No mundo todo fala-se muito em “voltar ao normal” após a crise do coronavírus, mas, afinal, o que é este normal?
Até 2019, o “normal” eram os incêndios no mundo todo causados pelas mudanças climáticas que, além de outras consequências, queimaram mais de 10 milhões de hectares de florestas na Austrália e mais de 40 mil hectares na Amazônia brasileira, matando pessoas e animais. “Normal” eram empresas, políticos e sociedades falarem de sustentabilidade, sem, no entanto, realizar as transformações necessárias proporcionais as suas responsabilidades.
Até agora, a pandemia global do coronavírus, com mais de 1,4 milhão de casos confirmados, já matou mais de 87 mil pessoas, segundo New York Times (dados de 8 de abril). Além de outros impactos econômicos e sociais, infelizmente, estamos distantes dos números finais.
Longe de querer enaltecer um dos períodos mais críticos que a humanidade já viveu, com a necessidade de isolamento social na maioria dos países, este momento demonstrou claramente que a economia mundial precisa de um novo “normal”.
Dados de satélite compilados pela Agência Espacial Europeia, NASA e outras instituições mostraram uma melhora dramática na qualidade do ar na maior parte do “primeiro mundo”, quando comparados aos da mesma época do ano anterior e também nas últimas semanas.
As emissões de gases de efeito estufa da China, por exemplo, reduziram em um quarto em comparação ao mesmo período do ano passado.
No entanto, muitos acreditam que esses e outros tantos benefícios ambientais percebidos até o momento serão temporários, já que a produção será aumentada para combater uma crise econômica induzida pelo coronavírus, que por sua vez levará a um aumento dos impactos negativos, com emissões nas condições chamada “poluição retaliatória”.
Uma pesquisa da Universidade de Harvard, publicada em 5 de abril, concluiu que pacientes com coronavírus de áreas com altos níveis de poluição do ar antes da pandemia têm mais chances de morrer da infecção do que aqueles de regiões mais limpas dos Estados Unidos. Este estudo oferece o primeiro elo claro entre a exposição em longo prazo à poluição do ar e as taxas de mortalidade por covid-19.
Na quarentena, tenho visto que as pessoas e as organizações parecem muito mais engajadas com as questões de sustentabilidade, refletindo profundamente sobre sua interação com o planeta e as pessoas. Muitas estão discutindo suas reais necessidades de consumo e as suas verdadeiras fontes de riqueza e sucesso, com percepções bastante diferentes dos conceitos estabelecidos até o momento. Mas será que essas percepções continuarão a fazer sentido no final da crise, com a retomada de nossa rotina e das atividades ditas normais?
É fundamental que as reflexões do agora perdurem, pois ainda é preciso discutir e fazer muito sobre o impacto em médio e longo prazo dos principais problemas globais, como as mudanças climáticas, a miséria e a fome, e todos os tipos de desigualdades.
O economista americano Milton Friedman disse: “Apenas uma crise – real ou percebida – produz mudanças reais”. Sem dúvida, este é um momento decisivo na nossa história.
Reiterando a Organização das Nações Unidas (ONU), do relatório de março de 2020, “com as ações corretas, a pandemia da covid-19 pode marcar o renascimento da sociedade como a conhecemos hoje. Mas isso só será alcançado com o envolvimento de todos os atores – governos, academia, empresas, organizações da sociedade civil, comunidades e indivíduos, agindo em solidariedade de maneiras novas, criativas e deliberadas para o bem comum”.
Não há como seguir em frente e dar respostas aos impactos socioeconômicos da pandemia, sem compreender o real sentido da nossa interdependência, que nos instiga a compartilhar a responsabilidade para um modelo global de solidariedade.
Quais são as mudanças que as nossas sociedades estão dispostas a promover para que as duras lições desta crise possam nos levar a um novo e melhor “normal”?