Infelizmente ou felizmente, muitas vezes, a rotina nos cega e só voltamos a enxergar a graça e a beleza da vida quando conseguimos quebrar esta rotina. É bom manter os olhos abertos para as maravilhas que nos cercam no nosso dia a dia, mas também é esta cegueira que nos faz ir ao quintal vizinho em busca de novas culturas, viver novas experiências e estarmos constantemente nos transformando em algo mais completo, mais inteiro e mais seguro de quem somos e das escolhas que fazemos.
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Receita: Sangue no zóio, olhar de falcão e convívio harmonioso com carrapatos. Facão bem afiado, mochila, bota e equipamento bem surrado.
Os caminhos e descaminhos pela Serra do Itapety são inúmeros e levam tanto pros altos qto baixos desta elegante cumeada q é o grande guardião de Mogi das Cruzes. Aproveitando um dia nada promissor, desta vez tocamos um circuitinho sussa q palmilhou atrativos do extremo oeste deste respeitável serrote doméstico, q passou pela Gruta da Sta Terezinha e a Pedra-do-Pôr-do-Sol, rasgou encosta acima pela Trilha da Aranhas e alcançou os 1166m do cume do Pico do Urubu. Pra depois retornar a cidade emendando duas picadas de downhill: as trilhas da da Onça e do Espelho. Um circuitinho de 15kms tranqüilos q junta antiga vereda tropeira e recente picada biker mas q, independente de origem, descortina novas possibilidades de pernadas neste q é o gde sentinela mogiano.
07 de Julho de 2012, sábado 6:30h Passamos uma noite terrível. Comemos o pão que o diabo amassou com a bunda, e depois recheou cagando dentro. Por várias vezes acordei duma espécie de delírio, tremendo convulsivamente. Noutras ouvia o Jurandir resmungando com voz tremula, coisas indecifráveis, aparentemente em árabe, ou mandarim. Porém neste momento, tudo parecia quieto, e até o frio havia desaparecido. Num estado latente de semi consciência, por vezes me vi em casa, bem e aquecido. Cheguei imaginar que estava tão bom e agradável, que poderia passar o resto da vida ali, o que não seria muito tempo. Mas em algum momento dessa insanidade, tive um lapso de consciência, e me dei por conta que algo sério estava acontecendo. Certamente estávamos com principio de hipotermia, e se algo não fosse feito rápido, certamente era por ali mesmo que íamos ficar.
06 de Julho de 2012, sexta-feira 5:30h Acordamos do sono profundo, no que consideramos ter sido o melhor bivaque da travessia. Chão fofo e protegido de vento, resultou numa noite de sono espetacular, e agora, finalmente chegara o grande dia de finalizar nossa peregrinação pelas montanhas.
*05 de Julho de 2012, quinta-feira 5:00h* – O celular desperta, pondo
definitivamente um ponto final na nossa boa vida. Ainda restava o banho
quente e o café da manhã antes de retomar nossa árdua rotina. Procuramos ser detalhistas ao máximo pra seguir o checklist afixado na parede da casa, e por fim, tomamos emprestados alguns pacotinhos de TANG da dispensa, na qual também deixamos alguns itens.
04 de Julho de 2012, quarta-feira 6:45h Acordei com a luz da lua cheia no oeste, forte a ponto de incomodar, e uma sutil claridade já se projetava do horizonte litorâneo. Esse novo dia que se iniciava, prometia ser o mais tranqüilo da travessia. Como avançamos satisfatoriamente no dia anterior, restou pouco pra se fazer na Farinha Seca, e pra ajudar, o fim do dia seria no conforto dum refúgio de montanha, onde poderíamos ter regalias impensáveis até então.
*03 de Julho de 2012, terça-feira 4:30h* – Acordamos com a cachorrada latindo longe e correndo feito loucos em nossa direção. Em seguida, ouvimos passos rápidos de animal pesado cruzando o bosque logo ao nosso lado. Só vimos o vulto cruzando velozmente a meros cinco metros do acampamento. Os cães mantinham distancia segura enquanto ladravam alvoroçados. Cheguei pensar que era Samara Morgan saindo daquelas churrasqueiras de pedra que mais parecem um poço, a procura do Jurandir. Mas na verdade não havia duvidas que era um gatão dos grandes. Por quase uma hora ficou enfunado na mata, e nós atentos, escutando seu rugido.
A Serra da Farinha Seca é a imponente cumeada visível de quem desce a Estrada da Graciosa, famosa vereda de paralelepípedos q interliga o planalto curitibano ao litoral. Com 16kms verdejantemente escarpados q se espicham a partir do Morro Mãe Catira e findam nos contrafortes abruptos e verticais no Morro da Balança, a visitação da Farinha Seca é rara, senão inexistente, por vários motivos. Não bastasse o terreno acidentado, seus cumes desprovivos de mirantes e repletos de vegetação agreste, suja, rija e espinhenta fizeram com q apenas recentemente a travessia completa destas cristas fosse realizada. Isso após 17 árduas investidas q cobraram inclusive uma vida. Este é o relato fiel da nossa incursão pelos quase onze cumes que integram esta nova travessia, neste rincão intocado, selvagem e pouco conhecido inclusive no sul do país.
*02 de Julho de 2012 Segunda-feira 6:30h* Durante a noite varias vezes acordei com luz da lua furando a mata, cada vez mais baixa, caindo a oeste. Agora finalmente os primeiros sinais dum novo dia. Me sentia muito bem em estar ali. O agudo do cotia sempre foi uma montanha que me atraiu. Talvez por ser como ela é, tão distante e inacessível. Não menos a travessia até a graciosa. Este dia prometia tudo isso, e acima de tudo, o fim da primeira e mais longa etapa. Isso era inspirador, e sem conseguir me conter, novamente fiz baderna no acampamento, e logo todos estavam afim de me matar.