A Trilha dos Seis Ranchos – Final

0

Enfim, as 13:10 a trilha nos leva aos limites da Faz. Quilombo, onde as nascentes do Anhangabáu correm na forma de um pequeno, raso e manso córrego. Ao invés de cruzar o rio e prosseguir pela trilha rumo ao emaranhado de estradas de reflorestamentos da fazenda, simplesmente agora nossa rota é acompanhar o rio. E assim fazemos, alternando as margens ou saltando de pedra em pedra vamos avançando pelo rio, cruzando com bucólicos remansos, poços cristalinos e as vezes pequenos cânions lajeados fáceis de transpor.


Primeira parte

Indo pela mata na margem direita do ribeirão, q aos poucos vai se alargando na medida em q outros córregos aumentam seu volume ao seu curso, as 13:30 topamos com uma obvia picada q num piscar de olhos nos leva ao terceiro rancho do dia. Ou o q já foi outrora um rancho, pois o mato já tomou conta de td e o único vestígio de q aquilo ali já fora habitado são uns plásticos no chão e algumas madeiras de sustentação numa clareira parcialmente coberta.

Bem, dali poderíamos ter prosseguido pelo rio mas do rancho nascia uma picada bem batida q rumava pro pico ao lado, q logicamente fomos conferir. E não demorou pra picada tomar uma crista ascendente bem forte q fomos vencendo lentamente, claro. Já quase no alto a vereda some por completo nos obrigando a rasgar voçorocas de bambuzinhos no peito até q finalmente não há mais o q subir. São exatas 14hrs e o altímetro marca 1100m naquele cume coberto de mata marcado por um grosso palmito cortado ao meio, único sinal de passagem humana por ali. Civilizada, não sei.

Francamente, quem se dá o trabalho de ir naqueles cafundós do Judas apenas pra pegar palmito? Fazendo algum esforço, podemos enxergar através de frestas na mata os contrafortes serranos em volta bem abaixo de nós. De fato, estamos num dos ptos mais altos da Serra do Quilombo. Sem conhecimento ou referencias do nome do lugar, o apelidamos apropriadamente de Pico do Quilombo. Se alguém souber o nome correto por favor me corrija.

Pois bem, não tivemos nem 5min de descanso q imediatamente começamos a descer. Mas não pelo mesmo lugar, e sim apenas azimutamos a bússola pro sul e fomos rasgando mato no peito, piramba abaixo! Este trecho posso afirmar q foi meio punk pq o começo do barranco estava repleto de voçorocas daquele cipozinho q gruda na pele, o q me deixou repleto de ralados e queimaduras nos braços e pernas. Mas a cautela redobrou qdo quase fui degolado por um tufo de capim navalha no caminho, ao avançar desvairadamente, q deixou apenas uma pequena lembrança no gogó. Passado este trecho de mato espesso a descida foi tranqüila, desviando da mata mais agreste e nos firmando no arvoredo em volta, enqto o som de agua nos norteava indo ao seu encontro. A agonia dos ralados espalhados pelo corpo ardendo ao contato com o suor farto escorrendo só não era pior ao do mato entrando por td reentrância no corpo, q nos deixou sujos dos pés a cabeça.

E assim as 14:45hrs desembocamos novamente no Rio Anhangabaú, q aqui já corria fartamente encachoeirado em virtude da forte declividade, á diferença daquele manso e calmo q palmilháramos hora antes. Aqui começou uma legitima descida de rio, q pra mim foi a melhor aventura da trip. Mas foi aqui q senti uma fisgada na região lombar q me deixou o resto do dia com uma inconveniente dorzinha localizada q restringiu meus movimentos. Nada grave, claro, mas é algo q me fez redobrar os cuidados, sem forçar a barra na seqüência de desescalaminhadas q se seguiu.
&nbsp,
E assim fomos perdendo altitude rapidamente através dos lajedos no caminho, saltando rochas ou desescalaminhando paredes, sempre pela margem esquerda. A declividade forte logo fez surgir um paredão á nossa frente, barrando nosso avanço num precipício q se afunilou num vertiginoso cânion encachoeirado. Claro a ai fomos pela lateral, desescalaminhando o mato através da íngreme encosta, sem gde dificuldade. E assim o processo se repetiu vezes seguidas, onde fomos ganhando níveis sucessivos daquele belíssimo curso dágua, repleto de cachoeiras despencando furiosamente, gdes poços translúcidos, fendas rochosas emparedando o rio e patamares de pedra q serviam de verdadeiros mirantes com vista privilegiada de td Vale do Quilombo.

Um tempo depois a rio nivelou e o avanço progrediu através de uma enorme ilha fluvial. Mas como alegria de pobre dura pouco, logo retomamos o ritmo anterior qdo o rio novamente embicou serra abaixo. E tome mais desescalaminhada de pedra e de vara-mato pirambeiro na encosta! Mas após um tempo q pareceu não ter fim, logo os visus se abriram e os horizontes se ampliaram de tal forma numa enorme laje no caminho q ficamos radiantes de alegria, as 16hrs. Estávamos finalmente no topo do Cachoeirão do Anhangabaú e uma vista espetacular se descortinava á nossa frente!!! Nos debruçamos sobre a pedra apenas pra ver a água sendo despejada em 3 níveis sucessivos nesta enorme e majestosa cachoeira, uma das maiores q já conheci. Já havia estado anteriormente ali, mas minha visitação se limitara apenas ao segundo nível da cachu. Estar bem mais acima dele era realmente outra coisa e dava outra dimensão á cachoeira, q nos oferece outra perspectiva de td.

Mas o tempo de contemplação durou pouco. O horário avançado nos forçava a apressar o ritmo pra evitar concluir a descida do restante do rio no escuro, algo q estava fora de cogitação. Tomamos então a encosta ao lado esquerdo do cachoeirão e passamos a descê-la na escalaminhada, segurando firme no mato em volta, ate q logo encontramos uma trilha bem batida e por ela prosseguimos ate o final. No caminho fomos brindados por uma magnífica vista lateral do primeiro nível da cachu, e assim caímos no patamar rochoso q havia estado durante minha visitação anterior.

Contudo, a descida prosseguiu pela mesma encosta, a diferença da vez anterior. Com trilha percorrendo boa parte da encosta esquerda td foi bem mais fácil e rápido. Ai topamos com o quarto rancho, q mais parecia um chalé com vista privilegiada da cachu. Seja como for, o dono aproveitou criativamente o tronco de uma arvore curva como sustentação, passando a lona por cima dela e amarrando firmemente as extremidades em formato triangular. No entanto, o exíguo espaço dava sinais q o local era apenas pra pernoite pessoal apenas, pois havia uma “cama” somente no interior.

Continuando pela trilha piramba abaixo, sempre ao lado da imponente cachu, e logo caímos no quinto rancho, espremido no único local plano da encosta! Pra mim é o melhor de tds q passamos e apelidamos de “Albergue”, pois era tão bem organizado, limpo e charmoso q parecia o “hostel” do Robinson Crusoé! Acomodado ao sopé de um enorme rochedo e protegido ao lado por uma gde arvore, o rancho era de fato um casebre de madeira com janela e td mais. Tinha até chaminé! Estava em tão boa conservação q tivemos receio dos seus habitantes estarem no interior. Anunciamos nossa presença e nada, tava deserto mesmo.

Ao adentrar qual nossa surpresa ao ver q o local era dividido num quarto e uma cozinha, td sobre um chão duro e compacto. No primeiro cômodo, edredons, cobertas e colchões limpos e secos estavam bem dispostos pra não receber umidade e mto menos mofo!! Já a cozinha era algo fino: havia uma pia (com captação da cachu) q dividia espaço com prateleiras bem dispostas repleta de produtos perecíveis ( não vencidos!), mas o q me impressionou era q ali havia um enorme fogão com botijão e td mais!!!!

“Putaqueopariu!! Como trouxeram esta porra até aqui???”, eu e o Carlos nos perguntamos estupefatos. De fato, aquele rancho tava localizado na lateral da cachoeira e já chegar ate a mesma demandava escalaminhada brava (seja por cima ou baixo), isso sem contar o acidentado percurso pra transpor o Vale do Quilombo!! Teria sido por Teletransporte? Telecinésia? Ovnis? Helicóptero? Ou mediante o trabalho forçado de uma legião de gnomos eunucos escravizados? Tai uma boa pergunta q pode facilmente listar aos demais mistérios insondáveis da humanidade, ao lado das Pirâmides do Egito e dos Moais da Ilha de Páscoa… o Fogão do Cachoeirão!!! Numa próxima exploração à região não vou pensar duas vezes em passar a noite aqui! Só esperamos q o local esteja inteiro ate lá.

A pernada prosseguiu no mesmo compasso anterior, ou seja, piramba abaixo, agora acompanhando a mangueira de captação do rancho. Assim q atingimos a base da cachu bastou seguir pelo leito pedregoso do rio, q agora corria mansamente na horizontal até despejar suas águas no Rio Quilombo, confluência q atingimos por volta 17hrs. Com o dia se esvaindo rapidamente, iniciamos o pior trecho da trip, ou seja, subida de quase 300m de serra da volta! Aquela dura e extenuante jornada de um dia inteiro agora cobrava seu pesado tributo, e logicamente q vencer aquela pirambeira quase vertical so foi possível em marcha reduzida, um mix de tartaruga-manca com lesma paraplégica!!! Eu ainda tinha o agravante da dor lombar lancitante e não via a hora daquele martírio fatigante terminar. No caminho passamos pelo sexto rancho, um tal de “Rancho do Pipoca”. Mas alem de desativado e poucos sinais evidentes, sequer prestamos atenção diante da nossa visível pressa em chegar na vila. Nosso rango havia terminado e estávamos famintos, claro.

Com a penumbra já tomando conta do vale e os vagalumes cintilando ao redor, as 17:40 chegamos na “bifurcação das bananeiras” apenas pra percorrer o resto do trajeto sob fachos de lanterna. Após alguns tombos e galhadas na cabeça por desatenção devido ao cansaço e fome, chegamos tropegamente na Estrada do Taquarussú, as 18:49hrs. Dali em diante percorremos meio grogues os 3km restantes ate a vila, iluminados pelo belo luar e zilhões de estrelas q forraram o firmamento. Ao longe, tb podíamos avistar as luzes de Furnas.

Enfim, chegamos na vila inglesa zumbificados e com as pernas tremulas, as 19:30, onde desabamos merecidamente no Lgo dos Padeiros, imundos. Sob o olhar curioso dos demais turistas, nos entupimos de cerveja e pasteis, q àquela hora parecia o néctar dos deuses. Desnecessário dizer q a volta pra Sampa foi embalada no mundo dos sonhos. O perrenguinho do dia havia de fato valido a pena, mas cobrara um tributo meio salgado fisicamente, razão pela qual há de se repensar as novas investidas “vapt-vupt” ao setor sul da Serra do Quilombo. Logicamente q o pernoite é o ideal pra novas explorações àquele setor. Mas tendo em vista a abundância de ranchos na região é bem provável q nas próximas trips a gente faca uso de algum deles, e assim progredir no avanço sem necessariamente carregar peso avulso com equipo de acampamento. Só assim pra desvendar um pouco mais daquela bela região da Serra do Mar tão próxima da urbe mas igualmente tão desconhecida. Uma Paranapiacaba pra poucos mesmo.

Fotos e texto de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
&nbsp,

Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário