Escalada em Gelo x Rocha, o que é mais difícil?

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Já me fizeram esta pergunta várias vezes, mas não soube responder. De fato, são escaladas muito diferentes, veja o que muda de um para outro.

Várias vezes me perguntaram o que era mais difícil: Escalar em rocha ou gelo? Apesar da pergunta simples, nunca soube responder, pois uma coisa é muito diferente de outra.

Na escalada em gelo a maior dificuldade é a qualidade deste, a inclinação da escalada e o próprio frio. Esses fatores fazem com que escalar uma montanha de gelo seja uma coisa no verão e outra no inverno. Gelo bom é quando a piqueta de escalada entra bem e fica bem fixa e segura. Para a gente que mora num país onde não há montanhas deste tipo, é difícil de imaginar, mas há muitas formas de gelo e o melhor, na minha opinião, é de origem glaciar, que é formado pela compactação de neve com o tempo. Nem sempre ao escalar uma montanha, encontramos o mesmo tipo de gelo do começo ao fim.

Pedro Hauck com Parafuso de gelo na Patagônia em 2006.

De acordo com as sombras que a montanha faz sobre o gelo, a exposição aos ventos e a profundidade e proximidade das rochas, há diferentes resistências que faz da escalada em gelo mais ou menos segura. Ou seja, numa escalada em montanha você tem que estar preparado para enfrentar diversas adversidades por estes fatores.

Em geral, a escalada em gelo é mais força e menos técnica. A progressão com as piquetas exige um esforço físico tremendo. Claro que existe também escalada em gelo técnica. Ela é feita geralmente em cachoeiras congeladas e a técnica consiste em achar o melhor lugar para piquetear o gelo duro do congelamento da água, sem ser indelicado, pois a cachoeira pode se desprender.

Escalando em gelo

Na rocha a escalada é diferente, pois você precisa de saliências ou buracos para servirem de agarras em sua progressão. Quando a parede é mais positiva, você escala em aderência, quando negativa, você usa a força.
Uma grande diferença é com respeito a utilização de peças móveis em gelo e em rocha. No gelo não existe proteção fixa, mas as peças móveis que usamos, os parafusos, são muito confiáveis (claro que na dependência da qualidade do gelo). Na rocha você depende de fendas e buracos para usar estes equipamentos. Com o desenvolvimento dos móveis ativos, do tipo Camalot, proteger assim ficou bem fácil, mas numa parede lisa você tem que furar a rocha e bater um grampo fixo, o que na conquista de uma rota em gelo não há situação parecida.

Há outra coisa no gelo que é mais fácil. Depois que você terminou uma via ou quando você desistiu de escalá-la, na rocha obrigatoriamente você tem que achar um lugar seguro para fazer uma ancoragem, seja numa árvore, ou ponta de pedra (o que nem sempre é fácil de achar) ou bater uma parada. No gelo, você pode fazer um abalakov (veja a foto abaixo) e abandonando cordins ou fitas você faz um rapel que quase sempre é seguro.

Abalakov

Ficar quarenta minutos, uma hora, batendo um grampo na rocha é comum. No gelo, perder todo esse tempo poderia resultar em uma hipotermia, na maioria dos casos, pois escalar esta modalidade no calor é muito perigoso, pois obviamente ele derrete e isso resultaria em avalanche, ou seja, escalar em gelo é menos estável e é arriscado.

Quando está frio e a encosta de gelo está mais estabilizada, mas aí aparece outro problema: Escalar com muita roupa. Simplesmente este é um problema difícil de se resolver. Você começa a escalar e a jaqueta, blusa te incomoda. Às vezes você tem tanta roupa que não consegue nem enxergar direito. A luva tira seu tato e deixar as coisas caírem do rack da cadeirinha acaba sendo algo normal. O pior acontece quando você começa a se esquentar escalando, os óculos embaçam e logo toda aquela roupa essencial, minutos antes, passa a ser inútil. Resumindo quando você está escalando, está morrendo de calor e quando pára para dar segurança ao seu parceiro, congela.

Na escalada em rocha não obrigatoriamente há este problema climático, embora haja escaladas em lugares muito quentes, como no Rio de Janeiro e também em lugares mais frios, como na Patagônia.

Escalando no Rio de Janeiro.

Se formos contar vários prós e contras, como acessibilidade à montanhas, fatores climáticos e riscos, acho que a escalada em gelo é a mais difícil, embora existam escaladas em rochas com todos esses problemas mencionados.

Agora se querem saber o que é mais difícil mesmo? Eu respondo: Escala mista a chamada dry tooling. Ou seja, a mistura entre estes dois tipos de escalada. Separei um vídeo para mostrar o que é esta modalidade. É difícil mesmo!

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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