Guerra na Ucrânia faz alpinistas trocarem piolets e cordas por armas

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Os conflitos na Ucrânia alteraram completamente a rotina dos moradores desse país. Entre eles, alguns alpinistas que desafiavam as montanhas mais altas e perigosas do mundo em seus projetos de escalada e agora enfrentam armas e soldados russos. Enquanto isso, do lado russo, alguns alpinistas pedem pelo fim da guerra.

Irina Galay trocou seu macacão de plumas, com o qual chegou ao cume do K2 no último verão pelo uniforme militar. Ela planejava escalar o Annapurna na próxima primavera (outono no hemisfério sul), no entanto diante da guerra, seu principal foco nesse momento é ajudar seus conterrâneos.

Irina no cume do K2 no ano passado e agora se preparando para o combate.

Já o guia Valentyn Sypavin que também esteve no K2 no ano passado, conta que escalou com clientes russos no último verão, poucos meses atrás. No entanto, agora foca suas energias para fugir com sua mãe e seu filho das áreas de conflito. “Sempre falei russo, tinha muitos conhecidos na Rússia, clientes, amigos(!), parentes, mas há três dias tudo mudou”.

Outros três ucranianos que se destacaram com a escalada de uma nova rota no Annapurna III. O trio formado por Mikhail Fomin, Nikita Balavano e Viacheslav Polezhaiko são fortes candidatos ao Piolet d’Or por esse feito, mas terão que enfrentar algo muito mais perigoso que uma tempestade na montanha. “Incrivelmente, três dos alpinistas mais durões atualmente na Terra correm um risco muito real de serem mortos em um futuro próximo pelos militares russos. Esses não são caras que cresceram sonhando em ir para a guerra. Eles são pessoas super amigáveis ​​e normais que amam escalar montanhas, amam suas famílias e só querem viver uma vida pacífica”, desabafou o amigo dos alpinistas ucranianos, o americano Colin Haley em suas redes sociais.

Jenya Kazbekova integrante da seleção ucraniana de escalada  conta que sua vizinhança foi destruída por bombas aéreas, ela e sua família fugiram a tempo e estão seguras no momento. Illya-Bakhmet Smolensky e Fedir Samoilo, também escaladores da ucrânia, estavam fora do país quando os conflitos começaram e agora usam sua influência como atletas para conseguir abrigos para seus conterrâneos.

Montanhistas e federações de escalada do mundo todo ofereceram refúgio aos escaladores ucranianos e seus familiares. No entanto, homens de 18 a 60 anos estão impedidos de deixar o país.  Enquanto isso academias e sedes de clubes da Ucrânia com proteção antibomba são transformadas em abrigos.

Academia usada como abrigo em Odessa.

Do lado russo

Inúmeros alpinistas russos se declararam contra a guerra mesmo sob o risco de sofrerem perseguições do governo. O site Mountain.ru publicou uma declaração pública anti-guerra.

“Compatriotas! A eclosão da guerra entre a Rússia e a Ucrânia é uma VERGONHA. Esta é a NOSSA vergonha, mas, infelizmente, nossos filhos, uma geração de russos muito jovens e ainda não nascidos, também terão que assumir a responsabilidade por isso. Não queremos nossos filhos vivendo em um país agressor, para que tenham vergonha de que seu exército atacou um estado independente vizinho. Apelamos a todos os cidadãos da Rússia a dizer NÃO a esta guerra. Não acreditamos que uma Ucrânia independente represente uma ameaça para a Rússia ou qualquer outro Estado. Não acreditamos nas declarações de Vladimir Putin de que o povo ucraniano está sob o domínio dos “nazistas” e precisa ser “libertado”. Exigimos o fim desta guerra!”

Uma carta também assinada por mais de 900 pessoas também se coloca contra a invasão russa.

‘Em nosso esporte, a idade não nos separa. Crianças, adultos e idosos treinam e escalam juntos. As crianças crescem ao lado dos mais velhos, e os velhos ficam mais jovens ao lado dos filhos. No nosso esporte, as conquistas não nos separam. Campeões mundiais e iniciantes escalam nas mesmas academias. Nós nos apoiamos, torcemos um pelo outro, somos amigos. Nós realmente não nos importamos com quem é melhor. Em nosso esporte, as fronteiras internacionais não nos separam. Subimos nas mesmas rochas. Encontramos amigos de todo o mundo. Confiamos nossas vidas uns aos outros, mesmo que nem sempre possamos falar a mesma língua. Nós nos entendemos sem palavras, por linguagem de sinais. Torcemos por nossos atletas nas competições e logo em seguida torcemos por atletas de outros países. Temos o melhor esporte e as melhores pessoas, as melhores relações sem fronteiras. Mas hoje, a guerra nos divide. É impossível olhar para ele e é impossível desviar o olhar. Não queremos esta guerra, é terrível e repugnante, não há desculpa para isso. O ataque à Ucrânia envenena a alma e parte o coração. Envenena nosso esporte e quebra nossos sonhos. Exigimos o fim desta guerra.

Todavia, essa posição não é unânime entre os cidadãos russos. Segundo a jornalista  Elena Laletina há uma forte propaganda estatal que consegue convencer parte da população de que a guerra é necessária. Além disso, a Rússia bloqueou aplicativos de redes sociais como Facebook e Twiter que funcionavam como uma fonte de informação do exterior.

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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