Elbrus a montanha mais alta da Europa: Parte 3

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A saga continua… Estava cansada, com sono, e com cólicas nessa primeira noite, acabei tomando um medicamento para cólicas, e quando estava começando a dormir, percebi uma certa agitação da minha dupla.

 
Perguntei o quê estava acontecendo, ela falou que não se sentia muito bem, estava com enjoo, fazia uns exercícios de respiração e dizia que ia melhorar. Eu tentando dormir e ela passando mal. Perguntei se não queria algum medicamento ela disse que não. Então fui dormir. Mas ela piorou, ficou no banheiro passando mal, e eu , apesar de médica, fui falar com o Nosso Guia. Ela não tinha febre, nenhum outro sintoma, demos uma medicação mais forte para os enjoos, e o Nosso Guia recomendou que tomasse antibiótico, pois começaríamos as caminhadas no dia seguinte, e provavelmente ela começaria com uma diarréia. Era necessário combater logo no início, senão ela desidrataria, e a aclimatação ficaria prejudicada. Ela só tomou o remédio para os vômitos, falou que não estava sentindo mais nada, que ia melhorar sem antibiótico. Finalmente conseguimos dormir.
 
No café da manhã, chegamos a conclusão de que a salada do “boteco” da estrada foi a culpada, só ela tinha comido. O outro vegetariano olhou o prato e desistiu de comer. Apesar da insistência para que minha dupla tomasse o antibiótico, ela não tomou. Fizemos a primeira caminhada de aclimatação nesse dia. Subimos pelo vale no pé dos Caucasos até uma altitude de 3000 metros. Já dava para avistar o Monte Elbrus, seu colo e os dois cumes. Nesse dia, mais uma das minhas inseguranças foi embora. Fizemos a caminhada, não tive dificuldade, consegui estabelecer um ritmo de passos e respiração bons, sentia o cansaço normal das subidas em altitude, e logo me recompunha nas partes planas do caminho,  estava bem, com as pernas fortes, e cheguei a conclusão de que meu treino é eficaz, não sou sedentária, e estava desconfiada do meu preparo nos meses que precederam a expedição por me influenciar pelos questionamentos que me fizeram, porém, as pessoas que me questionaram não sabem exatamente como é meu dia-à-dia, e quanto e como me exercito. Fiquei confiante com o fato de que saúde e preparo estavam em dia. O ânimo e a felicidade em fazer trekkings, viagens radicais e escaladas estava voltando. Já minha dupla começou a dar os primeiros sinais de uma infecção intestinal, conforme os médicos do grupo haviam previsto. Começou o antibiótico, e mais uma vez a noite demorei para dormir de preocupação. Percebi que ela não estava bem, perguntei o que estava sentindo e dessa vez uma forte cólica. Dei minha medicação e em poucos minutos ela melhorou, e me agradeceu dizendo que eu era o anjo da guarda que ia tomar conta dela, conforme os amigos haviam dito. Fiquei feliz por ter ajudado!
 
No dia seguinte fomos até os 3000 metros de teleférico para mais uma caminhada de aclimatação. Subimos dessa vez até o glaciar, na base do Monte Elbrus, onde ficam os primeiros Barrels, os containers onde dormimos durante os dias de aclimatação acima dos 3000m que antecedem o dia de ataque ao cume. Para os mais dispostos uma caminhada extra, além do ponto onde havia um café, com pedido para uma fotografia feito por turistas russas que estavam por lá. Daqui a montanha já estava bem perto. O céu azul e seus dois cumes brancos, em poucos dias estaríamos subindo até eles.
 
Na volta dessa caminhada fomos alugar e comprar os equipamentos que faltavam, na loja do Russo Doido. Entrávamos dois à dois na loja e saíamos com nossos sleepings bags, crampons, piquetas, botas, jaquetas…. A partir daí cada um era responsável pelo seu equipamento. Tudo seria devolvido depois que fizéssemos o cume. 
 
Equipamentos em ordem , conferidos e alugados ou comprados, hora de começar a subir. Dia de ir para os Barrels, onde ficaríamos por pelo menos 3 dias. Subimos com os equipamentos necessários para os dias a 3700m. Até aqui as caminhadas foram feitas com as botas de trekking. Nesse dia, deixamos as botas de trekking no hotel e subimos com as botas duplas. Foram dois teleféricos fechados, onde lembrei novamente da minha mãe com a história da manutenção mal feita na Rússia. O primeiro teleférico, era bem antigo, outra aventura a parte, mas quem está na chuva é para se molhar, confiamos que ia dar tudo certo e entramos com nossas malas e mochilas de equipamentos. Não há nenhum controle, as instalações são antigas, de madeira, e quem anda pela rua embaixo pode ficar sem a cabeça se não tomar cuidado. Nada separa onde o teleférico fica dos pedestres que passam embaixo.
 
Descemos e ajudamos uns aos outros com as malas e mochilas, para mudar para o segundo teleférico, também antigo, parecendo não passar por manutenção frequente, mas como sempre, tudo dá certo no final. O próximo passo seria o teleférico de cadeirinhas. Em cada uma delas ia um duffle bag com os nossos pertences, noutra uma mochila, e noutra um de nós. Mais uma aventura, andar nas tais cadeirinhas, olhar para baixo e ver partes de algumas delas, ou olhar para o lado e ver algumas voltando sem assento, sem trava, sem gente é claro…. Em cada poste um chacoalhão, rindo, pois rir é o melhor remédio, e pensando, “já pensou a expedição acabar antes do cume porque a cadeirinha do teleférico caiu?”. Não fui só eu que pensei nisso. Mas deu tudo certo, e chegamos ao começo do glaciar onde um Snowcat , nosso veículo de transporte na montanha, nos aguardava para levar tudo e todos até os Barrels onde ficaríamos alojados. Aqui estávamos todos já entrosados, ajudando uns aos outros. Eu estava com uma certa dificuldade para caminhar com as botas duplas, mas dei conta de carregar mochila e equipamentos com os outros amigos.
 
Chegando aos Barrels tivemos alguns contratempos. A princípio só nossa expedição estaria nos Barrels, e seriam os novos Barrels. Mas havia outra expedição que ainda não tinha descido e tivemos que readaptar e ficar nos modelos antigos de Barrels mesmo. Quatro por Barrels, eu e minha dupla tivemos o privilégio de ficarmos só nós em um. Privilégio, ou não, se parar para analisar que com mais gente acaba ficando mais quente o lugar, mas nós duas aguentamos bem o frio. E eu mal podia imaginar o que ainda me esperava no dia do cume. À  noite era ligado um gerador, e tínhamos como carregar baterias, e um pouco de luz para organizar os equipamentos. Galões de água para hidratar, a parte mais importante da aclimatação, galões que depois de vazios viraram nossos banheiros particulares, já que a jornada até o banheiro à noite era uma aventura escorregadia, fria e congelante à parte. Preferimos não arriscar o tombo nas noites.
 
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Sobre o autor

Tatiana Batalha, natural de Mogi das Cruzes SP é médica ortopedista e montanhista, tenho escalado diversas montanhas como Aconcagua, Huayna Potosi, Acontango, Kilimanjaro e outras.

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