias q integram a reserva, ao longe. Ao passar pela entrada da picada visitada anteriormente (chamada de “105”), uma breve e oportuna parada numa valiosíssima bica situada (quase que escondida) na nossa margem direita, se encarrega de abastecer nossos cantis com o liquido precioso necessário pro rolê.
A pernada pelos trilhos prossegue por pouco mais de um quilômetro no mesmo compasso, agora sem a vantagem de ter sombra protegendo nossos miolos. Ali, vestígios do que parece ser uma tenda improvisada servem como referência da proximidade da vereda almejada. E após uma curva q desvia dum morrote  florestado nosso caminho desemboca num enorme descampado onde as vistas se alargam consideravelmente. Pela carta identifico o lugar como um dos gdes braços da represa Pedro Beicht, no caso, a bacia do Rio Capivari, q marulha silenciosamente pelo capim a nossa direita embora sua foz se localize a nossa esquerda. O espelho d’água da represa mesmo só é vista ao longe, ao norte. Mas olhando bem na margem esquerda dos trilhos é logo encontrada uma vereda bem marcada q se pirulita pelos arbustos na direção da represa. Pronto.
Abandonamos então a via férrea em prol dessa vereda, que toca sempre na direção norte, em meio ao capinzal de meio porte que áquela altura dança no compasso da brisa q sopra do sul. Diferente da “picada do 105”, aqui não há reflorestamento nem samambaias em volta, pelo menos não naquele comecinho. Ao invés disso, pipocam neste descampado isoladas palmeiras aqui e ali, que por sinal dão nome á vereda. Mas conforme nos aproximamos da represa a vegetação baixa de porte, e os então arbustos baixos logo dão lugar a capim ralo e até grama. Vale salientar q a proximidade do espelho d’água está repleta de imperceptíveis afluentes e nascentes q formam trechos alagadiços, enlameados e repletos de brejo, dos quais basta apenas desviar.
Uma vez na margem da represa, onde o chão compacto e firme facilita a caminhada, basta somente seguir a vereda q palmilha seu perímetro na direção leste, sem problema algum de navegação. Engraçado observar o remanso visitado anteriormente e as ilhotas lacustres  sob outro ângulo, ou seja, da margem oposta. No caminho trombamos com uma dupla de pescadores que se surpreendeu com nossa presença, mas q igualmente retribuiu nosso aceno gentil de “bom dia”. Conforme se avança sinuosamente pela margem da represa, vai se desdobrando um novo horizonte da mesma na direção preterida. Chama a atenção em meio a mata nativa destoarem curiosamente alguns pinheiros isolados bem no meio do caminho, assim como o canto metálico das arapongas rompendo o silencio nalgum canto no meio da mata.
Após andar um tanto a direção muda e toca pro sul. A larga margem compacta se estreita ameaçando não permitir passagem devido a mata que parece tocar a água, mas chapinhando aqui e ali a caminhada prossegue desimpedida. Neste trecho é possível avistar vários mocós de pescadores (ou caçadores) próximos do espelho d’água, assim como diversas trilhas adentrando na mata e algum lixo (sim, infelizmente). Mas após caminhar menos de 3km após deixar a via férrea, estacionamos num belo e bucólico remanso afastado dum dos braços próximos do lago principal da represa, mais a leste. Chão largo e batido e margem gramada era o que precisávamos naquele momento, em q o corpo pedia descanso como um merecido banho refrescante. E tome tchibum, com breves vislumbres do paredão da barragem Pedro Beicht, atrás dos recortes das penínsulas da represa.
Com o tempo favorável, ou seja, quente, nublado claro e com uma ou outra festa de céu azul despontando no firmamento, o tempo passou voando. Mas isso somente até perceber q o mormaço tava nos tostando de forma pouco perceptível, pois num piscar de olhos a Lau ficou parecendo um pimentão, principalmente nos braços e pernas. De qualquer forma estávamos mais q satisfeitos, e após um breve cochilo na relva decidimos começar o retorno, principalmente pq o tempo ameaçava abrir e o sol escaldante daquele comecinho de tarde surgir com força total.
A volta se deu pelo mesmo caminho, retorno este tranquilo e sem pressa. Após deixar a margem do belo espelho d’água da represa, decidimos tomar outra picada de modo a evitar os brejos e trechos alagadiços, decisão está q mostrou-se bem acertada pois há uma vereda q contorna estes trechos mais, por assim dizer, “tensos”. É uma vereda q passa por trás das palmeiras já mencionadas, fácil de encontrar. No caminho a picada passa até por um pontilhão improvisado com um dormente de trem q nos impede de pisar num afluente cristalino do córrego Capivari e que pode servir pra quem tiver com cantil desabastecido. “Nossa, tem gosto amargo..”, disse a Lau ao provar do precioso líquido, opinião da qual não partilhei nem um pouco diante da sede q tava naquele momento.
Uma vez nos trilhos bastou refazer o caminho sentido inverso, agora com um poderoso sol brilhando la no alto, tostando sem dó nossa cachola. Logicamente q fomos forçados a fazer outro pit-stop próximo da “picada do 105”, na refrescante sombra da bica anteriormente citada, pra ser mais exato. O resto da pernada transcorreu de boa, no canteiro já devidamente sombreado e sob o som do apito do trem nalgum canto, ao longe. Pra abandonar a via férrea e retomar a estrada de chão foi um piscar de olhos, caminhada entediante esta feita novamente com sol fritando o côco. Mas pouco depois das 15hr finalmente chegamos em Caucaia a tempo de embarcar no busuca de volta, cujos horários são apenas três. Logicamente q antes mandamos ver um descanso na praça, algumas brejas e salgados pra fazer a viagem embalada no mundo dos sonhos.
E esse foi mais uma pernada fuxicando as veredas a margem da “E.F Sorocabana”, no trecho entre Caucaia e Aldeinha. Vale lembrar q o camping a margem da represa é altamente possível e recomendável, dados os inúmeros mocós e vestígios caçadores q encontramos no caminho. E vai da sua disposição explorar as inúmeras veredas q nascem destes “ranchos” improvisados e se pirulitam mata adentro. Quem sabe dentro de breve meto as caras nos caminhos mais á leste da ferrovia, como as trilhas do 108 e 111, indo além da baixada da foz do Rio Cotia? Pois é, mas isso fica pros vindouros e refrescantes relatos a respeito deste pequeno paraiso ecológico que compõe o cinturão verde da Grande Sampa. E que abastece as torneiras de boa parte da Zona Oeste da capital.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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