Gasherbrum VI – A SUBIDA (tentativa)

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Ontem, o mau tempo não permitiu carregar a bateria do PDA, por isso, “no news“.


Os últimos 2 dias foram já passados no campo base, após uma tentativa infrutífera ao GVI. Então a história reza assim…

Dia 11, com a idéia de que nos dois dias seguintes estaria bom tempo, saímos do campo base em direção ao “Campo Esperança”, uma tenda que deixamos montada algures a meio do glaciar, bem perto da face do GVI que pretendíamos escalar. Pelas 2 da manhã de dia 12, começou uma longa jornada, que teria o seu final, após quase 20 horas de continua ação, pelas 21:30. Saímos do “Campo Esperança” iluminados pela lua, o que fazia pensar que o bom tempo se iria confirmar. Em cerca de 10 minutos, a suave inclinação do glaciar ficou para trás e de repente eramos dois pequenos pontos que pisávamos terreno que nunca antes tinha sentido a presença humana. Aquela montanha com que tanto sonhamos pareceu de imediato aceitar a nossa presença, a neve estava em condições bastante aceitáveis, o que nos permitiu uma progressão que, nas primeiras horas nos pareceu surpreendentemente rápida. Lá em baixo, no glaciar, vários pontinhos luminosos avançavam em direção ao campo 1, soubemos mais tarde que esses pontinhos viam também a luz projectada pelos nossos frontais, já na segunda metade da face que escalávamos com alegria. A pendente começou com uns 55° e acentuou-se à medida que subíamos. Progredíamos em “ensamble”, colocando algumas proteções aqui e ali, quando o terreno o permitia, um ou outro parafuso de gelo, um ou outro piton em rocha, por vezes proteções confiáveis, por vezes puramente…psicológicas!

A cerca de metade da face, a pendente acentuou-se. As condições do terreno, que com o avançar das horas se foram tornando mais precárias (neve menos consistente), forçaram-nos em certos trechos a montar reuniões, atrasando assim a escalada. Perto das 5 da manhã, quando começaram a surgir os primeiros traços de claridade, tínhamos bem mais de metade da face por debaixo dos nossos crampons, o que nos fez acreditar que pouco depois do nascer do dia conseguiríamos atingir a longa aresta que dá acesso ao cume. Mas o surgir do dia, trouxe consigo duas surpresas, a temperatura subiu bastante e como conseqüência, a qualidade da neve e pouco gelo que existia, tornou-se cada vez mais precária.Também a meteorologia nos surpreendeu, o que era suposto ser um bom dia, surgia como um céu sem sol, a despejar incômodos flocos de neve. Percebia-se que o sol queria sair, mas as nuvens que nos envolviam insistiam em dificultar-lhe essa tarefa. De repente, a escalada tornava-se cada vez mais dura, maiores inclinações num terreno cada vez menos confiável e claro… o tempo necessário para ganhar metros à montanha era cada vez maior.

Meio-dia, a aresta parecia estar mesmo ali, mas as dimensões enganavam-nos.Os 65° que a pendente agora oferecia, iam ainda acentuar-se! As modestas cornijas vistas do glaciar eram agora enormes tectos de neve, que de quando em vez deixavam cair pequenos troços de gelo. Pequenas avalanches provocadas pelo calor e algumas rochas que se soltavam e zumbiam devido à velocidade, provocavam um stress cada vez maior. O grau de confiança… esse começava a descer. Apesar de muito perto, talvez a cerca de 100m da aresta (e com mais de 700 metros de ascensão cumpridos), a tarefa de a atingir parecia cada vez mais complicada. Olhamos em volta com idéia de montar a tenda, ainda sem saber muito bem se o objectivo do dia seguinte seria continuar, mas à nossa volta, tudo era terrivelmente empinado e exposto, pelo que fomos forçados a admitir que ou íamos para cima… ou para baixo!

– “Paulo, sobe lá mais um bocado, até aquelas rochas, pode ser que dê!”

Apenas mais dois largos de escalada e estaríamos na aresta. Numa desconfortável reunião de dois parafusos de gelo, eu assegurava e o Paulo tentava progredir numa pendente de 70° de gelo de fraca qualidade.

– “Acho que não vou conseguir”.

Um segundo depois, vejo o piolet que tinha na mão esquerda a enterrar-se num troço de neve que se desfez como areia. Acima das nossas cabeças erguiam-se uns pequenos esporões de neve vertical perfeitamente inconsistente, resultado da acumulação provocada pelos ventos constantes que sopram do lado oposto da montanha. A culminar esses esporões, algumas cornijas complicavam ainda mais a saída para a tão desejada aresta. Tornara-se impossível tanto progredir, como proteger.

O resultado do esforço estava à vista: teríamos de descer!

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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