Confira como foi a inédita travessia Caveira Charlie Charlie (TCCC)

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O montanhista Jhonatan Carvalho Pereira de 35 anos, nascido em Curitiba, mas natural de Antonina (de coração), realizou uma travessia inédita cruzando a Serra do Mar Paranaense. O ponto de partida da caminhada foi o Pico do Capivari, passando pela Serra do Capivari, Ibitiraquire, Farinha Seca e Marumbi.

A travessia aconteceu entre os dias 25/07 a 01/08. Caveira, como é conhecido entre os amigos, também é músico e militar da Aeronáutica fez todo o trajeto em solo e de forma autossuficiente. Foram 8 dias sozinho em meio às montanhas que lhe renderam muitas reflexões e emoções.

Ele compartilhou conosco um pouquinho dessa experiência em uma entrevista, confira ela na íntegra aqui:

1. Há quanto tempo você pratica o montanhismo?

Sou praticante do Montanhismo desde 2009 quando tive a oportunidade de escalar em top rope e subir o Morro do Anhangava em um Curso Operacional. Daquele ano em diante não parei mais de andar, escalar ou correr em montanhas.

Eu e o parceiro Charlie ( leãozinho) no mãe catira ( foto : @jeandepocas

2. Como surgiu a ideia de fazer a travessia?

Eu conhecia os trechos de forma isolada e sempre fui um fã dos feitos do Jurandir Constantino e Élcio Douglas, apesar de não os conhecer pessoalmente. Então, apenas resolvi unir os trechos que eu conhecia isoladamente e resultou na inédita Travessia Caveira Charlie Charlie (TCCC).

3. Como você se preparou para realizar ela?

Com relação ao preparo físico e psicológico (modéstia parte), eu tento não deixar cair o padrão e estou sempre ativo (correndo, caminhando em montanha, remando, pedalando, escalando). Com relação à logística, eu apenas comprei os alimentos, levei o mínimo possível, porém necessário, com relação a roupas (apenas a da caminhada e uma muda de roupas secas para dormir), kits de emergência (primeiros socorros, pilhas, power bank, bússola, entre outros) e dormitório (rede, isolante, saco de dormir e cobertura) para não causar impacto usando barraca e poder dormir em qualquer vale.

Acampamento no morro dos macacos.

4. Quantos cumes você passou? A distância total foi 127,72 km, certo?

Eu passei por 76 cumes. Com relação à distância, acredito que oficialmente, deve ter dado mais de 130 km, porém, a marcação que foi feita através de um aplicativo de celular, teve alguns pontos “sem cobertura” que traçou algumas partes do trecho em linha reta, encurtando o trajeto na questão da quilometragem. Eu me atentei mais em fazer uma boa navegação a “gravar um belo tracking”.

5. Como você se planejou para fazer a travessia de forma autossuficiente?

Procurei levar apenas o necessário e ajustar a mochila com o menor tamanho vertical possível para não enroscar nos matos (o que foi impossível, risos!). Minha esposa Ketilin Gonçalves e meu filho Juan Carlo, levaram-me no local da saída e me resgataram juntamente com meu grande parceiro Luiz Henrique Vojciechovski na chegada após 8 (oito) dias.

6. Qual o peso da sua mochila no início da trilha? Que tipo de alimentos utilizou?

Não cheguei a pesar a mochila antes de sair, mas pela experiência de andar pesado, devia estar com mais de 20 kg, que foi aliviando pouco com o passar dos dias.
Sobre as comidas, tenho uma alimentação vegana e utilizei os seguintes alimentos:
• 10 sachês de comida liofilizada vegana que planejei para 10 dias, porém usei apenas 06 sachês, 04 ainda estão intactos (jantar);
• 05 pacotes de “cup noodles” de legumes (tirei dos copos),(jantar);
• 10 sachês de sopa VONO feijão e mandioca (jantar);
• Cerca de 05 torrones por dia (lanche durante a caminhada);
• Paçocas tipo rolha (muitas por dia);
• 10 sachês de leite suprasoy com nescau e nescafé (café da manhã);
• 01 pacote de club social por dia (café da manhã);
• 01 pacote de bala de goma que algum “anjo” deixou na caixa de cume do Tucum (desde já muito obrigado);
• 02 pacotes de pão tipo Wrap com 09 unidades cada (comi 02 por dia);
• 01 bisnaga de maionese Hellmann’s vegana (que eu recheava o pão Wrap e fazia charuto pra comer).

7. Você teve alguma dificuldade durante o trajeto?

Minha maior dificuldade era a vontade de parar para apreciar as vistas que tive nos cumes e não querer sair mais deles. Guardo imagens impressionantes na minha memória que nenhuma câmera será capaz de mostrar.

Jararacuçu na subida do guaricana.

8. Qual foi o ponto mais marcante da travessia para ti?

Tiveram vários momentos, mas posso destacar:
1. O dia em que minha família (Ketilin e Juan), encontrou-me no caminho para me ver na Serra da Graciosa (respeitando o meu objetivo da autossuficiência e sem me ajudar).

Saída para a serra da farinha seca no sexto dia.

2. O dia em que encontrei dois cães na Garganta 235 no 5º dia e que fui dividindo minha comida com eles até o Morro do Sete, e depois, com um deles toda a Serra da Farinha Seca até o Marumbi (pois no Morro do Sete, um dos cães parou de me acompanhar).
3. Cada vez que eu encontrava pessoas no caminho e podia conversar um pouco sobre a travessia e sobre as montanhas. (Álvaro, Rhavena, Magnus, Fernanda, Geison, Lu, Pedro, Arthur, Ricardo, Jean, Alessandra, Rudy, Lucas e Andrews), pessoas que emanaram boas energias para continuar.
4. O momento da chegada, obviamente.

9. Como se sentiu ao completar esse desafio?

Na verdade eu não encarei como um desafio, eu apenas decidi andar pelas montanhas, saí como se fosse uma caminhada como a que fazemos no final de semana, entretanto, com a consciência e o preparo para vários dias de atividade e tomando as devidas precauções com relações ao terreno e navegação, pois sozinho, não se admite erros.
Mas ao final da Travessia Caveira Charlie Charlie (TCCC), eu fiquei com uma felicidade indescritível ao reencontrar minha família e amigo, esse sentimento ainda impera em mim, mesmo passado esses dias e extremamente grato por ter concluído com saúde e integridade.

O que faltava ainda da travessia visto do Caratuva.

10. Tem mais alguma coisa que gostaria de destacar?

Esses dias foram momentos de muita reflexão, crescimento como pessoa e de valor à vida e às coisas da natureza. A solidão em meio à grandiosidade das Montanhas nos faz pensar o quanto somos “um grão de areia” nesse imenso universo e como devemos aproveitar de forma consciente e intensa a nossa vida.
Ressalto que esse feito não é um desafio ou competição, não busquei fazer algo maior ou melhor que ninguém, mas apenas uma vontade pessoal de algo que eu já havia imaginado em fazer. Somos privilegiados e temos um “santuário” no nosso quintal que deve ser cultuado e valorizado de forma consciente por todos. Quem me conhece, sabe que essa é a minha religião, AS MONTANHAS, onde caminho com felicidade e brilho nos olhos.

Deixo registrado aqui, que a caminhada foi solitária e autossuficiente, mas nada disso teria acontecido se não fosse ajuda, mesmo que mínima, de pessoas que fazem parte da minha vida. Entre tantas pessoas, gostaria de agradecer especialmente a algumas: Meus amores Ketilin Daiane, Juan Carlo, Stella Maris e todos os meus familiares, Marielen Gonçalves, Luiz Henrique Vojciechovski, Luciana Kielt, Daniel Meyer, Liana dos Santos, Lulio da Rosa, Tiago Falat, Thiago Oliveira, Israel Furman, Gustavo Mannes, Nilton, Ronaldo Franzen (Nativo), Rafael Wojcik, Getúlio Vogetta, Heitor Cannale, Gilberto Bandeira, Bruno Calvetti e Hugo Cestari, Luiz Effgen, Jonathan (IAT) e todos que desejaram boas energias a esse feito.
Também, meu patrocinador @moutainbee e apoiadores dessa jornada: Batalhão de Operações Especiais (BOPE PMPR), Grupo de Operações e Socorro Tático (GOST) Bombeiros PR, Conquista Montanhismo, Alto Estilo Equipamentos, Campo Base Ginásio de Escalada, Marumby Montanhismo, Gralha Azul Expedições, Clube de Orientação Gralha Azul (COGA), Mega Distribuidora, CINDACTA 2, Colégio Militar de Curitiba, Equipe Avanço e Fazenda Rio Das Pedras.

Obrigado Alta Montanha pela oportunidade de compartilhar um pouco dessa experiência de vida e dedico esse feito a todos que são amantes do montanhismo consciente.

 

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

25 Comentários

  1. Parabéns pela travessia, obrigado por se inspirar, e ser fã meu e do Jurandir.
    Reconheço que foi um grande feito, digno de respeito. Mais ainda da forma que foi feita, em solo, e pela sua filosofia com genuíno montanhista.
    Na verdade, há decadas muitos planejavam fazer esta travessia. Mas de nada adianta planejar, e não tirar o traseiro do sofá.
    Quem se propoê a fazer algo deste tipo, precisar foco, determinação, coragem, preparo, e principalmente fazer acontecer. Somente assim a coisa sai!

    • Obrigado Elcio. Foi uma experiência incrível e um aprendizado maior ainda esses dias de solidão em meio à nossas montanhas, nos mais variados sentidos. Hoje muito mais fácil de se andar aos tempos que os senhores destravaram muita coisa, mas ainda sim, longas e pesadas caminhadas entre vales e cumes. Estou ainda extasiado com todas as vistas e visões que tive de nossa Serra. Abraço

  2. Na foto, a cobra não é uma jararacuçu e sim um espécime de Bothrops jararaca.

    Arrasou nessa caminhada e solo pela Serra do mar! Ainda não tenho coragem de encarar uma longa distância sozinha por mata fechada 👏

    • Boa tarde Dianna. Obrigado por nós esclarecer sobre a serpente, eu havia ficado na dúvida e como não sou um especialista, posso ter passado a informação achando que era uma jararacuçu.
      Acerca da caminhada, com segurança e confiança se vai longe.

  3. Carolina Scultori em

    Parabéns, Jhonatan! Sou de Curitiba e montanhista desde adolescência, sempre sonhei em fazer um rolê desses. Muito feliz em ver o seu feito e a forma com que realizou essa travessia. Coração quentinho e inspirado aqui! Parabéns demais!!

  4. Grande Jhonny: Tive a satisfação de conviver contigo (e seu parceiro Mayer) durante dois dias por ocasião de uma Alpha-Ômega em 2019. Naquela oportunidade (como, aliás, registrei aqui em Alta Montanha) percebi que se tratavam de grandes atletas e Montanhistas. Parabéns por subir ainda mais a régua do nosso Montanhismo. Um Fraterno Abraço do Norte do Paraná!

    • Esse cvr das montanhas, me motiva fazer algumas maluquice e testar meus limites, sempre com sabedoria e máximo de controle, respeito por ti. Parabéns pela conquista, que venham outras! Forte abraço, CoviiL.

      • CAVEIRA (JHONATAN CARVALHO) em

        Meu irmão 11!!! Você sabe que tem parte nesse feito. muito obrigado pela amizade e pelas palavras! Nas outras você estará com certeza. Covil!!!!

  5. Parabéns pelo feito e pela filosofia de montanha!!
    Percebo, pela breve entrevista que ela lhe transformou, como toda boa travessia deve fazer, seja mais ou menos longa.
    Para isso que subimos montanhas e andamos nas imensidões, não para nos refugiarmos da sociedade, mas para nos encontrarmos, cada vez em uma versão melhor nossa.

    • CAVEIRA (JHONATAN CARVALHO) em

      Rogério! Você conseguiu perceber e notar tudo que realmente aconteceu nessas breves palavras da entrevista. Foi exatamente isso!!! Muito obrigado pelas palavras!!!

  6. Luis Fernando da Rocha em

    Olá Jhonatan, vc é uma inspiração para mim!! Parabéns pela sua aventura. Gostaria de ter o seu contato, é possível? Agradeço muito se vc puder entrar em contato ou me informar algum contato seu. Meu e-mail é [email protected]

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