Circuito Oeste pelo Itapety

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Os caminhos e descaminhos pela Serra do Itapety são inúmeros e levam tanto pros “altos” qto “baixos” desta elegante cumeada q é o grande guardião de Mogi das Cruzes. Aproveitando um dia nada promissor, desta vez tocamos um circuitinho sussa q palmilhou atrativos do extremo oeste deste respeitável serrote doméstico, q passou pela Gruta da Sta Terezinha e a Pedra-do-Pôr-do-Sol, rasgou encosta acima pela “Trilha da Aranhas” e alcançou os 1166m do cume do Pico do Urubu. Pra depois retornar a cidade emendando duas picadas de downhill: as trilhas da “da Onça” e “do Espelho”. Um circuitinho de 15kms tranqüilos q junta antiga vereda tropeira e recente picada biker mas q, independente de origem, descortina novas possibilidades de pernadas neste q é o gde sentinela mogiano.

u e a Lore saltamos na Estação Estudantes da CPTM pouco antes das 8hrs e, logo após desjejum regado a salgado e pingado na banquinha do Cícero, encontramos o Ricardo e pusemo-nos a discutir opções de roteiro. O domingo amanhecera tremendamente encoberto – uma fina chuva me supreeendera a caminho do Metrô até – desestimulando nosso rolê original, no caso, a exploração duma nova vereda no sertão de Biritiba-Mirim. O dia cinza, úmido e frio desmotivava inclusive até tomar mais uma condução, condição necessária pro bate-volta original, cunhando de vez nossa decisão de abortar a tal empreitada. Na busca de opções, resolvemos então não ir demasiado longe e aproveitar o fato de estar ali mesmo. Pronto, resolvido. E assim em comum acordo nasceu nossa alternativa “estepe”, o famoso “Plano B”, de bisbilhotar o contraforte oeste da Serra do Itapety.
 
Após acompanhar o Ricardo buscar sua elétrica pulguenta, a Belinha, cruzamos sem muita pressa o centro da pacata Mogi das Cruzes, q despertava pra mais um dia. Após passar pelo “Buraco do Padre” e nascentes do Tietê, tomamos direção a Avenida Perimetral, de onde já se avista a majestuosa Serra do Itapety elevando-se elegantemente da horizontalidade mogiana, e cuja cumieira naturalmente mostrava-se coberta por espessas nuvens. Acompanhamos então a Av. Perimetral até a entrada oficial da cidade, onde um enorme bandeirante metálico recebe os veículos da Mogi-Dutra (SP-088)  sobre o viaduto Edith Carvalho. O GPS do Ricardo marca 700m de altitude. Dum posto de gasolina  seguimos a sinalização pro Jd Aracy, bairro mogiano a oeste do Itapety e de onde parte a “Estrada da Moralogia”, antiga via tropeira q une um lado da serra ao outro. Na dúvida, basta perguntar pros locais. Só não me questione dos motivos da via receber este nome pitoresco, mas q parece tem algo a ver com “moral, bons costumes, bordeis e bicheiros”, uma mistureba no mínimo contraditória.
 
Uma vez na “Estrada da Moralogia”, deixamos o cinza das residencias do Jd Aracy atrás e começamos a subir suavemente por via q alterna asfalto e terra, cercada de verdejante mata secundaria. É aqui q o Ricardo liberta a irriquieta Belinha dos grilhões de sua coleira. Livre e solta, a pulguenta demonstra energia de sobra, saltando e correndo, feliz da vida! Ao contrario, nosso compasso de pernada é lento e pausado, principalmente qdo a subida aperta  e muda de direção. Inicialmente galgando rumo norte, a antiga vereda passa a serpentear a encosta desviando pra leste, até ganhar uma crista ascendente e por ela seguir ate o fim. No caminho, alem da farta vegetação, pipocam  enorme matacões, imponentes blocos graníticos ornados de td sorte de bromélias e plantas trepadeiras.
 
As 9:40hrs e após 4kms palmilhados,  alcançamos uma tal de Gruta de Sta Terezinha, onde fizemos uma breve parada. O local se resume a um pequeno grotão formado por três gdes pedras sobrepostas, coroadas por um pequeno altar de alvenaria com a imagem da tal santa, freira carmelita canonizada no inicio do século passado. O lugar, q já foi antiga parada dos tropeiros durante a colonização do Vale do Paraiba, atualmente virou lugar comum de peregrinação dos devotos mogianos da santa. Mas nem td são rosas, pois o vandalismo destruiu parcialmente o rosto da imagem, q não olha mais em direção a cidade. Por este motivo são inúmeros os pedidos de solicitação de restauração da mesma. Uma fita q avisa da proibição de acesso a entrada da gruta nos deixa desconcertados. “Conheço outra entrada! Atrás, do alto do morro!”, avisa Ricardo. “Verdade. Não pode entrar, mas não há nada q nos impeça de sair dali..”, pensei.
 
Fomos então dando a volta por trás dos enormes rochedos no q parecia ser uma discreta picada, até começar a galgar a íngreme encosta no qual os blocos estavam repousando. O q devia ser trilha agora estava tomado por muita vegetação, motivo pelo qual avançamos afastando com os braços a mata espinhenta q se interpunha no caminho. Num piscar de olhos caímos na parte alta das pedras, onde havia um estreito vão rente ao chão por onde fomos nos espremendo feito calangos. Dali bastou deslizar sentado até o primeiro “salão” no meio das pedras, por sinal, bem iluminado naturalmente pela proximidade das fendas.
 
Na sequencia, prosseguimos institivamente avançando gruta adentro, serpenteando as imponentes rochas em direção a fendas inferiores, agora tomadas pela mais completa escuridão. A Lore literalmente “deu a luz” pra gente, providenciando luz artificial necessária  da única headlamp do trio, garantindo assim o avanço seguro. Prosseguindo então cuidadosamente passamos por estreitas passagens q deixaram a coitada da Belinha se borrando td, mas q com ajuda do dono transpôs numa boa. No caminho tb nos deparamos com uma pequena “represinha” q devia ser a fonte dágua  cristalina q deve ter matado a sede dos tantos tropeiros q por ali passaram. O último salão era mais baixo de tds, e tinha uma pequena imagem da santa enfiado num canto da gruta. Até finalmente desembocar numa escadaria natural composta de dez degraus de pedra, q nos levou ate a entrada principal da caverna.
 
Após breve descanso no fofo gramado ao lado da gruta demos continuidade a pernada, nos mantendo sempre na estrada principal q por sua vez tomou a direção nordeste por cima da crista florestada do Itapety. No bucólico trajeto apenas dois sítios chamam a atenção, não pelo fato de destoarem da mata em volta ou terem anúncios pitorescos de cachorros bravos, mas sim pelo fato de simplesmente ser grilagem pura sob a desculpa de “conservação ambiental”. Mas não dá nem 10min de crista qdo percebemos q a estrada começa a descer por outro lado da serra, e é ai q devemos prestar atenção. 
 
Abandonamos então a via palmilhada em favor duma discreta picada q nasce do lado duma porteira preta, a nossa direita. Ela acompanha o muro desta propriedade por um tempo ate deixa-lo pra trás, em meio ao baixo capinzal. Mas logo nossos horizontes novamente se ampliam com largas vistas da Rod. Mogi-Dutra (SP-088) contornando a serra ao constatar q a vereda galga a continuidade da crista do Itapety, sempre nordeste, subindo suavemente. Acompanhando uma cerca de ambos os lados, percebemos q a partir de agora andamos por picadas de interligação destas mini-fazendas q não deveriam sequer estar ali, pois não são nem RPP, nem APA e nem nada.
 
Mas logo o terreno nivela ao adentrarmos num bucólica bosque de pinnus, bordejando a encosta da crista remanescente. Logo no inicio deste bosque, as 10:30hrs, uma enorme e imponente rocha verticalizada desperta a atenção, tal qual um majestuoso monólito guardado a margem da trilha. É a “Pedra do Pôr-do-Sol”, respeitável matacão de formato quase retangular q emerge do solo, dividindo o espaço da encosta com alguns exemplares de pinnus. Uma trilha lateral ziguezagueia o capinzal e leva ao alto da pedra q, segundo dizem, tem uma vista maravilhosa do Astro-Rei pousando na linha do horizonte, a oeste. Uns grampos fincados confirmam escaladas amadoras no granito, assim como algumas pixações na pedra atestam atividade “burrestre” no pedaço.
 
A trilha prossegue em meio ao bosque de pinnus, mas logo um bando de estridentes cães anunciam uma pequena propriedade logo adiante, q deve ser contornada. Abandonamos a picada e varamos um pouco de mato pela esquerda, ate reencontrar outra vereda vindo do norte e segue na direção desejada, bordejando a casa evitada e tocando a continuidade da crista, sempre nordeste. Após descer num fundo selado de ligação, a vereda sobe inipterruptamente atraves dum vale bem fechado e cercado de exuberante vegetação durante um tempo. Mas logo depois a picada nivela ao cairmos outra vez no aberto, com largas vistas pro norte. 
 
Tocando ainda pelo pasto desimpedidamente mais um pouco, a picada pela crista atravessa um pequeno capão de mata e novamente desemboca noutro descampadão com generosa vista pro quadrante norte. São exatamente 11hrs e decidimos ali, na cota dos 900m, nos espaçosos lajedos do pedaço, fazer um breve pit-stop pra descanso e lanche, evitando as varias sujeirinhas de cavalos e bois. Cavalos? Bois? Imediatamente o pânico toma conta da gente ao constatar inúmeros micro-carrapatos perambulando por nossas canelas, e o q deveria ser uma tranqüila parada de relax transformou-se numa desesperada tentativa de remover os maleditos ácaros. A Belinha, coitada, q antes era chamada pra cafunés agora era completamente evitada pois simplesmente devia estar entupida dos parasitas!
 
Após comer, descansar e nos estapear de monte retomamos a caminhada pela encosta serrana, rumo nordeste. A rota abandona o aberto e mergulha novamente na mata, desta vez com vereda não muito óbvia e com bastante vegetação invadindo a mesma, denotando evidente desuso, e onde o tom escarlate de vistosos morangos silvestres destacava-se maravilhosamente do verde claro da alta campina. Mas avançando na raça e com o devido cuidado (pois tava cheio de buracos traiçoeiros escondidos) a rota terminou dando nos fundos duma casinha bem simples, cercada de pés-de-limão. Mas saindo desta propriedade a picada é reencontrada na sequencia, derivando duma estrada principal (q desce a serra pro norte), acompanhando o cercado da casinha pela encosta, rumo leste, sempre no aberto.
 
Após serpentear uns pequenos rochedos, não demora pra trilha sumir na beirada dum fundo vale, onde a intuição e bom senso nos dizem apenas uma coisa: agora basta tocar pra cima do jeito q der, agora por norte! De fato, olhando  p/ alto podemos avistar as torres da Embratel e o topo do Pico do Urubu, e o q nos separa deles além de mais de 150m de desnível é uma picada  bem próxima q ziguezagueia o restante da encosta. Desviando alguns arbustos e pedras pelo descampado, logo nos vemos pisando a tal vereda q, acompanhada duma precária cerca, sobe a montanha ate o cume.
 
A subida derradeira mostrou-se uma ascenção interminável! Inicialmente no aberto costurando a cerca, não tardou pra nossa rota abandonar de vez a mesma pra enveredar atraves duma vala cercada dum espesso samambaial, q teve de ser afastado permentemente com as mãos.
 
Estavamos numa tal “Trilha das Aranhas”, vereda biker q visivelmente mostrava-se com pouco utilidade pruma magrela circular. A menos q esta fosse carregada, claro. E assim fomos avançando vagarosamente, parando nos vários mirantes rochosos do caminho pra retomar fôlego e avaliar o qto ainda restava de piramba, pra depois mergulhar novamente nas voçorocas de samambaias. A coitada da Lore sentiu o peso do descondicionamento neste trecho. É, acostumada ao PP viu nesta modesta serrinha a necessidade urgencial de retomar alguma atividade física regular.
 
Mas após abandonar o samambaial e palmilhar um último trecho pelado e de mata queimada, eis q finalmente as 12:40hrs pisamos no alto dos 1070m do sentinela mogiano (pelo GPS do Ricardo), embora a altura oficial conste como sendo de 1116m. Um dos ptos mais altos do Itapety, o Pico do Urubu integra o patrimônio ambiental do município e oferece uma vista panorâmica espetacular da Serra da Mantiqueira, do Vale do Paraiba, da planicie do Tietê, da Serra do Mar e, claro, da cidade de Mogi das Cruzes. Pois bem, o tempo ate então havia inclusive apresentado melhoras, e por conta disso o largo e amplo topo estava repleto de gente com sua muvuca característica. A galera do parapente dividia espaço com visitantes ocasionais, com direito ate um numeroso grupo fazendo churrasquinho! A gente aninhou-se próximo dumas pedras e descansou mais um tanto, além de matar o resto de lanche q nossas mochilas transportava. O Ricardo até encontrou um amigo, o Jefferson “Mão-de-Pata”, acompanhado da sua filhota e pet de estimação, respectivamente Samara e Tchuka (devidamente trajada!), q por sinal se deu muito bem com a Belinha.
 
Não deu nem meia hora de relax q retomamos o caminho em direção a cidade, mas não pela costumeira e entediante estrada asfaltada q leva ao cume. Voltamos por uma picada recentemente aberta pela galera de downhill mogiano, a “Trilha da Onça”, q se encontra claramente na borda sul do cume, com vista pra Mogi. Não tem erro sua localização. Uma vez nela é só piramba pra baixo. E bem íngreme e escorregadia, diga-se de passagem! Td cautela na descida é pouca e td vegetação em volta serve de apoio, uma vez q este trecho inicial beira acima dos 50 graus em declividade! Logicamente q isso não bastou pra q td mundo tivesse sua cota de  carimbada de bunda, o q ratificou q nos trechos mais punk de descer simplesmente sentado. O q era preocupação pros adultos foi a diversão da cachorrada e da espoleta da Samara. “Caraca, se já é difícil descer por aqui a pé imagina fazê-lo montado numa magrela?”, pensei comigo mesmo.
 
Apesar dos percalços, a perda de altitude é imediata e num piscar de olhos a íngreme vereda nos deixa na estrada asfaltada principal, quase 100m abaixo. Dali basta tocar pelo caminho tradicional normalmente ate uma bifurcação, onde outra vez abandonamos a rota principal (esquerda) em favor da estrada de terra q deriva pela direita. Um pouco mais adiante tocamos por uma picada q nasce da margem esquerda da tal estrada de chão e singra o restante da montanha ate o asfalto, na q é chamada a “Trilha do Espelho” pelos bikers. Bem mais suave, menos ingreme e mais nivelada q a anterior, esta picada é uma delicia de agradável de percorrer. Alem da bela mata ao redor, chama a atenção os diversos obstáculos q os praticantes de downhill  deixaram montados ao largo do trajeto, como pontilhões e rampas de madeira, tábuas de contenção de encostas e plataformas feitas de pedras, entre outras.
 
A freqüência maior de lixo na trilha é sinal q estávamos nos finalmentes da dita cuja, ou seja, próximos da “civilização”. Dito e feito, as 14hrs caímos na Estrada do Oleoduto, q bastou tocar pro sul, ate finalmente dar na Av. Perimetral, ao lado da estrada e acesso oficial ao Pico do Urubu. Dali prosseguimos rumo centro da cidade, onde nos despedimos do Jefferson e família, e posteriormente do Ricardo e sua vira-lata. Ao chegar na pracinha do lado da Estação CPTM de Mogi, as 15hrs, eu e a Lore encostamos no bar do japonês (ou chinês, coreano, sei lá) e nos regateamos com suculentos pasteis e brejas geladas antes de tomar condução de volta. Um presente mais q merecido por aquele rolezinho simplório pela Serra do Itapety, numa das raras ocasiões onde o  “Plano B” , alternativo e emergencial da vez mostrou-se mais interessante e proveitoso q o plano original.
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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