Histórico Macabro

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É muito provável que as montanhas com o maior número de mortes no Brasil sejam o Pão de Açúcar e a Pedra da Gávea (*), entretanto, a estatística do Pão de Açúcar guarda algumas curiosidades devido a sua diversidade.

Conhecemos as fatalidades ocorridas nas vias de escalada como CEPI, Italianos e Às de Espada, entretanto, isso vai mais longe. Na década de 1980 um avião Bandeirantes chocou-se contra a face norte, explodindo e, obviamente, matando todos os ocupantes. Outra classe de morte é o suicídio, algumas pessoas jogaram-se propositalmente do cume. Outras cairam da montanha por falta de cuidado, conhecimento ou por estupidez, como esta última relatada pelo o Paulo Henrique (PH). Aliás, este poderia ser o caso da Múmia da Gallotti. Porém, pessoas também morrem na base formada pelos costões e blocos de rocha, incluindo pescadores, por causa da chegada súbita de ondas de tempestade. Essas ondas podem alcançar mais de 3 metros de altura e são geradas a mais de mil quilômetros no oceano, chagando à costa de forma repentina. Lembro de alguns casos.


Podemos ainda considerar que a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada exatamente na base do Pão de Açúcar, na face norte. Na época a área era habitada por índios. Se levarmos em conta os conflitos entre as tribos de índios, entre portugueses e índios e ainda portugueses contra franceses… Alguém deve ter morrido naquela época na montanha. E aqui surge novamente a tese de que o Pão de Açúcar deve ter sido subido muito antes de 1817, talvez ainda nos séculos XVI ou XVII porque era um ponto estratégico de observação, de acordo com o José Augusto, do CEB.

Lembro que o Costão era muito mais fácil, com raízes no crux. Até a década de 1980 achávamos com facilidade balas (esféricas) de canhões antigos na face leste. Eu mesmo achei duas dentro da Chaminé Pão de Açúcar, a 100 m de altura!! Ou a montanha foi palco de uma batalha, ou servia de alvo para os canhões posicionados no forte de Niterói, ou as duas possibilidades.

Outro fato interessante é que existia um edificio militar que fechava toda a Praia Vermelha e que o mesmo foi bombardeado durante a batalha militar (revolução) de 1930. Pouco depois, ou mesmo antes, formou-se uma pequena favela onde hoje fica o trecho entre 500 e 700 m da pista Claudio Coutinho. Desconheço a forma com que essa favela foi erradicada.

E a construção e instalação do bondinho (teleférico), inaugurado em 1919? O número de técnicos e operários envolvidos era grande, será que nenhum peão despencou lá de cima. Se hoje não é raro trabalhadores morrerem em grandes obras, imagine naquela época com aquelas condições de trabalho?

É possível que algumas pessoas tenham morrido nos costões do Pão de Açúcar muito antes do montanhismo como o conhecemos. E continuam morrendo. No ano passado (2008) vi de longe um helicóptero fazer 3 viajens ao Costão num período de meia hora. Retirava um ou mais corpos, mas não ficamos sabendo deste fato. Sabemos apenas quando aparece na mídia ou quando algum escalador presencie e dê a notícia. Mas quantas mortes não foram noticiadas?

Enfim, é impossível saber o número de fatalidades ocorridas no Pão de Açúcar, mas é muito provável que seja a montanha com o maior número de mortes do país, inclusive em função da diversidade. Aliás quase foi somada uma bizarra… Alguns anos atrás conheci um francês (Michel Blanc) que planejava descer o Costão (a maior parte dele) de esqui!!! Ele pediu a minha ajuda, por saber que eu também esquiava. Sim, é possível com esquis com bordas de aço reforçado, usados para descer gelo. Pode funcionar na rocha também, especialmente a do Pão de Açúcar que tem muita rugosidade, mas o risco e altíssimo. Ele queria fazer história e ser o primeiro a esquiar esta montanha, ou talvez morrer esquiando. A linha planejada era o São Bento e o Costão, com exceção dos cruxs dessas duas vias, onde ele faria rapel. Ele prometeu voltar com esquis apropriados. Ahhh… Lembram da história da "avalanche" de gelo na face norte do Morro da Urca no início deste ano? Se alguém tivesse morrido, seria uma morte para lá de bizarra.

Antonio Paulo Faria

(*) No livro Montanhismo Brasileiro (2006) fiz um pequeno ensaio sobre este tema, mas o palco foi a Pedra da Gávea. 

Veja mais:

:: Escaladas no Rio de Janeiro – Rumos: Navegação em Montanhas

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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

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