BATE-VOLTA NO VALE DO QUILOMBO

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Não deu nem 2 semanas de ausência de Paranapiacaba q não resistimos à tentação de lá retornar p/ perscrutar outros rincões perdidos na mata q haviam deixado vastas possibilidades de nossa incursão anterior. Se naquela oportunidade havíamos apenas arranhado superficialmente as encostas verdejantes da Serra do Quilombo, desta vez a intenção seria descer de fato às corredeiras e poços do rio q lhe emprestam o nome. Isso resultou num árduo bate-volta, porém adrenado e bem gratificante. Afinal, não é qq um q tem joelho p/ descer (e subir, posteriormente) os quase 800m de desnível q separam o planalto da famosa vila inglesa e o sertão verde q abraça as margens do fantástico Rio Quilombo.
Fotos: Bárbara Pereira


A previsão meteorológica se mostrara incerta durante a semana, razão pela qual não houve interesse geral nesse bate-volta planejado de última hora. Além disso, a festança promovida à noite anterior apenas cunhava de razão quem ainda matutava o convite. Entretanto, c/ tds esses “poréns” (inclusive uma ressaca brava!) estava resoluto a voltar p/ serras de Paranapiacaba, ainda + contagiado pelo enorme interesse da Báh (apelido carinhoso da Bárbara) em me acompanhar pois nunca tinha pisado na ilustre vila inglesa, q por sua vez dista apenas 40km de Sampa.

Assim, saltamos as 8hrs numa RG da Serra envolta em brumas após cochilar boa parte do trajeto no trem. Os 20min de espera do busão passaram rapidamente e foram preenchidos beliscando guloseimas, brincando c/ trocentos vira-latas ou apenas ouvindo um bebum chato q encarnou na gente. O dia de fato não estava nada animador, nublado e c/ espesso nevoeiro, desestimulava qq passeio à região, e isso era visível, pois em Paranapiacaba não desembarcara nem meia dúzia de pessoas.

Atravessamos a passarela metálica observados por um “Big Ben” bocejando em meio ao “fog londrino”, típico daqui, ate ganharmos as ruas q logo nos conduzem à bucólica “Estrada do Taquaruçu”. Após o portal e a cancela do Parque Nat. Nasc. de Paramapiacaba, andando tranqüilamente por um caminho cascalhado decorado de lírios-do-brejo e maria-s/-vergonhas, os primeiros raios do sol despontavam espiando-nos através de fragmentos de céu azul! A iluminação matinal conferia um “quê” de onírico àquela simplória estrada, sensação aumentada c/ a “chuva” de pétalas dos ipês-amarelos esvoaçando à menor brisa em meio à revoadas de vistosas borboletas.

A Báh se encantava c/ os efeitos da iluminação nas inúmeras teias-de-aranha do percurso e merecedoras de mtos cliques de seu celular. Por sorte, a pernada oxigenara meus pulmões e a leve dor-de-cabeça da ressaca da noite anterior foi se diluindo conforme os passos eram dados. Uffaaa, menos mal! Não tardou p/ deixarmos à estrada e, após a entrada da “Trilha da Água Fria”, mergulhamos na mata fechada pela “Trilha da Comunidade”.

As chuvas dos últimos dias haviam deixado a picada bastante úmida e escorregadia, mas o frescor da mata foi + q bem-vindo qdo começamos o trecho árduo de subida, em ziguezagues, q esquentou o corpo e encharcou nossos rostos. Dessa forma, após quase 270m de desnível, as 10hrs alcançamos a vasta clareira q marca o topo do morro, onde descansamos ao lado das ruínas da&nbsp, “Comunidade”, beliscamos alguma coisa e a Báh terminava de me contar suas peripécias no P. da Neblina. Contudo, as brumas haviam retornado c/ força total, dando ao local um aspecto de “Machu Pichu tupiniquim”, já q ali tb – no alto da Serra do Mar – tb nalguma ocasião (não) mto remota habitara uma antiga comunidade. Mais cliques, lógico!

A pernada prosseguiu através de uma picada à esquerda das ruínas, q mergulhou novamente na mata e desceu por um bom tempo em suave declive, s/ problemas. O único inconveniente foram as trocentas (e enormes) teias-de-aranha q insistiam em beijar nosso rosto, indicando o pouco uso da picada. As 10:30 caímos na famosa bifurcação em “T” e, não repetindo o erro da ocasião anterior, tomamos s/ pestanejar a ramificação da esquerda q por sua vez não tardou a nos deixar na picada oficial da “Volta da Serra”, vinda da estrada. Daqui bastou apenas acompanhar a picada – obvia e s/ mta declividade, porem perdendo altitude imperceptivelmente – sempre bordejando a encosta esquerda da verdejante Serra do Quilombo.

No caminho desta antiga vereda, os atrativos são as velhas fornalhas cavadas na encosta, macucos indignados diante de nossa presença e um belo riacho descendo a serra q molha nossa goela. Sem falar na exuberante vegetação da Mata Atlântica, q em suas raras frestas nos permite vislumbrar o majestoso e imponente Vale do Quilombo, c/ suas verdejantes escarpas debruçando-se q quase verticalmente sentido litoral, à sudoeste.

As 11:30 e após cair numa picada maior, damos finalmente na “bifurcação das bananeiras”, de certa relevância. Pois bem, até então havíamos feito um repeteco do roteiro da ocasião anterior, c/ a diferença q desta vez não tomaríamos o ramo da direita, q daria a volta pelas encostas de serra ate a vila. Sendo assim, nos lançamos pela trilha da esquerda q nos levaria ao fundo do vale propriamente dito. O inicio deste trecho estava repleto de brejo e charco, e não nos restou opção senão descer champinhando ate cair numa clareira c/ restos de acampamento.

Atravessamos um pequeno riachinho ate q a trilha volta novamente a subir, costeando agora um ombro de serra pela direita. Desembocamos então numa picada + larga, visivelmente no q fora outrora uma antiga estrada porem tomada em parte pelo mato, principalmente por belos exemplares de cedros, orquídeas e bromélias. Surgem pequenas e discretas bifurcações, mas o sentido é (meio) obvio indo sempre na picada + batida.&nbsp, Ainda assim, sempre procuro deixar alguma marcação na trilha ou apenas memorizar corretamente o trajeto p/ não ter surpresas na volta. “Ta td sussi!”, a Báh responde ao lhe indagar se tava cansada. Ótimo, era sinal q poderíamos continuar no ritmo forte q havíamos imposto à pernada até ali.

No alto do morro andamos um pouco ao largo de sua estreita crista ate desembocar numa bifurcação maior, cujas duas ramificações estavam bem batidas. E agora? Bem, escolhi a picada da direita (q me pareceu ser a “Trilha 240º”) apenas por bom senso, mas poderíamos ter tirado no “par ou impar”, pois acredito q a outra tb levasse ao rio, porem nas corredeiras bem + acima. Taí + um motivo p/ voltar e explorá-la noutra ocasião. Pois bem, tomando o ramo da direita começamos bordejando uma encosta bastante íngreme, p/ depois descê-la em curtos ziguezagues. Logo caímos num ombro (ou crista) de serra q bastou descê-lo quase q reto e forte, piramba abaixo, c/ mato caindo por ambos os lados e q demandou tb q nos firmássemos no arvoredo ao redor.

Perdendo rapidamente altitude, o rugido do rio foi aumentando cada vez + de intensidade, sinal da proximidade do fundo do vale. Pequenas bifurcações surgem (e + marcações vou deixando), e após um ultimo trecho de ziguezagues, bordejamos uma ultima encosta ate cair finalmente em meio às primeiras pedras e lajedos às margens do Rio Quilombo, as 12:30! O local é cênico: corredeiras, piscinões e cachus de água cristalina em meio a enormes blocos de pedra esparramados por td a extensão do rio, q por sua vez desce vale abaixo numa espécie de desfiladeiro. Td isso emoldurado e cercado pelas imponentes e verdejantes montanhas da Serra do Mar.

Não pensei duas vezes e mergulhei num enorme e convidativo piscinão à minha frente. A Báh, em contrapartida, empenhou-se + em explorações dos arredores e encontrou duas peçonhentas entre as pedras (inclusive uma charmosa jararaca!), o q já a deixou feliz da vida.&nbsp, Aqui as possibilidades de pernadas eram inúmeras: desde descer o rio ate a Piacanguera, subi-lo em direção ao Poço das Moças, ou até mesmo atravessa-lo e ganhar as cachus/corredeiras de outro gde afluente próximo, o Rio Anhangabaú. Porem, como esta era nossa 1º exploração, não estávamos devidamente equipados e nem dispúnhamos tanto tempo assim, nos limitamos apenas à curtir aquele belo e bucólico remanso.

Após uma hora exata de descanso e de comer alguma coisa, as 13:30 colocamos pé na trilha p/ retornar pelo mesmo caminho. E teríamos q ser ligeiros, mas não pelo fato da árdua (e looonga!) subida q tínhamos pela frente, mas pelo fato do céu subitamente se cobrir de densas nuvens e um leve chuvisco começava a fustigar nosso rosto. Perguntei p/ Báh se ela tava pronta p/ encarar, e esta respondeu c/ td tranqüilidade do mundo: “Ta td sussi!”

E lá fomos nós novamente subindo td o trajeto feito, sempre em “primeirinha”, e no final dos primeiros 10min já estávamos bem ensopados de suor. No entanto, isso não reduziu nosso ritmo q manteve-se constante td tempo. As marcações deixadas foram tb fundamentais p/ diluir qq duvida q por ventura surgisse, já q a perspectiva da mata era totalmente diferente no sentido contrario. Quiçá por isso q nosso tempo de subida, por incrível q pareça, foi bem inferior ao da descida (!?)&nbsp, Eis um mistério q nos intrigou.

Dessa forma “misteriosa”, as 14:30 já estávamos de volta à “bifurcação das bananeiras”, onde a partir dali o terreno praticamente nivela e a pernada ganha + agilidade e velocidade, já q a dificuldade de orientação aqui é quase nula. Pra não ter de voltar pela “Trilha da Comunidade” e subir desnecessariamente até as ruínas, ignoramos a picada q desce da esquerda e nos mantemos na principal, sempre descendo suavemente pela encosta direita da serra. De repente emergimos da mata, e a paisagem descortina à nossa direita a vila-presépio do Taquarucu, c/ as cores vivas de sua simpática igrejinha destacando-se em meio ao sertão e das montanhas verdejantes q parecem abraça-la! A ameaça inicial de chuva passara faz tempo e agora um sol brilhava radiante por td a serra.

Após um bosque de eucaliptos, caímos finalmente na estrada de terra por volta das 15:40. Como a estrada liga os municípios de Sto André e Mogi das Cruzes, o sentido a tomar daqui era o da esquerda. E tome estrada! Quase 2km após ter começado, passamos por dois cruzeiros na beira da estrada, ate passar pela entrada de acesso das trilhas no inicio do dia. O cansaço acumulado já se fazia sentir, ao menos pra mim, e não via a hora de estacionar num boteco da vila p/ molhar a goela c/ uma breja gelada! A fome, por sua vez, era o q motivava a Báh a continuar, apesar de estar fisicamente bem “sussi”, pra variar! Tanto q ela não parava de falar num franguinho de “televisão de cachorro” q havia visto pela manhã.

Chegamos no vilarejo finalmente as 16:30, um tempo recorde q ate nos surpreendeu! Independente disso, estacionamos num dos quiosques da vila e mandamos ver td q tínhamos direito. A movimentação tava razoável, c/ td mundo já começando a se mandar qdo as brumas tomaram outra vez conta da vila, e q com ela trouxe tb um leve friozinho. De bucho cheio, tomamos o busão de volta p/ RG da Serra quase 18hrs, já escurecendo, e de lá tomamos o trem p/ Sampa, trajeto este q fizemos amparados nos braços de Morpheus. Dali p/ casa foram dois palitos, claro.

E assim foi mais um produtivo domingão enfiados no meio do mato, já c/ breve promessa de retorno diante das tantas possibilidades ainda p/ explorar. Essa, enfim, é a vila de Paranapiacaba, sempre cercada pelas belezas da Mata Atlântica, c/ trilhas e paisagens q nem parecem estar tao próximos da capital. Basta apenas um passeio curto p/ se chegar lá e passar o dia, onde é possível fazer caminhadas diferentes p/ tds gosto e fôlegos, e onde cada investida parece revelar sempre novas opções de pernada. Só repete roteiros quem quer. Portanto, basta aguardar uma brecha oportuna de bom tempo, chamar alguém disposto p/ um bate-volta “natureba-diferenciado”, respirar fundo e entrar em contato c/ a natureza exuberante da Serra do Mar.

Texto: Jorge Soto&nbsp, Fotos: Bárbara Pereira &nbsp,
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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