Carretera Austral: de Puerto Guadal à Chile Chico (quase)

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Acompanhe os relatos de Aline Souza em sua cicloviagem pela Carretera Austral desde o começo:

Dia 17 – 08/01/2019

  • Trajeto: de Puerto Guadal à Chile Chico (quase)
  • Distância: 55 (de 100) km
  • Acumulado de subidas: 1208m
  • Acumulado de descidas: 1043m
  • Terreno: rípio
Acordei animada depois de uma noite de chuva. Olhando para fora, vi um solzinho querendo aparecer e algum azul no céu, minha felicidade desses dias é encontrar azul no céu. O sol e o azul do céu deixam tudo mais lindo, principalmente o lago General Carrera.
Tomamos café da manhã na hospedagem. Comi pão frito (algo tipo orelha de gato quando é feita macia), nada leve para o café da manhã, mas estava delicioso. Para acompanhar manteiga, geleia caseira e aquele café solúvel de sempre (Nescafé), hoje adicionei leite em pó.

Dos meus estudos regado a vinho da noite anterior, sabia que o dia seria puxado, bem puxado … talvez o mais puxado da viagem. Algo como 108 km com mais de 2500 m de acumulado de subidas, tudo isso no rípio. Então, trarei de ajeitar minhas coisas logo.
A bike estava imunda, sapatilha também. Limpei apenas minha roupa, nem cogitei limpar a bike e a sapatilha, vai saber como estará o clima e a estrada hoje (sempre dou uma olhada na previsão, ms digamos que ela não consegue ser 100% assertiva, a não ser nos dias em que fala que vai chover o dia todo, ai chove mesmo).
Pedalamos um pouco na vila e logo pegamos a Ruta 265, nosso trajeto do dia. Olhei para frente e já tinha uma subida daquelas. Como comentei ontem, Puerto Guadal está num vale … parece que agora vamos sair dele.
A parte boa de subir é que o corpinho se aquece rapidinho, não reclamo. E nas subidas de hoje temos a companhia do Lago General Carrera ao nosso lado esquerdo, o que deixa qualquer subida mais fácil. Coloquei a vovozinha, sem medo de ser feliz, e fui subindo admirando a paisagem. Parei para tirar umas fotos, juro que não era desculpa para descansar (rsrs).

Era só eu parar para uma foto que Julien sumia, estava claramente andando mais rápido que o normal. Tenho um sentimento de que meu amigo está meio de saco cheio de mim e claro que isso me afeta. Tenho vontade de fazer o trajeto com calma, parando, apreciando, tirando fotos, mas me sinto na obrigação de ir um pouco mais rápido para que ele não tenha que me esperar tanto. Complicado.

Julien me esperou, conversamos um pouco e comemos alguns cookies. Sai na frente, comentei com ele que estava mais lenta, e que logo ele me alcançaria. 
Segui pedalando, pedalando mais logo parei para mais uma foto, nesse momento Julien me passou … e logo desapareceu.
Depois de um tempo senti fome de verdade. Sabia que havia uma vila perto do km 30, Mallín Grande, e desejei que Julien me esperasse lá para almoçarmos… e lá estava ele, num ponto de ônibus (nossos grandes amigos) quase no final da vila.
Comemos de tudo um pouco, pão, ovo, bolo, amendoim, nectarina … também fizemos piadas bobas e comentamos sobre a beleza do trajeto. 
A partir dali começamos a ter subidas ainda mais intensas e longas. Julien sumiu em uma delas e não o vi mais. Sinceramente, não me esforcei para alcançá-lo, não estava afim de sair correndo atrás dele. Segui no meu ritmo, parando para tirar fotos quando me dava vontade (elaborando fotos sozinha com meus ‘equipamentos’) e também curtindo e admirando aquela paisagem linda.
O trajeto é simplesmente incrível, sério, já percorri rotas cênicas em alguns lugares do mundo, pode ser que com o tempo vamos esquecendo de tudo que vimos, mas esse trajeto, visualmente, foi o percurso mais lindo que fiz.
É muito vislumbre, a cada subida admiro a próxima descida, desço, e lá embaixo novamente volto a parar para admirar a próxima subida. A estrada é meio que encravada na rocha, pequena, cheia de curvas, algumas vezes ficamos entre pedras de uma grandeza espetacular … e logo vem uma nova curva seguida de uma nova paisagem escandalosa.
E assim fui seguindo, acompanhando as curvas, as subidas, as descidas, o lago General Carrera e as montanhas nevadas que completavam a paisagem encantadora.
Eram 15:30, estava no km 55 e meu pneu traseiro furou. Na hora eu dei uma xingada.  Fiquei chateada por Julien não estar por perto e por ter sumido por mais de 3h.
Passo muito trabalho para trocar o pneu sozinha. Sei o que tem que ser feito, mas meu pneu, por ser notubes, é muito difícil de tirar. Segui até encontrar um lugar um pouco mas seguro (longe de uma curva) e comecei a função.
Tive que tirar os alforges e o marimbondo para conseguir tirar a roda, não tinha um local para apoiar a bike, então o peso da frente desequilibrava tudo. Tirei a roda, apoiei a bike no chão e comecei a função de tirar a câmara, tive que usar 3 espátulas, fazer muita força e me lanhei toda.
Assim que consegui tirar a câmara olhei tudo com calma para ver se encontrava o furo. Estava usando um pneu protection e protetor de câmara. Não encontrei nada. Coloquei a câmara nova, enchi bemmmm os pneus, o que levou um tempo considerável, e recoloquei a roda.
Depois de uma meia hora o serviço estava pronto. Fiquei orgulhosa de mim mesma. Ajeitei tudo de novo na bike e comecei a pedalar. Pedalei alguns metro e?! Pneu no chão novamente. É sério isso? Não conseguia acreditar …
Não tinha mais câmara novas. Tentei encontrar o furo da câmara que havia acabado de trocar e não achei, precisaria de um balde com água para achar o furo e remendá-lo. Aí que raiva …
O que fazer? Pendurei toda minha bagagem que estava na parte traseira no guidão e segui empurrando a bike. Minha ideia era caminhar um pouco deixando os pensamentos fluírem. Enchi o pneu algumas vezes, para ficar mais fácil empurrar.
Já eram quase 17h, tinham bastante nuvens no céu, e eu estava a cerca de 50 km de Chile Chico, sabia que não poderia empurrar a bike (ainda mais naquele estado) até lá.
Vislumbrei algumas opções:
  1. a) parar e realmente me dedicar ao remendo e troca da câmara;
  2. b) acampar por ali, fazer tudo com calma e seguir no dia seguinte;
  3. c) pedir carona até Chile Chico.
Não passavam muitos carros, mas segui caminhando decidida a pedir carona para o próximo carro que passasse.
Passou um carro, de SP, conversei com o casal que estava no carro. Eles claramente ficaram com dó de mim, mas me mostraram a quantidade de ‘tralhas’ que tinham no carro, não havia como encaixar eu, minhas tralhas e minha bike ali. Pedi a eles que avisassem alguém (tipo um policial) na cidade que eu estava ali e que precisava de ajuda.

Segui empurrando a bike por mais um tempo.

Avistei um carro grande vindo, era uma Ducato. Quase me joguei na frente. Junto da Ducato vinha uma Pajero. Pararam. Vi um adesivo no carro com o projeto deles. Sabe de onde estavam vindo? De Florianópolis, minha terrinha. Coincidência?

Na Ducato, estavam Willian e Rose, na Pajero, Odair, Juliana e Felipe. Também estavam atrolhados de coisas, mas claramente ficaram com dó de mim e decidiram me ajudar. Reajustaram suas coisas para poderem encaixar eu e bike, eu na Pajero e a bike na Ducato.

Depois de um bom tempo passamos por Julien, ele estava parado, penso que me procurando no horizonte. Paramos e comentei do ocorrido, avisei que seguiria com eles, foi uma conversa bem breve.No carro segui contando das aventuras da minha trip e eles das deles. Conversa vai conversa vem, descobri que o casal, Ju e Odair eram advogados, correram por um tempo na GO, grupo de corrida da OAB de Floripa, e … conheciam muito bem meu ex-namorado. Sim, esse mundo é muito pequeno. Demos boas risadas disso.

Ju e Odair já haviam passado por aquele caminho e me contaram algumas curiosidades. Paramos num mirante lindo e fizemos uma foto do grupo.
Seguimos no bate papo e soube que o grupo pararia em Perito Moreno (a cidade, não o glaciar) para dormir e no dia seguinte seguiria até El Calafate. Pensei: que oportunidade, poderia ir com eles.
Fiquei num dilema: parar em Chile Chico, tentar encontrar Julien, arrumar minha bike, pedalar mais um dia, ir atrás de um ônibus que nos levasse à El Calafate (600km) … ou deixar o Julien se virar sozinho, tendo a certeza de que ele sabe exatamente o que precisa fazer para chegar à El Calafate e seguir de carona. Pensei, pensei, e decidi seguir de carona com o grupo.
Junto aos novos colegas, passei pela aduana, onde pude finalmente lavar minhas mãos que estavam imundas da troca do pneu, e entrei no Chile.
Antes de encontrarmos um camping para ficarmos passamos todos num mercado grande (fiquei perdidinha). A galera queria se abastecer de comida (e vinhos) para os próximos dias. Assim como eles comprei comida e vinho.
Ficamos no camping municipal da cidade. O camping é grande, todo gramado, limpo, tem banheiro climatizado, cozinha disponível, tudo muito bom e ao custo de cerca de R$2 (isso mesmo dois reais).
No camping montamos nossas barracas, o pessoal da Ducato montou uma estrutura para o grupo.
Cada um fez sua comida, bebemos alguns vinhos todos juntos e quase meia noite nos recolhemos para dormir.
Não deixe de acompanhar o próximo post, onde contarei como terminou essa história.
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Sobre o autor

Aline Souza, mais conhecida como Aline Elétrica por ser engenheira elétrica é uma multi atleta de Florianópolis - SC. Ela pratica corridas de aventura, trekking, ciclo turismo e escalada em rocha. Siga ela no Instagram @alineeletrica

9 Comentários

  1. Estou me preparando para fazer a Carreteira em 2020, vou aproveitar muitas coisas do seu relato. Foi uma pena não ter conseguido completar como queria.
    Parabéns

    • Luiz Carlos Motta em

      Olá Aline parabéns pelo seu desempenho , graças ao seu depoimento já da pra ter uma noção do que eu irei encara caso consiga fazer esta trip .estou me organizando quem sabe será a minha primeira em local com possibilidades de baixas temperaturas . Parabéns.

  2. Ôi, Aline. Em primeiro lugar, congratulações pela viagem maravilhosa, tão bem organizada. Seu relato é brilhante, divertido, com fotos muito boas.
    Eu e um amigo estamos saindo de Bariloche em 02 de nov deste ano. E, a princípio, estamos nos baseando fortemente no seu roteiro. nosso planejamento chegou até Cochrane e, depois, temos indicações vagas de como cobrir a distância de 230km até Villa O’Higgins.
    Gostaríamos de saber, se não se importa, com pensou fazer este trecho final ente Cochrane e Villa O’Higgins.
    Grande abraço e boa sorte na próxima aventura.

    • Oi Paulo, obrigada pelo carinho. Já estamos conversando por whatsapp e agora sou eu quem estou acompanhando a viagem sua e do Ed. Seguirei ajudando vocês no que estiver ao meu alcance. Abração

  3. Vinícius de Rezende em

    Olá Aline.
    Primeiramente, parabéns pelo lindo relato!
    Eu fiz parte da Carretera entre fins de 2011 e início de 2012. Por motivos físicos da minha companheira de viagem (lesão no joelho) precisamos abortar e fomos até Caleta Tortel de ônibus.
    Planejo fazer a viagem novamente no final desse ano.
    Fiquei na expectativa de ler sobre a conclusão da tua viagem.
    Você postou em algum lugar a conclusão do relato?
    Um grande abraço.

    • Oi Vinicius, este post é basicamente a conclusão do relato.
      Se ficar com alguma duvida pode me chamar no instagram: @alineeletrica
      Abraços,
      Aline

  4. Olá Aline, tudo bem?

    Li todo o seu relato e parabenizo pela disposição.
    Também tenho a intenção de conhecer a Carretera Austral de bike e imagino que terei um pouco mais de tempo para cobrir o percurso. Neste momento estou em fase de planejamento e relativamente seguro quanto ao trajeto e aos locais a serem visitados. Mas agradeceria se informasse a respeito de alguns pontos:

    1. Diferente de você, devo iniciar o pedal em Puerto Montt e não terei problemas para fazer o translado até o aeroporto da cidade, entretanto ainda não decidi o retorno. Posso ter deixado passar, mas não ficou claro a melhor logística para deixar Villa O’Higgins e retornar ao Brasil, uma vez que a cidade não possui aeroporto.

    2. Como é a aceitação de cartão de crédito no percurso? Saberia dizer em quais cidades conseguiria trocar a moeda e sacar dinheiro?

    Abraços

    • Oi Annibal,
      Que com que gostou do relato e fico feliz em puder ajudar de alguma forma.

      Sobre suas dúvidas:

      1. eu não cheguei até Villa O’higgins por falta de tempo, desviei o caminho em direção a Chicle Chico e depois Perito Moreno e de lá fui para El Calafate, de onde saia meu voo.
      Em Villa O’higgins você tem algumas opções, uma delas é voltar de van ou algum transporte local e fazer um trajeto parecido com o que fiz.
      A melhor opção no meu ponto de vista é em Villa O’higgins atravessar e balsa em direção a El Chalten, se tiver tempo curta um pouco lá, é incrivel. De lá fica fácil pegar um ônibus até El Calafate onde saem voos regulares.

      2. Praticamente impossível usar cartão de crédito no trajeto, com exceção das cidades maiores onde é possível usar o cartão, sacar dinheiro e fazer cambio.

      Se tiver dúvidas me chama no direct do Instagrm: @alineeletrica.

      Abs

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