Casos Pioneiros

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Peço que você me acompanhe pelas próximas três colunas, que vão se debruçar sobre o movimento de defesa dos animais. Não será um assunto agradável, sua redação me foi muito penosa. Por vezes, desisti de acompanhar vídeos e textos, tal a injustiça, estupidez e crueldade dos conteúdos.

O Cachorro Marrom: Desde o século XIX existia na Inglaterra uma lei contra a crueldade com animais. Mas era ainda muito branda, por exemplo apenas exigindo que cada indivíduo fosse usado em experimentos uma só vez, determinando que as cobaias fossem (misericordiosamente) mortas após as experiências e protegendo os pesquisadores das acusações de crueldade.

Em 1903 duas estudantes feministas suecas, infiltradas numa aula na Universidade de Londres, alegaram que a vivissecção de um pequeno mestiço de terrier tinha sido ilegal. Vivissecção é todo experimento realizado num animal vivo, sedado ou não. Ela fora praticada por William Bayliss, um cientista compulsivo cujos trabalhos contribuíram para a descoberta dos hormônios.

William Bayliss (1860-1924) (Fonte: Wikipedia)

Segundo elas, o cão não estava dopado, se debatera na mesa de operação e fora submetido a três procedimentos, não apenas um. O animal, que sofria de espasmos, teve depois seu pâncreas removido e recebeu uma facada terminal no coração.

O autor desta proeza foi o estudante Henry Dale, que teve uma carreira importante e recebeu um prêmio Nobel. Bayliss foi julgado num ambiente de enorme comoção e considerado inocente por unanimidade, recebendo uma compensação de £ 2.000.

A Estátua Original do Cachorro Marrom (Fonte: Wikipedia)

Mas em 1906 uma estátua de bronze foi erguida em memória deste cão sem nome, num parque de Londres. Durante quase quatro anos ela foi alvo de atentados por parte de estudantes de medicina, que geraram vários tumultos envolvendo anti-vivisseccionistas, sindicalistas e socialistas, policiais e estudantes, sufragistas e feministas.

Demonstração contra a Remoção da Estátua do Cachorro Marrom (Fonte: Wikipedia)

Até que, para evitar novos conflitos, numa madrugada a prefeitura retirou e fundiu a estátua. Mas o memorial foi restaurado e relocado em 1985, com uma nova escultura. Tudo o que restou da antiga estátua foi uma corcova no pavimento, ao lado de uma placa na cerca ao lado, dizendo No Dogs.

As Vitelas Brancas: Em 1986 um fundo para defesa legal dos animais na Nova Inglaterra recorreu à justiça para obrigar uma empresa chamada Provimi a revelar as condições de criação da carne de vitela por ela vendida. Esta carne resulta de bezerros de gado de leite, normalmente descartados.

A alegação era de que os animais eram confinados em baias escuras, tornados anêmicos por falta de ferro para assim clarear sua carne e supridos com antibióticos potencialmente nocivos aos consumidores.

Confinamento de Bezerros em Baias (Fonte: Peter Dean/Tony Stone Images)

A Corte de Justiça concluiu que, se as alegações fossem verdadeiras, seria um ato previsto no estatuto criminal (e não comercial), a ser conduzido apenas por procuradores públicos. O caso foi legalmente desconsiderado e os procuradores nunca compareceram para autuar os criatórios.

Foram disputas como esta que ajudaram a denunciar a horrível criação de bezerros de leite em baias individuais minúsculas – elas impedem a movimentação, o repouso e a socialização dos animais. Este sistema foi abolido na Europa, mas que eu saiba ainda é vigente nos Estados Unidos.

Charge contra o Consumo de Vitela (Fonte: aretherechickenshedinheaven.blogspot)

Os Primatas de Cambridge: Durante quase um ano a BUAV (ou Associação Britânica para Abolição da Vivissecção) conduziu uma investigação disfarçada nos laboratórios da Universidade de Cambridge, cujos resultados vieram a público em 2002.

Os pesquisadores obrigaram um grupo de saguis a buscar água e alimento numa situação de privação: ambos lhes eram negados por 22 horas todos os dias, durante 2½ anos. Removeram então parte do cérebro dos saguis e repetiram este experimento idiota, numa simulação das condições de infarto ou do Mal de Parkinson.

Sagui com Cérebro Amputado na Universidade de Cambridge (Fonte: animalrightscambridge.wordpress.com)

Os resultados foram comparados com o comportamento antes dos danos cerebrais, com o objetivo de conhecer o papel do córtex pré-frontal nos mecanismos de aprendizado, memória e comportamento. Em seguida, os saguis foram mortos, para análise dos seus tecidos.

Segundo a BUAV, os saguis eram perseguidos, ameaçados, punidos e agredidos. Eram confinados em caixas e drogados para medir suas rotações desesperadas. Choravam assustados, se contorciam freneticamente, vomitavam e procuravam escapar.

Sagui Aguardando o Bisturi em Cambridge (Fonte: crueltyfreeinternational.org)

Tanto a administração federal como o sistema judicial rejeitaram ao longo dos seis anos seguintes as denúncias de crueldades. Como disse um executivo da BUAV, classificar como moderado sofrimento os experimentos em que os macacos tiveram o topo de seus crânios serrados e parte de seus cérebros sugado é completamente ridículo.

Porém, no meio deste debate, Cambridge desistiu de construir, numa decisão muito rumorosa, uma nova e cara facilidade para centralizar as pesquisas neurológicas com primatas.

As Vacas Felizes: A Cooperativa dos Produtores de Leite da Califórnia publicou anúncios com gado de leite em pastagens suculentas, dizendo que um grande queijo vem de vacas felizes. Ativistas de uma organização chamada PETA (que você conhecerá na próxima coluna) procuraram em 2005 processá-la por propaganda enganosa, afirmando que a situação das vacas era precária.

Campanha Publicitária das Vacas Felizes (Fonte: marketing-case-studies-blogspot)

A legislação americana proibia qualquer pessoa, empresa ou associação de falsamente anunciar bens ou serviços. Porém a Suprema Corte local concluiu que a Cooperativa era uma entidade pública, não prevista no texto da lei. Assim, não poderia ser e, de fato, nunca foi processada.

Rótulo da Campanha Publicitária do Queijo da Califórnia (Fonte:humanefacts.org)

Mas a campanha das Vacas Felizes teve um enorme apelo popular e contribuiu para tornar a indústria da Califórnia a líder no país. Se as vacas que colaboraram com todo esse sucesso ficaram felizes é um assunto em aberto.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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