A trilha do Bueirão

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Porta de entrada pra Paranapiacaba, Rio Grande da Serra tem atrativos naturebas que passam despercebidos diante sua ilustre vizinha inglesa. Aldeamento que nasceu as margens da São Paulo Railway em 1867, Rio Grande tem pedreiras, morros, riachos e uma gde represa que além de ser braço da Billings leva o nome do maior tributário que tb nomina a cidade. Aproveitando então meio período de um dia de tempo horrível, fui xeretar as rotas que bordejam o espelho d’água supracitado, q nada mais são velhas estradas de manutenção desativadas. Eis um breve circuito por uma tal de “Trilha do Bueirão”, que se não mudar sua opinião de “patinho feio” do lugar, serve ao menos pra outras coisas: caminhar sentindo o cheiro de mato, apreciar com novo olhar o belo sistema Rio Grande e ter noção da real situação da outrora crise hídrica de São Paulo.

A espoleta Chiara respirou aliviada qdo finalmente pôde andar livremente pelas ruas de Rio Grande da Serra, por volta das 10hr, após mais um bem-sucedido transporte de trem mocada na mochila de sua zelosa dona, a Carol. Sim, as duas foram a única cia q arrumei de última hora naquele que seria um dia apropriado mesmo pra ficar enfiado nas cobertas. Frio, cinzento e com fina garoa fustigando o rosto, aquele inicio de domingo de fato era bem desanimador no quesito “outdoor”, mas permanecer em casa tb estava fora de cogitação, ao menos pra mim. Ao invés disso me perulitei pralgum lugar q nunca tivesse pisado e não dependesse necessariamente de visual. Imediatamente pensei em Rio Grande da Serra pela proximidade e pelas investidas recentes do seu quadrante norte terem resultado gratas surpresas. Dito e feito, resolvi fazer um rápido reconhecimento no setor sudoeste, ou seja, a beirada da Represa da qual até a cidade emprestou seu nome.
Tomamos então o sentido oposto das bucólicas veredas da Faz. Matarazzo e, dando as costas a estação, nos mandamos pro trevo da cidade, isto é, no sentido da SP-122. Antes, claro, algumas fotos da Capela São Sebastião, local que fundou a cidade e onde ocorrem muitas festas e peregrinações por ser o padroeiro local. Cruzada a rodovia então tomamos a Av. Jean Lietaud, q rasga o centro comercial do Jd Sta Tereza. Ao chegar no cemitério da cidade abandonamos a via principal e vamos de encontro prum campo de futebol, a direita. Dali já se avista um belo e esverdeado lago q nada mais é um braço represado da represa q é nosso destino, rumo norte. A cena das garças e outras aves meditando sobre os aguapés pode até ser bonita, mas é pura ilusão; estas plantinhas aquáticas são indicativas da poluição local, uma vez q boa parte da cidade não tem um sistema de saneamento decente e boa parte do seu esgoto deságua justamente na represa.
Bordejando o lagão desembocamos numa precária via de chão q, com garoa caindo intermitentemente, apresentava-se um lamaçal só! Embora já não houvesse mais sinais de residências, ladeávamos os limites do chamado Jd Oasis Paulista no sentido oeste, e a mata a nossa volta torna a crescer em tamanho e exuberância. Pelas frestas é possível agora avistar, a nossa direita, o espelho dágua da Represa Rio Grande parcialmente envolto tanto em brumas como longe do seu nível normal de captação. A vegetação rala e ate arbustiva adentra no interior da represa em seus trechos mais rasos, onde divide espaço com os onipresentes aguapés. Somente conforme se avança mais pro interior é q se percebe um volume maior do precioso liquido, agora cercado de uma bela e verdejante morraria do outro lado.
A chuva aparenta dar trégua e a pernada flui tranquilamente até q tropeçamos com enormes estruturas da Sabesp no meio do caminho, além de vários trambolhos fazendo um barulho ensurdecedor. Na verdade aquela estrutura td era pra bombear a água dali pro Alto Tietê, e os trambolhos barulhentos eram geradores (com potencia superior á de um carro de Formula 1!!!) q garantem o devido funcionamento de td isso ai. Resumidamente – pelo q o guardinha de plantão nos informou – o sistema a nossa frente, o Rio Grande, registrara boa qtidade de chuvas e ganhou importância com a atual estiagem q assola a Metrópole Paulistana. Por isso foi necessário interligar este sistema com o Tietê (onde a água é devidamente tratada) pra aliviar o Sistema Cantareira, principal fornecedor da metrópole. “Ali são bombeados quase 4 mil litros de água por segundo ao longo de 22kms..”, frisa ele. Ironicamente, aquele lugar é o tal “Bueirão” que nomina a trilha da vez.
Pois bem, após as estruturas e um aterro q serve de ponte – onde a Chiara quase se engraçou com os pulguentos locais – nossa rota ainda se mantém na precária via, segue na direção oeste desviando de leve pro norte. Aí abandona a beirada da represa e se pirulita pro interior, onde há algum sinal de uma ou outra residência bem simplória mocada no mato, provavelmente ilegal. A estrada some e dá lugar a uma estreita vereda cercada de mato, no exato momento em q a chuva ameaça outra vez cair sobre a gente. Mas este é apenas mero detalhe pro andarilho determinado e decidido, claro.
Uma vez na picada começamos a subir suavemente pela dita cuja, envoltos na mais espessa e frondosa mata. A vereda alterna chão, terra, trechos erodidos, pedregulhos e muita, muita lama! Vez ou outra surgem vestígios do antigo calçamento do q outrora fora uma via bem movimentada, fato reforçado tb pelo corte vertical na encosta do morro ao largo de td trajeto. Eventualmente a picada emerge no aberto – onde acompanhamos uma linha de torres de alta tensão – mas são apenas momentos breves e efêmeros pois a paisagem recorrente é a de estar cercado por verdejante e exuberante mata. Um rolê q facilmente traz a mente qq rolê em Paranapiacaba ou Mogi.
A vereda se alarga e estreita a td momento, mas é sempre obvia e evidente. Depois da subida vem uma íngreme descida, onde a cautela pra não levar um chão é redobrada. Receio este agravado pelo chão, além de úmido, se encontrar repleto de limo liso feito sabão! Uma vez vencido este trecho o caminho aparenta suavizar, mas surgem bifurcações e mais bifurcações no caminho. Mas aí basta se manter sempre na via principal, não tem erro. É so tocar pra sudoeste. Apesar do lugar parecer um emaranhado de caminhos é facilmente perceptível sua espinha dorsal. Pra variar, a espivetada basset vai sempre na dianteira, “abrindo” caminho pra gente e voltando constantemente pra se certificar se estamos em seu encalço.
Mas após menos de 1hr de pernada a vereda desemboca numa via de chão no meio do nada e lugar nenhum, uma tal “Rua do Jangadeiro”. Munido da carta local sabia q havia q subir e começar a dar a volta nesta q é uma “mini-peninsula” da represa. E foi o q fizemos, tocamos estrada acima pro norte, passando por uma ou outra chácara mocada no meio do mato. Ao dar quase no extremo norte do caminho tive alguma dificuldade em reconhecer a rota a tomar pela ausência sinalização dando nome as ruas. Estávamos quase no limite do Jd Vista Linda, mas ai bastou perguntar pra qq local q ele sabe te informar a picada que retorna pelo norte.
Pegando as dicas dum rapaz q ali circulava de bike, tocamos pela Rua José Tondato até seu final e pronto, lá estava a bendita trilha! Dali em diante foi só alegria, ainda mais q a chuva já havia parado de vez. Logo no comecinho da picada havia uma cerca de madeira e uma estrutura metálica q aparentava proibir acesso, mas como estava td tomado pelo mato e bem enferrujado parece q esse era mero detalhe pois a vereda apenas contornava este “obstáculo”. E tome trilha na direção leste, inicialmente subindo suavemente ao mesmo tempo q bordejava colinas repletas de mato. A picada é bem batida e bastante agradável de transitar, sinal q é igualmente utilizada pelos habitantes do bairro anteriormente palmilhado. O melhor mesmo são as belas janelas da vegetação, q permitem vistas emolduradas de verde da represa ao norte.
E em coisa de menos de hora a vereda nos deixou quase q bem no comecinho da picada anteriormente percorrida, justamente numa das primeiras bifurcações ignoradas. Como imediatamente reconheci o caminho ai não teve mais erro, bastou retornar pelo mesmo caminho assim totalizando um circuitinho breve, simples e despretensioso. Na volta, pra não retornar pelo lagão do inicio tomamos uma bifurcação q nos deixou na SP-122, e dali rasgamos o miolo de Rio Grande até chegar novamente na estação pra dali empreender retorno pra “Paulicéia Desvairada”, q se deu após as 15hr. Claro q antes disso trombamos com os finalmentes duma feira dominical e mastigamos um par de deliciosos pastéis, acompanhados cada um do seu liquido preferido. E o meu td mundo sabe qual é.
E esse foi o breve e despretensioso rolê de reconhecimento por aquelas bandas da represa Rio Grande. No caso, pela tal “Trilha do Bueirão”, cujo nome infelizmente resume a atual condição do sistema. Apesar de alternativa importante pra crise hídrica estadual, a Represa Rio Grande vive uma situação delicada pois depende de investimentos para sua total recuperação, que depende do tratamento de esgoto (lançado ao longo dos anos) e do reflorestamento do entorno. O crescimento desordenado de Rio Grande da Serra promove o desmatamento e a construção de moradias irregulares, invadindo e poluindo área importante de manancial. Resta saber se a atual prefeitura esta empenhada ou não em mudar esse quadro e tornar a represa a gde área de lazer que outrora já foi.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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